Epílogo - Fim de Bacanal

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Abre a janela agora
Deixa que o Sol te veja
É só lembrar que o Amor é tão maior
Que estamos sós no céu
Abre as cortinas pra mim
Que eu não me escondo de ninguém
O Amor já desvendou nosso lugar
E agora está de bem...

Marcelo Camelo, "Conversa de Botas Batidas"

Merengue de morango. Geleia de amora. Pão de batata. Bolo de cenoura. Queijo fresco. Manteiga salgada. Ovos mexidos. Pudim de leite. Mousse de cacau. Bacon frito. Creme de papaia. Biscoitos de coco. Bolachas de aveia. Mel, melado, açúcar. Água gelada, vinho tinto. E todo tipo de fruta que um ser humano pudesse conceber.

O que era para ser um almoço tardio acabou por se tornar uma mistura de café da manhã alcoólico com desfile de sobremesas, no que os servos do Palácio do Vinho quase se desfaziam em agrados, vendo com um alívio mitológico seu mestre finalmente comendo como devia, e socando na mesa todos seus pratos preferidos. Apolo demorou menos de um minuto para perceber que ele era quase uma formiga, se perguntando para onde ia todo aquele açúcar. Ainda mais nas poções muito generosas e aparentemente infinitas que o menino botava na boca. Era muito para uma coisinha tão pequena.

— Não... vai... comer...? — Dionísio lutou para dizer, entre uma mastigada e outra, as bochechas lotadas de biscoito, fazendo-o parecer um filhote de esquilo.

Só agora Apolo percebia que realmente havia deixado meias porções largadas no prato. Estava com fome, na verdade, e muita. Mas já era a terceira vez que se pegava parado, apenas olhando para ele. O menino devorava tudo o que tinha pela frente, bebendo seu vinho contente e sorrindo feliz para os carinhos dos servos. Deixando para Apolo apenas contempla-lo como um imbecil apaixonado que era de fato.

Apolo estava feliz. Mas tão, tão feliz, que não sabia como lidar com isso, como se tivesse esquecido a sensação. Tal qual um músico que aprende uma canção na infância, e depois de anos longe da sua arte, senta-se em frente ao instrumento de novo, apenas para perceber que não se recorda da ordem das notas. O Sol era infeliz há tantos séculos que não se lembrava mais de como se portava quando não era. Aquele sorriso que queria nascer na sua boca parecia muito certo e muito estranho ao mesmo tempo, como se tentasse encaixar uma peça bonita no molde errado. Mas ele queria sorrir, então sorriu. Mesmo que lhe parecesse inadequado. Mesmo que isso desse aos seus lábios uma nova forma. Descobriu que gostava cada vez mais dela.

Dionísio continuava olhando para ele, se apressando em engolir, apertando cada vez mais as sobrancelhas castanhas uma na outra, numa leve apreensão vinda daquela falta de resposta. Quando Apolo então notou que ainda o fitava calado, apenas sorrindo patetamente. Estava para quebrar o silêncio quando ouviram:

— Ele já está te comendo com os olhos, amorzinho...

Eros surgiu na sala de jantar, sorrindo malicioso, com direito a todos os seus dentes brancos e perfeitos, vendo o casal sentado a mesa: Dionísio na ponta, como era apropriado ao dono da casa, e Apolo do seu lado direito. O deus do Sol apenas olhava o pequeno comer três doces diferentes de uma vez, deixando seus lábios sujos de calda e açúcar, e mesmo assim parecendo a achar a coisa mais linda do mundo. Eros quase podia enxergar coraçõezinhos cor-de-rosa brilhando nos seus olhos.

Adoro meu trabalho... Cupido gabou-se para si mesmo, jogando o cabelo para trás.

— Alguém acordou de bom humor. — Baco comentou, devolvendo o sorriso devasso do amigo com o seu incoerentemente inocente.

Ah, sim, o humor de Eros estava excelente. Quase saltitava nos passos finais que o separavam da mesa, parecendo flutuar pelo caminho, levando um sorriso de arder as bochechas. Não apenas isso, mas, se fosse realmente possível, estaria ainda mais bonito que o normal. Os cabelos pareciam mais claros e brilhantes, bagunçados daquela maneira charmosa e languida que fazia imaginar que ele sempre havia acabado de sair de uma cama – e não estava exatamente dormindo nela... – os lábios estavam levemente inchados e mais corados que o de costume; a pele brilhando vistosa e macia, como a de uma grávida estaria.

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