Capítulo XI - Sexo e Uva

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Antes de me ofender
Antes de se afastar
Gosto de você, pra começar.
Gosto de você, pra começar.
Antes de entristecer
E antes de me culpar
Gosto de você, pra começar...

— Cícero, "Porta, Retrato" (Adaptada)


Eros respirou fundo bem devagar, franzido de leve o cenho branco. Tinha espalhado chá de camomila pela mesa inteira, lascando a sua linda porcelana chinesa, enchendo o ar com seu aroma delicado. Mas o perfume de Apolo também chegava com facilidade as suas narinas. Ele tinha um cheiro levemente adocicado parecido com própolis, e algo mais seco e suave por baixo, como aveia ou cereais. Porém, o que riscou linhas na sua testa, foi outro cheiro impregnado nele. Algo mais forte, apelativo e extremamente familiar ao deus do Amor.

— E então, tio querido? — Eros questionou, exprimindo as palavras entre os dentes perfeitos numa falsa paciência raivosa. — Vai ficar só olhando para a minha cara linda? Podia ter pedido um quadro!

— Não se faça de inocente, Eros! — Apolo rosnou, mostrando os dentes compridos e brancos. O Amor achava nunca o ter visto tão furioso na vida e eles tinham um histórico bem comprometedor nesse sentido.

Suas pupilas eram pontinhos minúsculos no céu do azul dos seus olhos, os cabelos lisos e dourados estavam completamente desordenados, esparramados pela sua testa morena, e os punhos fechados tremiam de raiva contida. Ele parecia uma força da natureza, como uma tempestade de areia ou incêndio natural. O que era absolutamente estranho aos seus modos sempre polidos, pensados e contidos. Todavia, se havia alguma reserva de cometimento e frieza lógica nele agora, estava muito bem oculta pela sua pele bronzeada e febril, esquentando causticamente o ar ameno a sua volta. E o ardor incendiário por detrás das suas íris azuis parecia extremamente destrutivo. Mas, seja lá qual motivo o tenha levado a isso, não era exatamente desagradável de se ver.

Eros não pode deixar de se impressionar com a beleza dele, mesmo a aquele risco. Sempre achara Apolo estonteante. O filho de Afrodite entendia por que a maioria o tinha elegido como o mais belo entre os deuses. Tudo nele espelhava a graça da mãe, parecendo equilibrado e convidativo. Sua áurea afetiva contribuía, sem dúvida. Porém, ele próprio não estava tão certo quanto a isso. Podia ser a fusão perfeita do encanto dos dois gêneros e de fato era. Mas havia algo mais no deus do sol. Uma solidez máscula, uma timidez intrigante e uma sensualidade distraída que ele nunca poderia imitar. Além do mais, existe algo na cólera masculina que lembra intimamente a virilidade e aquela raiva cadente só servia para deixá-lo mais bonito.

O quanto nós não poderíamos nos aproveitar se não fosse por essa rixa estúpida... O Cupido se lamentou, para si mesmo, quase deixando um sorriso mínimo entregar seus pensamentos. O pior disso tudo, Apolo, é que, no fundo, eu gosto de você. E, de fato, sorriu sem querer. Eu sempre gostei de você...

Mas seus devaneios afetivos foram interrompidos quando ouviu Apolo gritando:

— ... pelo amor de todos os deuses, me diga de uma vez, por que você fez isso?

— Um momento aí! — o anfitrião exclamou, erguendo um dedo fino e elegante para ele, depois de despertar dos seus sonhos lúcidos com uma sacudida de cabeça. — Você vem até a minha casa sem ser convidado, quase quebra o meu pescoço e eu que tenho que me explicar? — por pouco não gritou, completamente indignado. Nem tanto, querido... — Não mesmo, Polly!

— Eu não estou com clima para brincadeiras...

— E eu não estou rindo. — o Cupido sibilou, estreitando os olhos escuros e cruzando os braços sobre o peito. Por que tão difícil?... — Pode começar me dizendo por que invadiu a minha sala com esse cheiro de sexo...

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