Capítulo VII - Os Deuses da Ilusão

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Amar pode doer.
Amar pode doer às vezes
Mas é a única coisa que eu sei.

— Ed Sheeran, "Photograph"

— dois séculos atrás —

Talvez houvesse outras vidas além daquela, da mesma maneira como existiam mundos no universo e planos paralelos dentro daquela dimensão. Talvez, em alguma delas, ele fosse um genocida lunático e sanguinário que matara milhares, por isso o Destino estava cobrando tanto karma. Eu poderia morrer sentado aqui mesmo... Eros pensou, evitando procurar uma sacada alta para pular e dar um fim rápido e piedoso ao seu sofrimento.

Ele estava em uma festa de bebê... DE BEBÊ! Daquelas que as donas de casa fazem quando uma delas está para parir. Era terrível! Eros até gostava bastante de crianças, mas tudo o que havia ali eram mães histéricas que insistiam em pedir permissão de Afrodite para tocá-lo ou apalpá-lo na cara dura sem nem se dar a esse trabalho. Normalmente não se importava muito com isso, era relativamente frequente, mas para tudo existia um limite aceitável e nem ele merecia tanto assédio gratuito. "Nossa, que cabelo mais macio...", "Oh, vejam essa pele de pêssego...", "O que eu não daria por essa boca de menina..." elas tinham dito. De menina... De menina! Ele sabia muito bem que seus traços eram mais delicados e pequenos do que deviam, muito obrigado, não precisava jogar na cara. Além disso, tinha certeza absoluta que o tamanho e formato da boca de alguém eram culpa da genética e não do gênero! Eros não se ofendia por lhe serem atribuídas características femininas, ele era tão apaixonado quanto e ainda mais fascinado pela natureza das mulheres. Apenas detestava a necessidade que as pessoas tinham de tipificar e limitar as coisas.

Enfim... a futura mamãe felizarda era uma das ninfas preferidas de Vênus e ela fizera questão de comparecer. Ele devia ter feito algo muito errado e esquecido, só isso explicaria sua mãe tê-lo arrastado para aquilo. Depois de umas duas horas de abuso explícito e ofensas implícitas, acabara por quase se esconder, camuflado entre os quadros de um corredor.

— Sinto meus órgãos parando de tédio a cada segundo...

Eros quase pulou de susto com a voz inesperada e desconhecida. Não que fosse uma fala alta ou um tom desagradável. Ele tinha sussurrado na verdade e a sua voz tinha um timbre de suspiro, mas estava tão distraído em sua auto piedade mental que não o tinha percebido.

Eros virou-se para dar de cara com um deus atrás dele. Oh, o que temos aqui...? Pensou surpreso. Sua chateação pareceu evaporar como orvalho da manhã ao abstrair a imagem daquela pessoa. Se soubesse que encontraria divindades tão bonitas naquele lugar, tão estaria resmungando tanto.

Os cabelos dele eram quase azul-petróleo de tão pretos, um contraste bonito a sua pele branca. Tinha nas orelhas vários brincos prateados, um deles rodeava – incrivelmente – o meio do seu lábio de baixo, deixando para Eros pensar como devia ter doído para colocá-lo e em como dava um ar sensualizado e lúbrico a sua boca pálida. Boca muito interessante aquela, por sinal; era quase tão cheia quanto a sua, os traços ainda mais cinzelados. Uma criatura muito exótica, era o que diria de cara. Combinava perfeitamente com os seus olhos. Ainda estava custando a acreditar, mas eles pareciam bolas de gude sortidas ou a lente de um caleidoscópio, tinham dezenas de cores cada um. Não sabia quem ele era, mas já queria descobrir.

— Perdoe-me. — ele disse, abrindo um sorriso que não pareceu nem um pouco arrependido, deixando ver uma arcada de dentes compridos e extremamente brancos. — Não quis tê-lo assustado.

Eros estreitou os olhos, devolvendo seu sorriso travesso.

— Não sei se acredito em você... — murmurou provocante, erguendo uma sobrancelha loura.

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