Capítulo XXIV - A Canção do Assassino

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Ele segura meu corpo em seus braços
Ele não queria me fazer nenhum mal
E ele me segura apertado

Ah, ele fez tudo para me poupar
Das coisas horríveis que a vida traria
E ele chora e chora

E eu sei que ele sabe estar
Me matando por misericórdia

— Aurora, "Murder Song"

— Eu costumava dormir no meio dos meus irmãos, me acostumei a isso... — A Coisinha prosseguiu, alheia a toda nova empatia que emanava de sua companhia. Até virar lentamente o rosto bonito para seu lado de novo. — Eu não sabia que me via, que estava incomodando. Realmente sinto muito...

— Não estava.  — Argos interrompeu, dessa vez sendo ele a deixar os olhos nas constelações. — Sinto muito se fiz parecer que sim.  — Murmurou por fim, com uma risada curta. — Você não conseguiria incomodar nem se tentasse muito, Coisinha...

Argos nem viu quando adormeceu.

*

Depois daquilo, alguma coisa tinha mudado. Ele não sabia dizer o que, mas tinha. Talvez aquela empolgação tímida em acabar o trabalho e voltar logo para o acampamento. Talvez o fato de o pegar olhando para si quando esquecia que os olhos o estavam vendo.
Talvez...

— Você realmente vai ficar aí? — ele reclamou baixinho.

— Ainda com isso? — Argos questionou, colocando a bacia de água limpa perto dele.

— Normalmente você fica lá! — insistiu, apontando exageradamente para a tenda.

— Fico, e por isso não consegui chegar rápido o bastante para te impedir de cair de bunda ontem.  — lembrou, fazendo as orelhas pontudas dele abaixarem de vergonha. Era difícil fazer algumas coisas com aquele tornozelo. — Além disso, sinto acabar com as suas ilusões, mas não tem um centímetro desse corpo que eu já não tenha vis...

— NÃO PRECISA DIZER EM VOZ ALTA!  — ele quase gritou, no cúmulo da vergonha, tapando o rosto quente com as mãos.

Argos conteve uma risada na garganta, divertido, mas surpreso também. Aquela era a primeira vez que o via falando alto, ele parecia ter um medo soberbo de fazer qualquer ruído a maior parte do tempo. Aquilo poderia dizer que ele estava se soltando.

Sem saber porque, isso fez Argos sorrir.

— Pare com esse drama, você é bonito demais para isso... — soltou baixo, colocando as coisas mais perto dele.

E pelos olhos da nuca viu uma das coisas mais engraçadas da vida. Coisinha o encarou com tanto espanto que seus olhos dobraram de tamanho e a sua cara virou uma coisa hilária.

— Você me acha bonito? — questionou um pigarreio agudo e incrédulo, como se soubesse estar fazendo a pergunta mais absurda do da história.

— Eu acho.  — Argos disse tranquilamente, dando os ombros largos e voltando-se para ele com as mãos nos quadris.  — Você não?

— Eu... eu... quê?  — gaguejou confuso, como se nunca houvesse pensado na questão.

— Vai levar o dia todo nisso? Eu tenho mais o que fazer.  — o pastor reclamou.  — Vamos, tire isso. — ordenou, lhe puxando as barras da roupa.

Coisinha deixou que o despisse na letargia do choque, ajudado pelo fato de não estar usando muita coisa. A visão do corpo pequeno e moreno nu já era conhecido dos seus olhos, mas nem por isso menos atraente. Não estivera mentindo afinal, achava aquela criatura especialmente bonita, desde a pele castanha, os olhos dourados e os cabelos brancos como algodão.

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