Capítulo XXII - Compartilhar

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Através das tempestades e da luz
Querido, você ficou ao meu lado
E a vida é vinho...
Você sente a respiração doce do tempo
Está sussurrando "a sua verdade não é minha"
"Não existe 'eu' no trio."

— Interpol, "No In a Threesome"


— Dionísio, querido... — balbuciou, ainda sem mexer um único milímetro. — Por que tem um Eros nu na nossa cama?

Quase pulou de susto ao ouvir o trinco da ponta sendo travado, virando-se para ver Baco escorado na madeira, com um sorriso afiado e travesso nos lábios, mas ainda sim estranhamente inocente, como se fosse uma criancinha escondendo os doces do colega. O que era muito assustador por que não havia absolutamente nada de infantil e ingênuo naquilo.

— Mas que ultraje... — foi a voz sedosa e arrastada de Eros que respondeu, fazendo Apolo voltar-se para ele automaticamente. — Eu não estou nu, vê? — instruiu, mostrando os pulsos. — Eu estou embalado para presente!

Uma fita de seda cor de rosa em forma de laço. Só isso. Um fita rosa-pastel delicadamente enrolada ao redor dos pulsos brancos, ornamental e decorativo, como se realmente fosse um toque final numa caixa de presente. Essa era a única coisa que Eros tinha na pele. Todo o resto do seu corpo estava perfeitamente e atordoantemente a mostra, ajoelhado e claro contra os lençóis azuis.

Ali. Esperando...

Eros sorriu daquele jeito que derretia montanhas de gelo, ridiculamente lascivo e malicioso, os olhos pretos brilhando como diamantes. Não se parecia nada com a criatura machucada e patética que vira dias antes. Ainda tinha hematomas na pele, podia ver todos com perfeição e excelência. Mas a postura, a áurea, a sensualidade latente, pertenciam ao Cupido que ele conhecia a muito tempo. A muito mais tempo que o próprio Dionísio. Ele tinha marcas por fora, mas não parecia mais estilhaçado por dentro. E, involuntariamente, Apolo agradeceu por isso.

Embora não pudesse se sentir aliviado, considerando a situação. Apolo estava tudo, menos aliviado. Quente, confuso, envergonhado.

Excitado.

Mas aliviado, não.

Eros lia as suas expressões com a mesma maestria que o tirava do sério a oitocentos anos, o que pareceu abrir mais o sorriso alinhado entre seus lábios cheios. E ele o olhava da mesma maneira que o via fitando Dionísio no começo, com uma cobiça e desejo inegáveis demais para serem ignoradas ou confortáveis. Os olhos dele estavam estritos e as faces rosadas por baixo da pele clara. Os cabelos escorriam soltos como cascatas brancas pelos ombros, acabando em ondas suaves antes dos mamilos, que eram rosados e pequenos, menores que os de Dionísio.

Não sabia porque tinha pensado naquilo...

Sentiu dedos na sua cintura, vendo Dionísio o rodeando lentamente, como se fosse um cervo e ele, a pantera, impelindo-o para mais perto da cama. Engoliu a seco ao olhar nos seus olhos verdes.

— O que está acontecendo? — murmurou, perdido como uma criança no meio da guerra.

Não conseguia tirar os olhos de Eros. Mesmo que tentasse, era como se sua pele fosse um imã e, seus olhos, algum metal pesado. Mas isso não era certo. Algo no seu íntimo gritava. Dionísio estava ali, seu noivo prometido, e ele perdendo as íris nas curvas nuas de outra pessoa. Mesmo que não entendesse o que se passava, o incomodo foi tanto que ele apertou as pálpebras, tentando de qualquer forma fugir daquela contemplação adultera. Chegando a cobrir os dedos sobre elas.

— Dionísio, o que está acontecendo?... — repetiu, meio desesperado. Não queria que ele entendesse aquilo errado. Não queria traí-lo nem mentalmente.

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