"Maria Júlia."

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Ainda estava aqui, sentada no chão com minha blusa rasgada, minha calça e calcinha abaixadas, chorando, sem entender o que aconteceu, sem entender o porque disso ter acontecido.

Depois de longos minutos, me levantei, criando coragem, finalmente. Já era tarde, estava tudo escuro e eu, estava desnorteada, sem saber o que fazer, pra onde ir, sem entender o que aconteceu. Levantei minha roupa e comecei a procurar a chave do carro pelo beco que havia caído do meu bolso, achei a chave e fui indo em direção ao carro.

Não havia mais ninguém nas ruas, apenas carros passando em alta velocidade sem se preocupar e sem desconfiar que uma jovem havia sido estuprada no beco e mesmo se eles soubessem, iriam culpar a roupa, mesmo que eu estivesse de calça, afinal, a mulher está errada, sempre.

Eu entrei no carro, vendo as compras que havia feito jogadas no banco de trás. Tranquei o mesmo, fechando as janelas e encostei minha cabeça no volante chorando, chorando muito, eu queria sair de mim mesma, eu queria me esquecer de todo aquele toque. Ele não havia gozado, penetrou "apenas" duas vezes mas foi mais que o suficiente pra eu me sentir usada, pra eu me sentir suja.

Não sabia se eu ligava pra alguém, se eu guardava pra mim, eu não sabia o que fazer. Eu não havia visto o rosto dele, não tinha como o denunciar, ele podia fazer isso comigo novamente ou com qualquer outra mulher. Eu sou tão inútil que nem uma denúncia eu posso fazer, nem ajudar outras mulheres a não passar por isso eu posso.

Liguei o carro indo em direção a casa, chorando sem ver nada, estava tudo embaçado e eu dirigia, apenas dirigia implorando a mim, implorando a Deus para que isso saísse da minha mente. Não, isso não é culpa de Deus, é culpa do humano. Homens não são irracionais, eles sabem sim o que fazem, o que devem ou não fazer e fazem porque querem, sem desculpas, sem motivos, ninguém aponta uma arma na cabeça deles e fala "estupre" eles fazem porque querem, porque são tão estúpidos ao achar que a mulher é apenas um objeto, que a mulher só serve pra sexo, são tão estúpidos a não perguntarem se a mulher quer ou não. Se fazer sexo naquele momento, com aquela mulher, mesmo que ela não queira, for da vontade dele, é o certo a se fazer, independente se ela vai gostar ou não.

Eu que sempre fiz textos e mais textos, eu que sempre ajudei mulheres que passaram pelo estupro, eu que sempre defendi a mulher de todo assédio que via, fui estuprada. Eu, havia, sido, estuprada. A ficha não cai.

Estava chegando perto do condomínio e a minha vontade era capotar o carro, não ter que contar pra ninguém e assim, me livrar desse tormento mas eu não tenho coragem, eu não tenho coragem de fazer isso, eu sou, eu não consigo explicar, eu me sinto uma inútil ou talvez, eu seja mesmo uma inútil, seja apenas um objeto, não só para ele mas pra todos.

Minha mente está embaralhada e eu só consigo chorar, eu estou na frente da minha casa chorando, chorando por me sentir suja, por me sentir usada, por me sentir culpada, estou aos prantos querendo voltar pra aquele momento e ter passado direto do posto. Provavelmente Thiago está cansado e vai dormir, nada de maratona, nada. Apenas chegar e ir dormir. Eu não devia ter parado, eu não devia ter ido ao boliche, eu não devia ter saído a essa hora, a culpa foi minha, totalmente minha e eu não sei com quem falar, com quem contar, todos vão me julgar quando souberem o que aconteceu, eles vão falar que eu sou culpada, eu sei que eu sou mas não, por favor, eu só quero ficar em paz.

Eu saí do carro, minha visão estava embaçada, minha cabeça doía e eu não conseguia parar de chorar, eu não conseguia me acalmar. Tranquei o carro indo em direção a casa a minha frente, quando cheguei na porta, toquei a campainha e minhas forças se esgotaram. Eu caí e logo em seguida, a porta foi aberta.

"Maria Júlia." eu, que estava no chão sem força alguma, só consegui chorar olhando pro mesmo "O que aconteceu? Vem." disse com uma expressão preocupada me pegando no colo e me levando para o seu quarto.

Eu deitei na cama dele fechando meus olhos com toda força ainda chorando.

"O que aconteceu, amor?"

"Eu fui estuprada." falei em sussurros chorando mais ainda "Eu fui estuprada, Léo."

O Acaso - Leozin MCOnde histórias criam vida. Descubra agora