XXVI

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Audrey acordou com uma terrível dor no corpo. Mais especificamente, do lado esquerdo do seu corpo. Parecia que seu braço iria cair, literalmente. Ao olhar para o lado, notou que Cecília estava dormindo serenamente em cima dele. Ela apreciou a imagem por um bom tempo, sentindo-se absurdamente feliz por ter Cecília em seus braços, até um celular que estava em cima da mesa acender a tela, clareando todo o quarto escuro.

Ela deu um leve beijo na testa e tentou sair da cama com o maior cuidado do mundo para não despertar Cecília. Cobriu-a com o lençol e enrolou-se em outro para cobrir a sua nudez, e caminhou silenciosamente em direção ao celular. Era o aparelho de Cecília que estava tocando. O visor indicava que havia ela havia recebido quinze ligações do Phellipe. A foto do garoto sorrindo aparecia insistentemente no visor do aparelho.

Audrey não ficou surpresa em ver quem estava ligando para Cecília. Não houve coração disparando e nem o medo que ela comumente sentia, invadindo o seu corpo. Por que sentir algo em relação à isso? Phellipe era, infelizmente, o namorado de Cecília, simples assim.

Ela olhou para Cecília em cima de sua cama, ainda dormindo serenamente e cogitou a hipótese de acordá-la para avisá-la, pensando por um momento que poderia ser algo de extrema importância, mas logo desistiu da ideia. Phellipe não merecia isso, então ele iria simplesmente ter que esperar.

Ela caminhou até o banheiro, ligou o chuveiro e se enfiou embaixo dele. A água quente fez a tensão em seus músculos aliviar e sua mente foi rapidamente consumida por uma enxurrada de pensamentos que ela não podia evitar. O dia com a Cecília havia sido maravilhoso e isso era indiscutível, mas a realidade sempre iria voltar e atingi-la como uma pedra pontuda.

Amar Cecília é como estar solta no vácuo da escuridão, da indecisão e não importa o quanto de amor tivesse envolvido, a quantidade de luta que ela estava disposta a travar para estar ao lado de Cecília, tudo isso simplesmente não valia quando ela não fazia o mesmo por Audrey. Aquilo era um dos piores tormentos que alguém poderia viver. A falta de reciprocidade e igualdade pode ser absurdamente nociva.

A torneira foi virada, cortando totalmente a água quente que saia do chuveiro. Audrey vestiu um roupão e foi até a porta para sair do banheiro. Ao entrar em seu quarto, Cecília já estava de pé, vestindo sua blusa. Ela olhou para Audrey e sorriu. Parecia genuíno.

— Ei. — Disse Audrey forçando um sorriso. — Você estava dormindo tão lindamente que eu não tive coragem de interromper.

— Tudo bem. — Respondeu Cecília. Ela aproximou-se de Audrey e deu um beijo casto nos lábios dela. — Preciso ir para a casa, minha mãe me ligou umas quinze vezes. Provavelmente deve estar preocupada comigo.

O sorriso de Audrey morreu e ela assentiu para a outra com uma expressão de tristeza nítida em seu rosto. Então era isso? Cecília iria mentir na maior cara dura? Ao perceber Audrey distante, Cecília aproximou-se demonstrando preocupação e perguntou:

— Ei, tudo bem? Parece distante...

— Tudo sim. — Forçou novamente um sorriso e viu Cecília suspirar em alívio. — Pensei que iria dormir aqui hoje, mas acho que isso seria invasivo demais, não? — Perguntou um pouco reticente.

— Não, claro que não. — Respondeu com um sorriso. — Eu adoraria o convite, mas hoje, infelizmente, não posso ficar.

— Eu entendo.

Cecília deu mais um beijo em Audrey, desta vez, estendendo-se um pouco mais. Quando as coisas começaram a ficar quentes, Cecília interrompeu o beijo, já sem fôlego, despediu-se, desejando uma boa noite e saiu do quarto para ir embora, sem sequer dar chances para Audrey acompanhá-la. Ela parecia realmente estar com pressa.

...

— Então vocês fizeram sexo? — Parecia que Blue iria explodir com a novidade. Audrey apenas deu de ombros. Já era dia seguinte e ambas as amigas estavam caminhando pelo parque às margens do rio Havel para uma conversa, como costumeiramente faziam algumas vezes durante o mês. — Como foi?

— Foi... memorável? — Respondeu reticente. — Não sei como descrever, mas foi perfeito, só não sei se para ela também foi bom, mas era meio óbvio que no final das contas, ela contaria qualquer mentira e voltaria correndo para Phellipe.

— Como assim?

— Ela recebeu várias ligações de Phellipe e no final, contou que se tratava de sua mãe e que possivelmente ela estaria preocupada.

— Isso é horrível. Lamento, Audrey... O que irá fazer?

— Honestamente, eu não sei Blue. Não soa nada inteligente deixar o claro e confortável pelo o escuro e incerto. — Disse referindo-se à Hayley e a Cecília respectivamente.

— Mas não se trata de inteligência. Trata-se única e exclusivamente de amor e nem sempre o amor é inteligente.

— Tem razão. O amor é burro, bem burro. É ele que nos faz sofrer por relações tóxicas...

— Isso faz sentido, mas definitivamente, não foi isso o que eu quis dizer. — Disse seriamente. — O que eu quis dizer é que às vezes o amor simplesmente escolhe pelo caminho mais árduo, mas pode ter certeza que no final, as coisas irão valer a pena.

— Hayley é ótima, talvez esse seja o verdadeiro "valer a pena" que eu preciso. — Disse fazendo aspas com os dedos.

— Mas você mesma disse que com Cecília é sempre mais intenso do que com Hayley. — Tentou argumentar.

— Sim, é. Porém, também acredito que com o tempo posso passar a amá-la. Essa é a minha melhor aposta, Blue.

— E se você não passar a amá-la como planeja? Honestamente, uma relação onde não se há amor é uma relação que está destinada ao fracasso. Você pode até se arrastar com uma relação desse tipo por anos, mas você nunca será capaz de olhar para a Hayley e sentir como se ela fosse a estrela que ilumina os seus dias... — Audrey olhou para a Blue demonstrando que não havia pensando nisso ainda. — Olha, eu estou com Matt há algum tempo e quando passei a conhecê-lo melhor, os meus sentimentos por ele foi crescendo de maneira exponencial... Você e Hayley estão juntas e se conhecem há uns quinze dias, e não, não há nada crescendo dentro de você. É óbvio que você gosta dela e a admira, mas isso acaba aí, não tem amor envolvido. Consegue me entender?

— Sim, completamente. — Respondeu pensativa. — E eu odeio admitir que você está repleta de razão.

— Sabe, você pode até apostar em Hayley, mas essa é uma aposta alta e será uma completa perda de tempo, eu e você sabemos disso. E nós também sabemos que o resultado é facilmente previsível.

Audrey respirou fundo, demonstrando preocupação quando ambas pararam ao lado do Fusca verde azeitona estacionado na saída do parque. Ela estava desconcertada. Sua conversa com sua melhor amiga havia revelado alguns pontos que ela não tinha detectado. Matthew já estava esperando Blue em seu carro do outro lado da rua. A amiga acenou para o namorado, indicando para ele esperar um pouquinho mais e dirigiu-se novamente para Audrey.

— Sei como deve estar se sentindo. Tente apenas relaxar e pensar mais claramente no que nós conversamos hoje. Não quero vê-la sofrendo por Cecília e também não quero vê-la vivendo uma relação apenas por viver, com alguém que é maravilhosa, mas sem sentir amor por ela. — Audrey abraçou Blue com força e disse com um sorriso:

— Já disse que você é o maior presente que o universo poderia ter me dado?

— Disse sim. — Respondeu sorrindo genuinamente. — Olha, se precisar de mim, não hesite em me ligar. Eu irei correndo até você. — Blue segurava a mão de Audrey com as duas mãos enquanto a olhava intensamente nos olhos, demonstrando seriedade no que estava sendo dito.

— Obrigada por tudo. — Audrey beijou a mão da amiga e a acompanhou com o olhar até ela entrar no carro do namorado. Ela recebeu um aceno de mão e um sorriso de Matthew e depois entrou em seu carro para voltar para casa.


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