Torre de Magma

25 6 0
                                    

A Norte, estava a Floresta dos Foragidos e a sombra que reinava por baixo das copas frondosas dos castanheiros e carvalhos. A Sul, com muitas montanhas a se erguerem acima das nuvens, estava Eknor, o terror dos viajantes. Cada pico era como uma lâmina a cravar-se no vento. As nuvens acumulavam-se na vertente Oeste e Sul da cordilheira, pelo que começavam a entrar em terreno mais seco. Ausência de nevoeiro e de chuva, uma atmosfera desconfortável para os nortenhos.

Mas não iam passar por Eknor. Já haviam começado a dirigir-se somente para Este. Em formação, percorriam um trilho de erva rasa pouco verdejante, rodeado por arbustos, espinheiros e o ocasional pinheiro-silvestre ou carvalho.

Kinsey pediu permissão ao príncipe para desmontar e recolher algumas folhas e bagas de espinheiro. Quando questionado, Kinsey respondeu que, para além de as bagas serem extremamente nutritivas, curavam os corações desgastados pela vida. Arorn acabou por aceitar.

Darrion ouviu Shaw a barafustar algo acerca dos "maricas do Sul". Desconhecia as propriedades do espinheiro, pelo que desconfiou de Kinsey - podia estar a recolher veneno em forma de bagas e folhas. Os do Sul é que eram os especialistas na Magia de Florian, que utilizava plantas, frutos e flores para produzir os seus efeitos. Não tirou os olhos de Kinsey enquanto este se esticava para chegar a um baixo espinheiro. Estava a colocar o que recolhia num diminuto saco de serapilheira.

Despois de Kinsey recolher o que queria e de todos esticarem as pernas e fazerem as suas necessidades, retomaram a viagem. Os cavalos agradeceram a paragem – os seus movimentos estavam mais elegantes e menos pesados pelo cansaço.

Estavam a passar perto de Vila do Campo. Darrion havia passado na vila poucas vezes, mas desconhecia qualquer local em cujas tabernas se comesse melhor do que nas de lá. Na última vez, há cerca de trinta anos, pouco depois do fim da guerra, comera um guisado de borrego que foi bom o suficiente para ser o melhor cozinhado que comeu na vida.

Mas não iam entrar na Vila do Campo. O risco era demasiado. Os bandidos de Eknor cada vez mais desciam da cordilheira para roubar os desgraçados que viviam na vila, ou que por lá passavam. Dizia-se que os bandidos eram Esquecidos que tinham ficado no Norte. O olhar de Darrion oscilou em direção a Buckley. Talvez o pai do rapaz fosse um desses.

Observou Buckley com atenção. O porte estava mais elegante, o peito, mais orgulhoso, e a coluna, mais direita. Até o olhar estava mais penetrante e menos submisso. Não havia dúvida de que a ligação com o cavalo estava a influenciar o seu semblante. Deixara de ter o aspeto de um roedor, para ter o aspeto de um.... Esquecido. Não fosse o cabelo comprido.

Não sabia ao certo como se sentia em relação a isso. Mas sabia que preferia o Buckley torto que dizia as palavras com ésses a mais. Sentia que este rapaz lhe lembrava em demasia os Esquecidos contra os quais lutara durante anos. Sabia que o rapaz não tinha culpa, que essa magia lhe corria no sangue, mas não conseguia evitar sentir alguma hostilidade. Havia demasiadas semelhanças. Até o odor a equídeo lhe lembrava a guerra.

E sabia que aquilo que sentia estava a alterar a forma como interagia com o rapaz. Sentia que Buckley havia notado o seu afastamento. Via-o no seu olhar. Sentia que a relação que tinham vindo a construir, a única relação que havia construído nos últimos tempos, se havia começado a despedaçar sob os cascos do passado.

Shaw, da frente da comitiva, olhou para trás, para Buckley, que o procurou ignorar.

-Uma coisa te digo, jovem mestiço: se os bandidos de Eknor nos atacaram, eu entrego-te. Ou, melhor, devolvo-te. Assim, podes aprender a viver com os teus! - Shaw soltou uma gargalhada e voltou-se para a frente.

Darrion quis responder a Shaw, mas as palavras ficaram-lhe travadas na garganta. Não percebeu porquê, mas não conseguiu dizer qualquer palavra que servisse de escudo a Buckley. O rapaz reparou nisso, olhando para baixo, apreensivo. Até Shaw se voltou para trás, estranhando o silêncio de Darrion. Outra gargalhada se uniu à primeira.


No final da sua linha de visão, desenhou-se o Braço do Vulcão, o rio que dividia o território do Norte dos Ventos e o Vale do Esquecimento. Um pouco antes do rio, num terreno descampado, erguia-se uma torre. Em torno da torre, havia quatro muralhas idênticas entre si. Mas, àquela distância, o que saltava à vista era o pináculo negro do basalto que ousava apontar um dedo ao céu - o topo da Torre de Magma.

Não tardaram a chegar perto da Torre de Magma. Quando estavam a apenas algumas centenas de metros, Arorn deu ordem para que aumentassem velocidade. Só voltou a focar o olhar na Torre quando abrandaram. Não era muito alta, mas as rochas da cor do basalto que a constituíam ocupavam muitos metros no solo. À medida que a altura aumentava, a largura diminuía - até metade, onde depois a largura era igual até ao topo, coroado pelo que pareciam ser lanças de rocha negra apontadas para o céu, intercaladas por ameias. Em Torno da torre, existiam quatro muralhas idênticas entre si, cobertas de soldados no topo, de onde, apontadas para fora, estavam lanças, de modo a impedir a escalada dos inimigos.

Nos tempos em que Darrion conhecera aquele monumento, tinha dezenas de cavalos e cavaleiros em redor, prontos para se dirigirem para o Vale do Esquecimento. Naquele momento, as únicas pessoas que via eram mesmo os soldados que espreitavam nas ameias. Teve a sensação de que tanto aquela Torre como a ponte que a seguia já não viam nada de novo há muito tempo.

Ao se aproximarem, foram recebidos por um grupo de seis cavaleiros com armaduras que, mesmo ao longe, não se destacavam pela qualidade: à luz do sol que espreitava quando as nuvens não o cobriam – pois passavam a alta velocidade -, o cinzento baço do ferro de maus acabamentos mantinha-se na sombra, não refletindo qualquer luz.


_ _ _ _ _ _ _ _ _  Próximo Capítulo: O respeito pelos mortos de guerra; Alguém à espreita  _ _ _ _ 


Se gostaram do que leram, votem, comentem e partilhem!

Grande abraço e beijinho!

Boa leitura! 

Imagem: http://sf.co.ua/id84826

As Profecias da Tempestade I - A Ponte ProibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora