Antes de ver, começou por sentir. Mesmo com o frio que habitava debaixo de água, rion conseguia sentir o calor do sol na sua pele. Depois começou a ouvir um leve trautear. Parecia-lhe que reconhecia a voz, mas não tinha a certeza. Abriu os olhos. Voltou lentamente a cabeça, porque bem lhe doía, e observou o seu redor: o sol estava centrado no céu limpo, iluminando tudo; o seu corpo estava sobre uma cama de erva seca, que se estendia para lá do limite da sua visão; do seu lado esquerdo, sentado sobre as raízes de uma árvore, que, naquele momento, era apenas um tronco seco, estava Kinsey. Olhou para ele e quase deu um salto. Foi a correr chamar Arorn.
Passado pouco tempo, Darrion distinguiu, a olhar para uma figura negra devido ao sol que ofuscava os olhos de Darrion, o príncipe.
-Acordou? Já não era sem tempo. Kinsey, leva-lhe água aos lábios para que recomece a ganhar forças - ordenou Arorn e foi possível ouvir a resposta de Kinsey e os passos da sua aproximação.
Darrion sentou-se com a ajuda do homem do Sul. A sua expressão era simpática, quase de alívio. Darrion parou de se mover antes de segurar no odre de pele.
– Quanto tempo é que estive fora de mim?
-Três dias - respondeu Kinsey. - Eu próprio só acordei ontem.
Darrion assentiu. Depois tentou segurar no odre de pele, mas este escorregou das suas mãos e foi apanhado por Kinsey. Aceitou a ajuda dele. Sentiu-se algo relutante por deixar que água entrasse na sua boca, mas lá assentiu. Só quando as suas gengivas entraram em contacto com o líquido é que Darrion se apercebeu da sede que carregava. Ao fim de alguns goles, levou a mão ao odre e colocou-o, vertical, sobre a sua boca. Bebeu até à última gota e, só depois, voltou a olhar em redor.
A seu lado, estava Kinsey. E Arorn estava um pouco mais longe, sentado, a amolar a espada. Tinha um olhar distante e quase possessivo.
Só depois é que se lembrou de que a água potável havia desaparecido com as suas montadas.
Darrion abanou o odre vazio.
– De onde é que isto veio?
-Dali - respondeu Kinsey prontamente, enquanto apontava para o lado direito de Darrion. Ao olhar, viu uma enorme massa de água parada que se estendia quase até ao limite da sua visão.
- Um lago – esclareceu-o Kinsey.
Era irónico que quase tivesse sido engolido por água lodosa no pesadelo e que, naquele momento, tivessem sido salvos por um lago. Questionava-se sobre que tipo de sonhos é que os outros homens tinham vivido. De certo, mais ligeiros do que os seus, ou não tinham voltado tão cedo aos seus corpos.
-O Shaw foi para perto do Lago, caso te estejas a perguntar onde é que ele está. Também acordou hoje. - Só quando o nome dele foi evocado por Kinsey é que Darrion se lembrou do homem mais velho e do sonho que havia vivido.
Lembrou-se da dentada que havia dado a Shaw e sentiu o sabor a sangue seco na boca. Cuspiu para o lado, mas a sua saliva não vinha encarnada. Foi só um sonho... Tentou-se convencer. Mas, no fundo, sabia que, como ele próprio controlara as suas ações, o outro também o havia feito.
Shaw regressou pouco antes de anoitecer, não trocando nenhuma palavra com qualquer deles. Apenas cruzou o olhar com de Darrion quando passou por ele. Pareceu a Darrion ver um laivo de temor. Foi claro que aquele olhar não era um olhar ignorante – Shaw havia vivido o mesmo sonho que Darrion.
Sentaram-se em torno da fogueira, a comer um antílope que tinha sido caçado pelo arco de Kinsey. Tal como havia acontecido com a água, Darrion só se apercebeu da fome que possuía quando deu a primeira dentada na carne suculenta. Parecia que o seu estômago estava preparado para o começo da refeição: quando os seus dentes se cravaram no animal, o seu estômago começou, de imediato, a roncar. A água que tinha vindo a beber durante a tarde foi toda convocada para ajudar a desfazer aqueles pedaços de carne. Era incrível como a sua boca estava perfeitamente coordenada para fazer descer o alimento e como o seu estado de espírito melhorava a cada dentada.
Terminou a refeição com alguns goles de água fresca e deixou-se deslizar para trás, ficando a olhar para o céu estrelado enquanto apreciava a brisa que fazia a erva seca dançar. O seu olhar começou por focar a lua, que estava em quarto crescente. Teriam mais luz nas próximas semanas, se não surgissem nuvens. Depois atentou às figuras que se formavam no céu: uma delas pareceu-se com um arqueiro. Darrion não acreditava nas palavras dos sábios que diziam que as figuras desenhadas pelas estrelas tinham significado. A imagem não estava lá. Os seus olhos é que a viam. Nisso, estava certo, Arorn concordava com ele.
O seu descanso foi interrompido por Kinsey, que, até ali, havia estado a tentar trocar algumas palavras com Shaw e Arorn, mas havia sido rejeitado por urros.
- Posso? - indagou, enquanto apontava para uma zona ao pé de si.
Darrion anuiu.
-Desde que acordei, parece que não regressei para o mesmo mundo - declarou Slade. - Quando durmo, costumo perder-me por umas horas na terra dos pensamentos, mas volto sempre para o mundo real. Agora, parece que não estou no mesmo sítio.
- Apenas existe um mundo e de cá nunca saímos. Estivemos a sonhar, ou a ter pesadelos, mas foi apenas isso. - Darrion tentou que o seu tom fosse tranquilizador.
Kinsey sorriu para si e encostou-se para trás.
-Suponho que tenhas razão.
Ficaram em silêncio durante uns momentos, mas Kinsey parecia inquieto, olhando para trás de pouco em pouco tempo. Acabou por furar o silêncio.
-Não te parece que o príncipe está diferente?
Darrion olhou para trás e viu, à luz da fogueira, a pedra de amolar a percorrer a espada. Arorn estava com o olhar ausente. Mas Darrion teve a sensação de que a chama que ardia dentro dele queimava mais do que a que os iluminava. Voltou o olhar para as estrelas.
-Cada um reage às coisas de formas diferentes. - As suas palavras eram de tolerância, mas a verdade é que também via uma mudança no príncipe. Parecia mais agarrado à sua espada. Mas possessivo.
Kinsey, ao seu lado, anuiu e despediu-se dele.
Darrion voltou a deslizar para trás e focou o olhar nas estrelas. Enquanto pensava nisso, devido ao cansaço que sentia, deixou que as suas pálpebras cobrissem os olhos.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Próximo Capítulo: A Partida _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
Espero que tenham gostado! Quero saber a vossa opinião!
Votem, comentem e partilhem!
Bom resto de dia!
Imagem: https://www.absolutearts.com/painting/oil/tracey-datsi-pennell-waking-up-1314187920.html
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Profecias da Tempestade I - A Ponte Proibida
Fantasy"Aquele que atravessar a Ponte Proibida, fará descer sobre a humanidade uma maldição, que só será levantada quando o coração do último Homem parar de bater." - A Profecia da Tempestade. Num mundo dividido em três territórios e governado por três r...