Buckley Fulton

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-Aguentas-te, Buckley? - indagou Darrion.

O rapaz tinha as costas curvas e ofegava. Mas os seus olhos ainda mantinham a chama da juventude acesa.

-Tem que ser. O que é que o Mud queria? - Devido aos seus longos incisivos, as palavras com s eram sempre sublinhadas.

-O habitual.

Buckley deu outro golpe no carvalho.

-Em que é que pensavas?

-Em histórias do passado. Em mim e no meu irmão a brincar na praia de Ankor.

Buckley parou a ofegar e olhou para Darrion.

-Nos destroços?

Darrion voltou o seu olhar para o interior.

-Costumava lá brincar com o Duncan...

-Nem te consigo imaginar a brincar – Buckley estava a sorrir.

-Outros tempos... Também te digo, foi dos melhores treinos que tive. Não há nada que te meta o instinto a funcionar como andar à porrada com o teu irmão.

Elevou o olhar para fitar o rapaz. Ainda viu o sorriso malicioso de Mud, a brilhar na neblina, atrás de Buckley. O rapaz gemeu com o golpe. Gemidos - o alimento dos sádicos. Já havia dito a Buckley para não gemer, mas ele parecia não se conseguir conter.

-Falam muito, aqui as meninas, não é verdade? - A voz de Mud pingava veneno.

Buckley esfregava a perna e Darrion não desviou o olhar do soldado.

-Eu fiz uma pergunta! - gritou Mudley. - Exijo uma resposta! Porque é que estão a falar em vez de estarem a trabalhar, seus montes de merda?

-Peço desculpa, senhor... - A voz de Buckley parecia um guincho.

-O quê, mestiço? - Mudley segurou no pescoço de rapaz.

Darrion retesou todos os músculos para não se mover.

-Pe...peço desculpa, senhor Mudley...

Mudley apontou para a perna e Buckley.

-Dói-te aí, ratazana?

Buckley anuiu.

Mudley largou Buckley e colocou-se atrás dele. Olhou para Darrion. Os seus olhos sorriam. Buckley caiu ao chão, agarrado à perna. Ouviu-se os seus gemidos juvenis. Darrion lutava consigo mesmo para não se mover.

Mudley sorria.

-Também queres, velho?

Não se estava a conseguir controlar. A sua respiração era um rugido. As suas garras haviam-se cravado nas calças. Kyla e Travis, Kyla e Travis, Kyla e Travis. Repetia para si o nome da mulher e do filho. Queria ajudar o rapaz. Queria colocar os dois polegares nos olhos do guarda e rir ao som dos seus gemidos.

O sorriso de Mudley desvaneceu-se ao observar Darrion.

-Vá, de volta ao trabalho! - E o guarda afastou-se.

-Que puta de selvagem... Já viste o namorado da ratazana? Qualquer dia, leva uma sova... - Ouviu a voz de Mudley a comentar com outro guarda para lá do fumo.

-Não te devias meter com ele. Já ouviste o que contam dos tempos de guerra? O gajo é um selvagem... - Ouviu a resposta do outro soldado.

Darrion ajudou Buckley a levantar-se. Depois de ver que ele se conseguia equilibrar em pé, pegou no machado. Voaram lascas de carvalho em todas as direções, tal era a sua fúria.


Já de noite, foram levados para as celas. Enquanto estava a ser levado, Darrion olhou para trás. A floresta tinha levado um belo golpe. Cortamos tanta lenha e nada chega a Ankor. Eu bem sei o frio que passava no Inverno. É lenha de gente rica. Cuspiu o nada que tinha na boca para o chão.

Darrion e Buckley foram empurrados para dentro da cela. Chegou-lhe às narinas o fedor a fezes e urina que perfumava o seu lar. Darrion sentou-se a um canto a esfregar as pernas. Tentava afugentar as dores. Mas nunca se iam embora. Faziam com que o simples gesto de atirar o cabelo para trás fosse uma tortura. Sentia os dedos a chocarem uns nos outros. Quanto mais tempo é que vou ter de aguentar isto?

Voltou o seu olhar para o outro companheiro de cela, que estava enrolado sobre os dejetos. Tinha cerca de cinquenta anos, mas caminhava a passos largos para a tumba. E os guardas, como abutres que eram, cheiravam a morte. Quanto mais moribundo um homem estava, mais espancado era. Era uma forma de acelerar o processo. "É um golpe de misericórdia", dissera-lhe uma vez Mudley.

Darrion fechou as mãos num punho que tremia de dor. Os guardas achavam-se valentes e fortes por espancarem prisioneiros indefesos. Nos tempos de guerra, molhariam as calças. Carne para machado. Não passariam de carne para machado...

Descontraiu as mãos. As pálpebras pesavam-lhe. Enrolou-se sobre um tapete velho que lhe servia de cobertor. Fechou os olhos e deixou-se levar por um sono sem sonhos. Apenas vozes.


Acordou com o som de ferros a serem maltratados. Era hora de comer.

O guarda atirou-lhe uma tigela de latão enferrujado. Foi cheia com papas de trigo misturadas com vegetais sem cheiro ou sabor – a sua habitual refeição. Virou a malga sobre a boca e engoliu o jantar em três tragos. Limpou a boca e a barba grisalha que a circundava com os buracos da manga da camisola gasta e velha. Deixou a tigela no chão, do outro lado das grades, e enroscou-se de novo no tapete. Pela pequena janela entrava o ar da noite – uma brisa gélida que transportava os odores da lenha a crepitar nos andares de cima. O corpo de Darrion tremia.

Sem conseguir adormecer, olhou para o doente. Continuava na mesma exata posição. Nem se havia levantado para comer. Ainda respirava – mas não por muito tempo. O olfato de Darrion captava a morte: o fedor a órgãos em decomposição. Não era o primeiro. Não seria o último. Darrion chegara há treze anos e não tinha dedos suficientes para contar os que ali vira morrer. Daí as suas emoções habitarem longe daquela cela.

Buckley estava sentado, em frente às tigelas, com o olhar ausente. Contra a sua vontade, sentia alguma ligação ao rapaz. Se Buckley morresse, Darrion sentiria a perda. Sabia que era um erro afiliar-se tanto, pois ele não poderia durar muito mais tempo sobre aquela escravatura. Podia estar-se a adaptar, mas aquilo não era para rapazes. Nem mesmo para Rhargans. Ele não era fraco, mas apenas ossos forjados em aço aguentavam. E Buckley tinha ossos de rapaz. Ossos de rapaz que deveriam correr na praia e pescar. Não deveriam apodrecer numa cela.


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Amanhã há mais! Grande abraço!

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As Profecias da Tempestade I - A Ponte ProibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora