A meio do primeiro dia, pararam para descansar. Arorn tinha ido aliviar-se para o meio do mato e Kinsey estava agachado, a recolher plantas. Mas Shaw estava ali, à sua frente. Darrion tinha essa condição - quando um homem o fazia acender a sua chama de cólera, dificilmente apagava esse fogo. E Shaw era uma ameaça para a sua sobrevivência, aquilo que mais alimentava a sua fúria.
Darrion levou a mão ao cinto e desembainhou a sua adaga. Os seus dedos pareciam mais reconfortados agora que envolviam o cabo da faca.
O seu movimento foi detetado por Shaw, que havia rodado a cabeça de modo a que os seus olhares se cruzassem. O homem mais velho voltou-se para ele.
- Não te aconselho a tomares medidas até ao final da missão. Pode ser até que mudes de opinião - sussurrou Shaw.
O olhar de Darrion não se desviava do homem mais velho.
– Uma vingança, neste momento, só trará problemas à missão - disse Shaw, de novo.
– Devias ter pensado nisso antes - disse Darrion, em baixo tom. O seu olhar permanecia focado em Shaw e Darrion sentia os seus olhos, talvez pela cólera, a lacrimejar.
Shaw abanou a cabeça em maneira depreciativa.
– Se tomares medidas de soldado, terás resultados de soldado.
Não percebendo as palavras do outro, Darrion manteve-se calado, sem desviar o olhar dele.
-Quem eram aqueles que prometiam às suas famílias que iram regressar, que apenas lutariam aquela batalha e depois voltariam, durante a Grande Guerra? Os soldados. - Shaw utilizava ironia nas suas palavras. - E quem é que raramente regressava? Os soldados.
-Eu já não sou nenhum soldado. E a Grande Guerra já acabou há muitos anos atrás. O que é queres dizer com isso? - indagou Darrion, com a face enrubescida, não só do sol.
Shaw sorriu e mostrou os dentes, alguns partidos, outros amarelados e os restantes já pretos. Para espanto de Darrion, o seu hálito não tinha cheiro.
-Tu próprio, deves ter prometido à tua família que irias regressar, não é verdade?
Darrion anuiu.
- E planeio cumprir essa promessa.
-Então guarda essa faca. Ou o mais provável é nunca mais voltares a ver a Kyla e o Travis.
A respiração de Darrion ficou travada e o seu batimento cardíaco acelerou. Como é que ele sabia os nomes da sua mulher e filho? Apertou o cabo entre os dedos e a palma da sua mão, preparando-se esfaquear o pescoço do homem mais velho.
Shaw voltou a sorrir.
-Se eu te contasse o que dizes durante o sono, acabavas era contigo - afirmou Shaw com desdém. Voltou-lhe as costas, ainda dizendo – E puff, lá se ia Darrion Bradley, o grande soldado do Norte dos Ventos. - Darrion sentiu-se a hesitar e, por isso, embainhou a faca. A decisão de matar um homem não pode ter hesitações. Sabia disso por experiência. Tinha que ver com o respeito pela morte e com a decisão de matar.
Ao longo dos dias que se seguiram, a moral do grupo foi diminuindo progressivamente. Parecia que à medida que o sol ia descendo e mergulhava na superfície da terra, iam ficando cada vez mais desmoralizados. Parecia que a água que seguia em sentido inverso para o qual iam, tentava arrastar a motivação do grupo consigo.
Até Kinsey parou de falar. A paisagem que os rodeava também não servia de ajuda: era a mesma desde que se haviam afastado do lago – estendia-se um manto de ervas secas, que subia o declive pouco acentuado à sua frente; avistava ocasionalmente um pinheiro ou um carvalho; e ouvia-se constantemente o som hipnotizante da água a correr.
Darrion via-se muitas vezes a ter de sacudir a cabeça para não adormecer a meio do caminho e, embora já não sentisse muitas dores nas pernas, as noites mal dormidas não o estavam a ajudar a regenerar os músculos das longas caminhadas.
Mas seguiam as ordens de Arorn, que derivava da leitura do mapa. Darrion também tentava, de quando em quando, espreitar para a ilustração daquelas terras. Sim, Arorn tinha razão. Segundo Bonn, seria muito simples: se seguissem o rio em direção a Este haveriam de dar com a Vila do Fumo. Contudo, também tinham sido avisados acerca da natureza volátil da vila- era contado que um dia estava num local e que no seguinte já lá não se encontrava. Para Darrion, isso soava muito irreal. Como é que construções, alicerçadas no solo, ou mesmo as tendas características dos Esquecidos, poderiam mover-se sem que alguém as transportasse. A menos que os seus habitantes estivessem constantemente em movimento, não via como é que isso seria possível.
Algo que deixava Darrion nervoso e fazia com que abrisse os olhos com maior energia era o facto de não saber nada acerca do assassino havia demasiados dias. Desde o ataque nas Terras Sem Nome que não tentava nada. E não acreditava que o golpe de Arorn, por muito poderoso que tivesse sido, o tivesse eliminado.
Só por isso é que conseguia agradecer ao terreno que percorriam – seria muito difícil segui-los de perto sem dar nas vistas devido à vegetação rasteira e ao espaçamento entre cada árvore. Só se o fizesse da outra margem e passar o rio fá-lo-ia atrasar-se.
Sentia-se tentado, pelos sussurros da sua mente, em usar o Eco para tentar ouvir aquele que os seguia. Mas, levando a mão à faca, decidiu que aquela Âncora era demasiado fraca para estar a utilizar o Eco de uma forma tão exploratória. O risco era demasiado elevado. Se ouvisse algo que lhe parecesse suspeito, utilizá-lo-ia.
A uma certa distância, viu um planalto, que era o único traço distintivo do terreno em que estavam. Os últimos raios de sol espreitaram por detrás do planalto e fizeram com que o grupo tivesse de dar a viagem daquele dia como acabada. Pousaram os mantimentos perto do rio, encostados a um pinheiro velho e Kinsey começou a acender uma fogueira, enquanto Darrion foi encarregado de preparar a carne de coelho seca para ser assada no fogo.
Depois de os coelhos terem sido assados, Arorn voltou-se para eles.
- Temos feito um difícil trajeto até aqui. Mas temos conseguido. E é assim que vai ser até voltarmos para casa. - As palavras do príncipe não foram suficientes para elevar a moral do grupo. Andavam há dias e ainda não tinha detetado qualquer sinal da aproximação da Vila do Fumo.
Kinsey aclarou a voz.
– Se me permite, meu príncipe. - Arorn assentiu.
-Não consigo perceber como é que uma vila se pode mover. Mas só se pode estar a mover ou, pelas minhas contas, já teríamos de ter dado com ela.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ Próximo Capítulo: Esperança ou Desespero _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
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As Profecias da Tempestade I - A Ponte Proibida
Fantasy"Aquele que atravessar a Ponte Proibida, fará descer sobre a humanidade uma maldição, que só será levantada quando o coração do último Homem parar de bater." - A Profecia da Tempestade. Num mundo dividido em três territórios e governado por três r...