Levantou-se sem fazer barulho e, subtilmente, desviou um pouco o pano de tenda, de modo a conseguir espreitar para o exterior. Já faltava pouco para o raiar do sol, mas o acampamento ainda dormia. Olhou para os companheiros e, notando que nenhum deles havia dado pelo seu movimento, esgueirou-se para o exterior. A pouca distância da sua tenda, dos dois lados, estavam Esquecidos, sentados em bancos, com as cabeças inclinadas para trás, a ressonar. Darrion andou o mais silenciosamente possível; ficou grato por o solo estar coberto por ervas, impedindo que os seus pés descalços fizessem as pedras embater umas nas outras.
Já a alguma distância da tenda, parou e sondou o ar, sempre atento às sombras de homens e mulheres a dormir dentro das tendas de tamanhos variáveis. Os ventos indicaram-lhe que a mulher estaria a cerca de sete tendas na direção oposta ao portão. Não encontrou ninguém pelo caminho e, depois de se acocorar, quase encostado a uma tenda, olhou para o local de onde provinha o som. Observou uma tenda um pouco isolada, em cujo interior conseguia distinguir vultos em movimento. Foi-se aproximando, agachado, quase com os quatro membros apoiados no chão.
Quando à entrada da tenda, com muito cuidado, espreitou para o seu interior: viu uma figura masculina, nua, com uma cicatriz profunda transversal nas costas e com o cabelo rapado – um Esquecido. Fazia movimentos pélvicos e soltava urros de prazer, enquanto, à sua frente, agachada, estava uma mulher suplicante, que baloiçava para a frente e para trás com a brutalidade do homem. Darrion ainda conseguiu distinguir, ao fundo da tenda, a dormir, a criança que tinha vindo ter com ele quando passaram pelo portão. Lembrou-se da mulher que afastou a criança dele. Devia ser a mesma que estava, naquele momento, a ser violada. Levantou-se sem produzir qualquer som e preparou-se para entrar na tenda, quando sentiu uma pancada seca na nuca, que o impediu de avançar e lhe tirou a força das pernas. Como é que...? Perdeu os sentidos e caiu para o lado.
Sentiu uma dor de cabeça lancinante e abriu os olhos devagar. Já estava dentro da tenda e não conseguia dizer nada porque tinha uma mão a cobrir-lhe a boca. Quando os seus olhos se habituaram à pouca luz, focou o seu olhar em Shaw. Ele disse-lhe para fazer pouco barulho, de modo a não acordar os que o rodeavam. Darrion anuiu e a sua boca foi destapada.
Darrion sentou-se, com uma mão no local onde havia sido atingido.
-Porque é que fizeste isso? Tu viste o que ali se passava?
-Vi e percebi o que tu ias fazer...
-Ia salvar aquela mulher...
-A típica história do homem do Norte ou do Sul que salva as mulheres Esquecidas dos homens selvagens. Nem sabes quantas vezes é que eu já vi isso - declarou Shaw, com cinismo na voz.
- Salvavas aquela mulher e matavas-nos a todos.
-Não...
-O que é que tu achas que acontecia quando eles descobrissem um cadáver de um Esquecido na mesma noite em que um grupo de homens estrangeiros cá ficou?
-Não deve haver dia nenhum em que eles não se matem uns aos outros - afirmou Darrion, fazendo com que alguns homens da tenda soltassem urros ainda a dormir.
-Mais baixo - aconselhou Shaw. - Mas tu sabes o quanto eles desconfiam de nós. Não lhes dês razões. - O seu olhar tornou-se tão penetrante, que parecia que as covas dos seus olhos se haviam aligeirado, fazendo com os seus olhos aparentassem ser maiores.
- Não me dês razões.
Darrion era experiente em guerra e a lidar com homens duros, mas aquelas palavras de Shaw fizeram com que a zona do seu coração fosse preenchida por um frio glaciar, como se tivesse sido perfurada pela ponta de uma espada. Mas a força que o seu passado lhe tinha dado foi resistente o suficiente para bloquear aquele golpe e ripostar.
– Shaw, a próxima vez que te cruzares no meu caminho, será o teu fim.
Shaw preparou-se para se dirigir para o seu canto da tenda.
– A próxima vez, será a última. - E, sem produzir qualquer ruído, Shaw voltou a deitar-se longe de Darrion.
Darrion olhou para os pelos eriçados que se elevavam nos seus antebraços e concluiu que aquele homem era uma ameaça maior do que havia calculado inicialmente. Desde os seus tempos de guerreiro inexperiente que ninguém jamais havia conseguido aproximar-se sem que ele desse conta. Devia ter estado mesmo focado no que se passava dentro da tenda para não reparar que havia sido seguido. Ou Shaw devia ter um andar mesmo silencioso. E a pancada que lhe havia desferido? Um golpe preciso dado de forma experiente. Ainda lhe doía o pescoço e a cabeça. Que tipo de passado teria Shaw?
________
Ao acordar, Arorn ordenou a Blake que acordasse os outros homens que ainda estavam de olhos fechados. A esfregar os olhos, os homens colocaram o resto das suas vestes e saíram da tenda.
Saíram da tenda e Arorn perguntou a um dos Esquecidos, dos poucos que já estavam de pé, se se poderiam dirigir à torre, para falar com Bonn, de modo a informá-lo da saída do grupo. O homem, a bocejar, ao princípio, pareceu não compreender a presença de estrangeiros naquela tenda. Só passado alguns momentos, em silêncio, sem tirar os olhos do grupo, é que voltou a si e apontou para a torre, afirmando que poderiam.
Arron ficou chocado com o contraste do dia anterior para aquele: no dia anterior, haviam sido recebidos por muitos homens e qualquer movimento que faziam era vigiado de perto, enquanto que, naquele momento, pareciam poder andar livremente pelo acampamento e pelo Forte.
Essa ideia foi espantada quando estavam a atravessar o portão: as cordas dos arcos continuavam esticadas e as pontas das flechas ainda estavam apontadas na sua direção. Seguidos por um "Demónio da Sombra", pouco mais baixo do que o do dia anterior, mas a empunhar um machado semelhante, subiram as escadas em espiral. No topo, foram recebidos por cinco Esquecidos, que os acompanharam na travessia da ponte de corda e madeira instável. Em pé, em cima do banco, estava Bonn, com um sorriso nos lábios.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Próximo Capítulo: Partida do Forte da Resistência _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
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Imagem: https://geektyrant.com/news/2011/4/15/featured-geek-artist-the-amazing-sci-fi-medieval-art-of-leve.html
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As Profecias da Tempestade I - A Ponte Proibida
Fantasy"Aquele que atravessar a Ponte Proibida, fará descer sobre a humanidade uma maldição, que só será levantada quando o coração do último Homem parar de bater." - A Profecia da Tempestade. Num mundo dividido em três territórios e governado por três r...