Fora o temor de Kinsey, a viagem estava a correr pacificamente e a paisagem era agradável. O vento havia aumentado, o que fazia com que a roupa de Arorn se descolasse do corpo. A erva alta que os rodeava fazia com que o tempo passasse mais rápido - era como se o seu ondular o hipnotizasse. Em termos de declive, estavam a descer, mas a inclinação era tão ligeira que só davam por ela quando olhavam para trás: os carvalhos que, quando por eles passava estavam ao seu lado, pareciam aliar-se ao solo para o superar largamente em altura; e as suas copas, quando o sol já se havia quase posto, cobriam uma parte da luz, fazendo com que o grupo parecesse seguir as próprias sombras.
Por vezes, Kinsey olhava de repente para a escuridão das copas das árvores - e, uma vez, até apontou nessa direção. Todos olharam para lá, mas nada viram para além dos troncos e ramos a dançar ao ritmo da brisa que os embalava. Kinsey, arrependido pelo seu movimento instintivo, recolheu o braço e escondeu-o por baixo do outro. Arorn ouviu o riso trocista de Shaw.
Pararam quando o sol estava mais alto, à sombra de um carvalho diferente dos da Floresta das Sombras: ao contrário dos outros, o seu tronco, tão largo quanto a altura de mais de dois homens, não dançava com o vento. Arorn pensou nas palavras de Kinsey, mas relativamente ao fenómeno que era aquele pinheiro: se não se movia com o vento, então tinha a robustez da verdade, enquanto que os da Floresta das Sombras se moviam a cada segundo, como o mentiroso que verga as palavras a favor da sua vontade.
Colocaram os cavalos a pastar em redor do largo carvalho e sentaram-se no chão, sobre as suas capas, a comer alguns pedaços de carne seca, acompanhando-os com água - não podiam perder energia da viagem com o peso extra que a cerveja dava aos corpos. Só Shaw é que se encarregou de sondar o terreno envolvente. Voltou sem qualquer novidade.
Quando terminaram de comer, em silêncio, estando Kinsey sempre de olho nos troncos das árvores que espreitavam na sua direção a cerca de cem metros, Arorn abriu o mapa no solo, de modo a verificar as suas posições. Bonn havia feito um desenho rudimentar do terreno que percorriam, bem como de aquele por que iriam passar, visto que os homens do Norte, ou nunca tinham ido tão para o interior, ou haviam desaparecido.
Arorn focou o seu olhar nos desenhos de Bonn: conseguia distinguir a Norte de onde se encontrava uma enorme mancha que simbolizava a Floresta das Sombras; a Este via algumas árvores mortas desenhadas, que deviam ilustrar as Terras Sem Nome, as quais Marrow havia descrito com a sua forma de falar desdentada; e a Sudeste dessa posição, estava um desenho de fumo, que certamente servia para identificar a Vila do Fumo. A partir daí, teriam de seguir para Este, atravessando uma ponte. De seguida, depois de seguirem mais ainda para Este, dariam com a ponte que se haviam proposto atravessar.
– Visto que vimos a Floresta das Sombras pela primeira vez há cinco dias, devemos estar algures por aqui. - Arorn apontou em direção à orla Oeste das Terras Sem Nome.
-Isso significa que amanhã, ou ainda hoje, chegaremos às Terras Sem Nome? - questionou-o Darrion.
O olhar de águia do príncipe perscrutou a reação dos que o rodeavam. Poisou sobre Kinsey e depois voltou a sondar os restantes.
- Fomos avisados por Bonn e pelo "Demónio das Sombras" que este terreno nos tenta enganar, como a Floresta tentou enganar Gordon. Quero que tenham muito cuidado porque o mais provável é só sabermos que lá entrámos quando já lá estivermos. Se notarem algo de diferente em vosso redor, avisem-me. Entendido?
Ao dizer aquelas palavras, Arorn sentiu um muito ligeiro temor, mas, principalmente, curiosidade. Que terras seriam aquelas que faziam com que até Bonn, que parecia tão senhor das suas palavras e trocista das dos outros, sentisse que não as conseguia atravessar?
Arorn olhou para Shaw, cujo olhar não desviava de Kinsey. Parecia que as veias nos olhos do outro se haviam tornado mais visíveis. Arorn sabia perfeitamente o significado da atenção que o homem do Sul estava a receber do mercenário.
Arorn deu a ordem e seguiram caminho, sempre a pisar a verdejante vegetação rasteira e sempre na orla da Floresta das Sombras. Tal como o sol desceu em direção à terra sem entraves, deixando que o breu cobrisse o céu, apenas deixando brilhar algumas estrelas, viajaram sem problemas até que anoitecesse. Sem problemas, mas sempre atentos.
Darrion e Shaw, os encarregados de tentar caçar alguma coisa, conseguiram apanhar alguns coelhos que espreitavam da floresta. Comeu o coelho com algumas raízes que, de forma autônoma, foram recolhendo pelo caminho. Isso devia a Kinsey, que estava sempre a divagar acerca das plantas que tinham raízes nutritivas, ou mesmo tubérculos escondidos. Ele conseguia identificar a planta pelo seu aspeto a muitos metros de distância ou pelo seu cheiro. Normalmente começava a descrever-lhes os efeitos que teria nos seus corpos, tanto positivos, se fosse algo comestível, ou negativos, se correspondesse a uma planta venenosa. Parecia ser a única característica que mantinha depois do incidente.
A noite também passou sem problemas. Poucas palavras foram trocadas entre os membros do grupo e deitaram-se cedo, de modo a terem forças no dia seguinte.
Arorn sentou-se em cima de uma pedra, a amolar a espada. Trazia sempre consigo a sua pedra de amolar. À medida que a lâmina da espada deslizava sobre a pedra, Arorn sentia-a agitada – se fosse uma pessoa, diria que estava ansiosa. Colocou-a perto da lareira e observou o brilho magnífico da lâmina. Era um brilho quase perfeito – mas a espada parecia brilhar com outro nível de beleza quando estava coberta pela viscosidade escarlate do sangue. Arorn não conseguiu evitar olhar para Kinsey. Foi com alguma relutância que embainhou a espada e se encostou para trás, para tentar dormir.
Acordou sobressaltado pelo relinchar dos cavalos. Arorn colocou-se de pé num salto e olhou em redor. Apenas conseguiu distinguiu Darrion, que também estava levantado, a seu lado. Uma neblina muito densa cobria os primeiros raios de sol, fazendo com que não conseguissem ver nada em redor. Ouviram a voz de Kinsey e dirigiram-se para lá. Foram dar com Shaw e Kinsey – era clara a expressão de pânico do segundo.
Kinsey dirigiu-se ao príncipe.
- Não consigo ver nada! De onde é que veio este nevoeiro?
Arorn olhou em redor, a tentar detetar os cavalos.
- Não sei! Foi ingénuo da nossa parte montarmos acampamento tão perto das Terras Sem Nome. Esta é a sua receção.
De súbito, pararam de ouvir o relinchar dos cavalos. Arorn ordenou a Shaw para ir à procura dos cavalos, enviando sinais sonoros para que não se perdesse. O homem mais velho tentou usar o Túnel, mas nada conseguiu ver; e a Cegueira, mas o nevoeiro não se direcionou para outro lado. Depois, afastou-se relutantemente. Passado pouco tempo, regressou, sem saber das montadas.
Arorn praguejou.
-Grande parte da água que tínhamos estava com os cavalos. Já para não falar das tendas, dos pombos e dos outros utensílios.
Ao ouvir aquelas palavras, todos exprimiram a sua revolta. Já não haveria água até Vila do Fumo; já não haveria forma de comunicar com o rei; e já não havia forma de se abrigarem, caso surgisse uma inesperada borrasca.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Próximo Capítulo: Kinsey e os uivos _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
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As Profecias da Tempestade I - A Ponte Proibida
Fantasy"Aquele que atravessar a Ponte Proibida, fará descer sobre a humanidade uma maldição, que só será levantada quando o coração do último Homem parar de bater." - A Profecia da Tempestade. Num mundo dividido em três territórios e governado por três r...