Darrion acabou de descer a inclinação e chegou à clareira. Os cavalos não paravam de relinchar, em pânico. Não havia sinal de Buckley. Kinsey, a seu lado, chamou-o, mas não obteve resposta. Arorn mandou-o calar imediatamente.
Darrion começou a olhar em redor, à procura de um sinal que lhe dissesse para onde é que o rapaz tinha ido. Perto dos pés de Arorn, iluminados pelo archote, observou o brilho escarlate de sangue. Isso não escapou ao príncipe, que olhou para Darrion com uma expressão compassiva.
-Ele deve ter sido atacado. Lamento, Darrion...
Darrion segurou no archote de Arorn.
-Escusais de lamentar, meu príncipe. Ele não está morto. - O olhar de Darrion seguiu o rasto de sangue em direção a Nordeste. Era possível ver pegadas e arbustos pisados. Seguindo a história dos rastos, era claro que tinha havido uma luta e que Buckley acabara por fugir naquela direção. E que havia sido seguido. Deu o primeiro passo para o meio do mato, mas foi travado pela voz de Arorn.
-Para onde vais, Darrion?
-Meu príncipe, o rasto vai nesta direção. Eu vou segui-lo.
-Não vais seguir o rasto de um rapaz morto. - Darrion deu um passo na direção do príncipe. Arorn olhava para ele, incrédulo. - Não podes achar que ele esteja vivo depois de lutar com o homem que nos seguia. É claro como água que ele é um assassino contratado.
Kinsey aclarou a voz. Parecia longe da sua habitual calma.
-Meu príncipe, não é possível ter certezas de que o rapaz esteja morto...
-E quanto tempo é que vamos andar pelo meio do mato à noite até termos "certezas"? - O olhar de Shaw era frio. - Eu, se fosse o assassino, tinha escondido o corpo do mestiço, deixando pistas para nós seguirmos. Depois era só matar um a um.
-Se esse foi o plano do assassino, está num dia de azar! - Darrion desembainhou a faca e fechou os olhos- Etum Ivum Ech... - o Eco foi interrompido pela voz de Arorn.
-Se seguires esse rasto, nunca serás um homem livre. Eu garantirei isso! - As palavras de Arorn soaram como um trovão. Até Shaw olhou para ele, surpreso.
Darrion abriu os olhos, de costas para o príncipe. A sua mente foi inundada por diversas imagens. Nenhuma delas pacífica. Muitas envolviam o sangue real a ser espalhado. Após respirar fundo, viu a imagem do cavalo empinado – a prenda que nunca havia dado a Travis. Apenas isso fez com que o batimento do seu coração desacelerasse um pouco.
-Mas, meu príncipe, o rapaz pode estar em perigo... - Kinsey ainda lutava. Mas ninguém ligava ao que ele dizia.
Darrion deixou que o archote lhe deslizasse pelos dedos. Shaw apressou-se a erguê-lo.
-Deixa estar, Kinsey... - disse Darrion, antes de se aproximar das montadas, que relinchavam sem parar, tentando-se soltar das cordas que as prendiam a uma árvore.
Dois dos cavalos haviam sido degolados. Um deles era o cavalo de Kinsey e o outro, "Manchas". Deve ter sido por isso que Buckley agiu tão estupidamente... Pelo tempo que conhecia Buckley, Darrion nunca diria que ele tentaria lutar contra um assassino. Ou contra qualquer homem. Nem mesmo com o seu orgulho aumentado. Era demasiado medroso.
Amanheceu sem que pregassem olho. Uma parte da noite, passaram-na a arrastar os cavalos mortos para longe dos outros. Chegaram à conclusão de que era simplesmente melhor afastar os vivos. Darrion passou a outra parte da noite sentado, encostado a uma árvore, a observar o dançar da chama reacendida. Rejeitou as palavras de esperança que Kinsey lhe tentara transmitir.
"-Ele é um rapaz forte. E é um Rhargan. Adaptação é o seu forte. Sobrevive de certeza. - Kinsey estava ao seu lado, a sorrir para si. Provavelmente a pensar no rapaz.
-Não. - Kinsey olhou para ele, à espera que ele se explicasse. - Fugir à verdade não muda a realidade. Uma ferida é uma ferida. Pode sarar e tornar-se uma cicatriz, mas nunca será pele sem danos. Ele está a ser perseguido por um assassino profissional, pela forma como nos enganou. Não tem muito tempo de vida."
Não trocaram mais nenhuma palavra. Todos fitaram as chamas até que amanhecesse. Apenas se ouvia a pedra de amolar a percorrer a espada de Arorn e o ocasional relinchar dos cavalos ainda nervosos.
Ao primeiro sinal de luz natural, levantaram-se e comeram os restos da ceia, com uma caneca de cerveja para a ajudar a descer. O peixe, que no dia anterior não lhe havia sabido mal, à luz matinal, parecia não passar de lama. O estômago de Darrion ressentiu-se. Há medida que o seu olhar percorria o resto do grupo e, como se se tivesse esquecido, a memória da ausência de Buckley regressava; o buraco que sentia no peito ia-se tornando mais e mais profundo, como a cratera que albergava a Lagoa do Vulcão. E, tal como a Lagoa, a única água que acabava por ir preenchendo o vazio era a memória da sua família.
Visto que o cavalo de Kinsey havia sido degolado, Darrion teve de carregar o homem do Sul no seu. Não tinha uma opinião formada relativamente a Kinsey. Era das Terras Azuis, o que não abonava minimamente a seu favor. Mas Buckley gostara dele. Isso enfurecera-o ao notar que a distância que aumentava entre ele e o rapaz, diminuía entre Buckley e Kinsey. Mas, agora, com a memória do seu desaparecimento fresco na mente, conseguia olhar para aqueles olhos de raposa sem agressividade. Deixou que ele subisse para trás de si e seguiram viagem em direção a Este.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Próximo Capítulo: Os Esquecidos _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
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Boas leituras!
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As Profecias da Tempestade I - A Ponte Proibida
Fantasy"Aquele que atravessar a Ponte Proibida, fará descer sobre a humanidade uma maldição, que só será levantada quando o coração do último Homem parar de bater." - A Profecia da Tempestade. Num mundo dividido em três territórios e governado por três r...