O Grupo

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Quando Darrion regressou à cela, Buckley já lá não se encontrava – segundo o ritual da prisão, já havia sido alimentado e levado para a Floresta dos Foragidos, de modo a trabalhar até ao final do dia. Darrion olhou em redor, para a cela a feder a urina e fezes. Percebeu que já não pertencia àquele lugar. Ainda lá estava, mas já não era de lá. Cada pedra que compunha o solo da cela pareceu-lhe estranha, como se não houvesse sido o lar dos seus sonhos e pesadelos nos últimos treze anos.

Comeu a sua porção de papas de aveia e tubérculos com molho de gordura de carneiro e foi empurrando em direção ao nevoeiro que engolia a floresta. Passou por muitos prisioneiros e guardas. O primeiro grupo olhava-o com temor, como de costume, mas ao temor havia-se aliado o franzir do sobrolho típico da inveja. Já o segundo grupo, parecia estar a questionar-se se o deveriam eliminar - já que ele iria contribuir para o desrespeitar da profecia mais antiga da humanidade. E mais temida. Enquanto se movia, sentiu ter nas mãos uma escolha, um poder que não desejava. Mas desejava outra coisa que também vinha com o poder: a liberdade de regressar para o lado dos que amava.

Chegou ao pé de Buckley. O rapaz acabou de desferir um golpe numa árvore caída e olhou para ele, a arfar. Engoliu em seco e não lhe disse nada. Mas Darrion sabia da dor que o assolava – uma dor que alcança os Homens antes de estarem sós. Darrion queria dizer-lhe que não o iria abandonar. Mas sabia melhor do que isso. Todos são abandonados por aqueles que amam, mais cedo ou mais tarde. Aquelas palavras pertenciam-lhe. Haviam-lhe saído da boca a meio de uma discussão com a mulher. Qualquer coisa acerca das muitas vezes em que ele havia priorizado as batalhas e o sangue em detrimento daqueles que eram do seu próprio sangue.

Não ia cometer esse erro outra vez. E era por isso que não podia mentir a Buckley. Mas também não lhe podia dizer a verdade. Não lhe podia dizer que o ia abandonar naquela prisão para poder regressar à sua família, que era mais importante do que um mero rapaz criminoso.


E foi assim que aquele dia passou, sem que trocassem qualquer palavra. No final do dia, regressaram à cela, comeram o jantar e enrolaram-se cada um no seu canto. Aquele dia marcava o final da sua amizade.

Darrion olhou para o rapaz enrolado sobre si no chão. Conseguia ver-lhe os ossos através da roupa. Sentiu uma necessidade de o proteger a poisar-lhe no peito. Quis afugentar essa necessidade como se afugenta um inseto. Mas ela persistia e ganhava força à medida que Darrion observava a respiração irregular de Buckley. Parecia estar a chorar, como uma criança abandonada.

Tudo dentro de si lhe dizia para cortar a cabeça àquela amizade, àquela necessidade de proteger o rapaz, mas algo persistia. A imagem de um rapaz a chorar devido ao pai ausente. Travis! Travava uma batalha constante para não se ligar a Buckley, mas o contrário havia acontecido – o amor que nutria pelo filho havia transbordado, cobrindo o jovem Rhargan.

Ouviu o fungar de Buckley. Sentiu-se enfurecido, tanto consigo mesmo como com o rapaz. Como é que posso ser amigo de uma criatura tão inocente? Como é que posso não ser? Dentro dele, o trilho de cadáveres que havia deixado no passado lutava contra a necessidade de ser o escudo de Buckley.

O eco de botas no corredor. Darrion abriu os olhos de imediato e levantou-se. Buckley estava encostado às grades, a olhar para o exterior, apenas iluminado pelos archotes do corredor – o sol ainda não havia nascido. O rapaz olhou para ele e de novo para o exterior.

-Vem aí um grupo de guardas. Estão tensos. O príncipe deve ter chegado.

Darrion engoliu em seco e obrigou-se a ficar parado. Se o príncipe chegasse e ele estivesse, como os outros prisioneiros, agarrado às grades, então não passaria de outro criminoso.

O grupo de guardas equipados com armaduras negras parou em frente à cela deles e deu um passo coordenado para trás. Buckley também recuou. Darrion reparou que Mudley se encontrava entre os guardas. Tinha a pele vermelha e os seus olhos pareciam querer olhar para dentro para não verem a realidade.

Pouco depois, chegaram dois homens. Pela forma desordenada como pararam em frente à cela deu para ver que não tinham realizado qualquer serviço militar. O que sorria de curiosidade era novo, mas não tão novo quanto Buckley. Os seus cabelos loiros acusavam ser do Sul e o verde dos seus olhos aproximava-o mais de uma raposa do que de um nortenho. Mas a pele lisa das suas bochechas indicava que não era a primeira vez que vinha ao Norte: estava ruborizada pelo frio, mas não parecia sofrer com a natureza selvagem dos ventos.

O arco que espreitava por cima do ombro direito indicava que era um arqueiro, o que contrastava com os diversos sacos de pequena dimensão que ornamentavam a sua cintura. Pela experiência de luta ao lado de homens mais sábios do que ele, Darrion aprendera que alguns homens do Sul faziam magia com plantas. Podia apostar que esse era o conteúdo que enchia os sacos.

O outro era o oposto. Sem expressão na face encrespada pela idade e queimada pelo vento marinho. Os longos cabelos grisalhos que se fundiam à barba davam-lhe um aspeto selvagem, sendo, mesmo assim, o mais distante de um Esquecido que se podia ser. Darrion não tinha dúvidas de que, por baixo da sua armadura de couro, residia um corpo magro, mas seco, como o de um mercenário. As duas mãos poisadas no cinto indicavam que trazia uma arma de cada lado - não eram espadas, porque a bainha não era visível.

Pouco depois, chegou Osbert, com aquele que deveria ser o príncipe. As dimensões de Arorn Sayler faziam com que se confundisse os outros homens com mulheres.

-Pronto, senhor Sayler, o Darrion Bradley é este. - As palavras de Osbert eram submissas.

Arorn deu um passo em frente, ficando a um palmo das grades. O braço a envolver o capacete – era quase negro e fazia lembrar o bico de uma águia. Corria o rumor de que melhorava a visão de quem o usasse. Uma espada a atravessar as costas. Não era uma espada qualquer. Era o lendário "Sabre do Furacão". Uma arma apenas empunhada pelo melhor soldado dos Ventos. Pelo homem que usava o Ímpeto.


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Boa leitura!

As Profecias da Tempestade I - A Ponte ProibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora