Lagoa do Vale

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Dirigiram-se para sudeste nos dias que passaram. A temperatura foi aumentando rapidamente, até, mesmo arregaçando as mangas da camisola de linho, Darrion sentir o suor a escorrer pelos seus longos cabelos. Shaw parecia não sentir as mudanças de temperatura, continuando com a capa sobre os ombros e com a sua expressão estoica.

Depois de Shaw ter detetado que estavam a ser observados, as conversas diminuíram e os olhares estavam sempre a sondar o que os rodeava. Shaw disse estarem a ser observados mais uma vez, enquanto desciam uma inclinação, envolvidos pela densidade da vegetação. De novo, as reações foram semelhantes. Darrion olhou em redor, mas nem o sol a brilhar no seu ponto mais alto o deixou detetar aquele que os seguia. Contudo, ficaram a saber que estavam a ser seguidos.


Nesse mesmo dia, chegaram à Lagoa do Vale. Os cavalos aproximaram-se rapidamente para se hidratarem. Os cavaleiros desmontaram e olharam para Arorn. O príncipe já estava a despir as vestes para mergulhar na lagoa.

Ao colocar a primeira perna dentro da água da lagoa, Darrion sentiu, para além do prazer de finalmente a pele ser banhada por algo morno e não quente, as memórias a invadirem-lhe a mente. Olhou em redor e reparou que Buckley, depois de entrar relutantemente na água, pois não sabia nadar, mergulhava e se divertia com o simples ato de mergulhar. Não tendo nada que ver com o seu irmão mais novo, Duncan, acabava por ter algumas parecenças. O rapaz, embora aterrorizado desde o princípio da viagem, conseguia retirar prazer da simples ação de se molhar numa lagoa. Talvez nunca o tivesse feito na vida.

No outro extremo estava Shaw, que entrou e saiu da água quase sem dar oportunidade à Lagoa de o molhar. Darrion sentia estar no meio dos dois: conseguia sentir algum prazer quando a água lhe tocava numa parte do corpo que ainda estava seca, mas não se conseguia libertar das memórias que o atormentavam. Não conseguia deixar de ouvir as vozes dos irmãos com quem tinha estado naquela Lagoa. Sabia que havia pessoas que se conseguiam focar nas memórias positivas. Mas Darrion, sempre que se lembrava de qualquer memória positiva de um dos irmãos de guerra, acabava sempre por relembrar a sua morte ou o seu corpo a ser espezinhado durante uma das guerras.

Embora as águas o tentassem a submergir a cabeça, as suas memórias não o deixavam. Ainda fez um esforço durante alguns momentos enquanto procurava afastar aqueles pensamentos da sua mente, mas tudo o que lhe vinha à memória era a cara do rapaz do Sul a ser esmigalhada pelas botas dos guerreiros e a ficar rapidamente debaixo da mistura de sangue e lama. Olhou para o castanho da água e, com o corpo tenso e com o coração quase a saltar-lhe da boca, correu para a margem da lagoa, calcando o solo de lama debaixo dos seus pés.

Sentiu uma mão no ombro e, ato imediato, projetou o dono dessa mão para a terra, colocou-se em cima dele e levantou o braço para enviar um murro na sua direção. Quando voltou a si, notou que era Buckley. Arrependido, ajudou-o a levantar-se.

-Desculpa. Estava com a cabeça noutro sítio.

Buckley pôs-se em pé, a arfar. Segurava as costas com uma mão. Anuiu, mas o azul dos seus olhos tremia como a superfície da Lagoa depois de ele mergulhar. Darrion via o seu reflexo no olhar do rapaz e sabia que Buckley estava com medo daquele homem de pele estragada e olhos escavados.

Ouviu-se o som de cascos a embater no chão. Viu "Manchas" a galopar na sua direção. Tinha um olhar furioso. Darrion desembainhou a adaga por instinto. Mas o cavalo obedeceu às ordens de Buckley e parou. Ficou mais calmo depois de o rapaz lhe afagar o nariz, mas o seu olhar não se desviava de Darrion.

O rapaz recuou dois passos, enquanto o seu olhar oscilava entre a adaga e Darrion. Parecia dizer: "Não acredito que desembainhaste a faca contra o meu cavalo". Voltou-lhe as costas e aproximou-se de Kinsey, que estava agachado a recolher plantas, como de costume. O homem do Sul começou a falar com ele.

Darrion embainhou o punhal. Quis aproximar-se dele e pedir-lhe desculpa. Mas o andar ereto de pernas compridas que caracterizava aquele rapaz não lhe lembrava as costas curvas do Buckley que conheceu. As mudanças que ocorriam no rapaz afugentavam o carinho que Darrion nutria por ele. Não queria que isso acontecesse, mas os pés enterrados na lama enquanto a mente se queria aproximar de Buckley para lhe pedir desculpa eram prova suficiente.

Focou o olhar em Kinsey. Olhos de raposa. Tinha dificuldade em avaliar o homem do Sul. O facto de vir das Terras Azuis despertava o coração negro de Darrion. Mas Buckley parecia simpatizar tanto com ele. Mais uma razão para não gostar dele. À medida que o braço protetor de Darrion deixava de envolver o corpo frágil de Buckley, o rapaz começara a beber as palavras de Kinsey. Substituíra um pelo outro. E isso era razão suficiente para antipatizar com Kinsey.

Arorn olhava para ele enquanto saía da água.

-Darrion, junta-te ao Shaw e apanhem qualquer coisa para o jantar. Eu vou acender a fogueira.

Darrion suspirou e vestiu a camisola de linho que havia despido. Olhou em volta e viu que Shaw estava sentado em cima de uma pedra, a atirar as adagas e a apanhá-las. Acercou-se dele. Tinha o olhar ausente.

-Vamos pescar qualquer coisa para o jantar.

Shaw não desviou o olhar da Lagoa, mas embainhou as adagas. Só depois é que os seus olhos focaram o presente. Pela forma como havia estado a segurar os punhais, Darrion pressentiu que as imagens que via quando o seu olhar se ausentava eram encarnadas. Algo que tinham em comum.


_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _  Próximo Capítulo: O Vulto que os seguia  _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 


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