A Sombra

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Jantaram peixe lamacento apanhado por Darrion e Shaw. Não tinha um sabor desagradável, mas a consistência pastosa deu voltas ao estômago de Buckley. Acabou de comer ao fim de duas dentadas.

Depois de todos acabarem de comer, o olhar de Darrion começou a oscilar na sua direção. Buckley havia-se sentado do outro lado da fogueira, ao lado de Kinsey. Darrion levantou-se e deu a volta à fogueira. Colocou uma mão no joelho de Buckley.

– Aleijei-te com a projeção desta tarde?

-Não - respondeu secamente o rapaz. Ainda não sentia que o houvesse perdoado.

A mão de Darrion elevou-se. Sentiu o embate nas costas. Ainda estavam negras da queda. Buckley soltou um gemido.

- Tens a certeza?

Buckley sentiu a face a enrubescer. Voltou-se para o outro lado. Ele veio aqui só para me aleijar outra vez?

-Lamento, Buckley. Como te disse, estava com a cabeça noutro lado.

O normal na relação entre eles seria Buckley vencer a birra e continuar a conversa com Darrion. Mas sentiu algo dentro de si a derrotar a sua habitual curiosidade em relação ao guerreiro e ao seu passado. Era a imagem de grades que o prendiam e o odor constante a urina e fezes: o Túmulo dos Condenados. Ao captar o cheiro da liberdade com mais frequência, Buckley começou a perceber que Darrion fedia a passado. A um passado de prisão em que se ligara a roedores. Agora estou ligado aos passos livres do "Manchas". E isso afastava-o do passado. Sentia-se a galopar a toda a velocidade em direção ao futuro.

-Da próxima vez, presta mais atenção - a resposta de Buckley espantou principalmente aquele que a proferiu. Ouviu Shaw a cuspir para a fogueira.

Olhou para Darrion e sentiu um certo receio do olhar verde gélido do guerreiro. "Manchas" relinchou à distância. Darrion engoliu em seco, anuiu para si mesmo e afastou-se, voltando a sentar-se no seu lugar.

Buckley desviou o olhar para Kinsey, que o observava, sem expressão. Depois sorriu e convidou-o a aproximar-se. Buckley chegou-se para mais perto e preparou a audição para acolher as palavras sábias do homem do Sul. Ali, com a fogueira a aquecer-lhe a metade esquerda da face, sentiu que aquelas histórias estavam mais ligadas ao seu futuro do que as de sangue.

Não ouviu, mas observou Shaw a levantar-se na sua visão periférica. Olhou para lá e observou a expressão atenta do homem mais velho.

-O que se passa, Shaw? - indagou Arorn, já de pé, com espada desembainhada.

-Ele usou o Túnel outra vez... - o olhar de Shaw sondava as montanhas que os rodeavam. De súbito, deu um salto, como se houvesse sido atingido por uma ideia. - Já sei onde é que ele está!

Já estavam todos de pé, com o olhar focado no homem mais velho.

-Onde? - indagou Arorn.

-Há uma gruta a meio daquela colina. Sigam-me! - Antes de terminar de falar, já Shaw estava a correr. Arorn segurou num galho a arder da fogueira e acendeu um dos archotes, começando também a correr.

Buckley apressou-se a seguir o resto do grupo pela inclinação acima. Conseguia ver a chama do archote à sua frente, parcialmente obstruída por Kinsey. Baixou a cabeça para se desviar de ramos caídos, saltou por cima de pedras que deslizavam e sentiu as folhas aguçadas de arbustos a lhe rasparem na pele através da camisola. Enquanto corria, apercebeu-se de que tinha o coração na garganta. Tentou respirar fundo, mas a excitação era demasiada.

Travou para não chocar com o homem do Sul. O grupo estava reunido em frente a um arbusto mais alto. Shaw avançou e destapou um pedregulho.

-Darrion, ajuda-me aqui – pediu Shaw.

As Profecias da Tempestade I - A Ponte ProibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora