capitulo 8 - feita como um anjo

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   Mas que raios! Onde ele estava? Que lugar estranho era este onde havia ido parar?
   Talvez fosse efeito da bebedeira na festa da fantasia, talvez ele ainda estivesse na festa bêbado, completamente bêbado – só podia ser – e aquela menina era alguém fantasiada de anjo em algum canto da boate, o cenário devia ser desconsiderado devido ao porre. Ou se não, - claro, só podia ser isso. – Era um sonho, um sonho que parecia ser bem real, um sonho em 3D. Isso explicaria o fogo já que ninguém era louco de pôr fogo na casa do detetive Dante Cortez, e isto também explicaria como ele conseguiu atravessar o espelho e estar ali.
Com medo de que não fosse um sonho, Dante arriscou falar:
- Por favor não grite! – Ele disse ainda sem saber o que acontecia, mas tinha certeza que se ela gritasse algo iria piorar (inclusive sua dor de cabeça) - Ei moça, eu não sei como vim parar aqui, mas eu não sou o diabo não, é só uma fantasia. - Dante tirou os chifres e a calda, tirou também a capa.- Viu, uma fantasia, nada de pânico, não sou o capeta.
- Quem é você então? E como veio parar aqui? – A voz dela soou mais ameaçadora do que amedrontada.
- Eu sou Dante, detetive Dante. Definitivamente eu não sei como vim parar aqui, eu estava em uma festa de fantasia e fui pra casa, quando acordei estava tudo pegando fogo e meu espelho tinha uma luz, eu me joguei na luz e vim parar no seu quarto. – Ele sacudiu a cabeça com raiva, nada daquilo estava acontecendo. – Na verdade eu acho que estou em um sonho bem real. – Ele rangeu os dentes. – E porque porcaria eu estou te dando explicações?
- Isso é impossível.
- Eu também acho.
- Isso não é um sonho, eu não sei quem é você e nem de onde veio.
- Você viu eu saltando do seu espelho.
- E você não tem medo de andar vestido de diabo por ai com os tribunais da santa inquisição acontecendo.
- Já fazem 200 anos da inquisição.
- Não fazem não.
- Não? – Ele a olhou incrédulo.
- Não. – Dante gargalhou, Marina lhe olhou furiosa, não gostava de brincadeiras de mau gosto, e pior do isso, como ele podia rir no quarto de uma moça àquela hora?
- Em que ano nós estamos? Faça as contas e verá que já fazem dois séculos da inquisição, você deve ter faltado as aulas de história.
- Estamos em mil oitocentos e trinta, e não me insulte que eu sou uma moça muito estudada.
- Eu não gosto de ser passado por idiota.
- Você está se portando como um.
- Nós não estamos em 1830, estamos em 2018.
- Você é um louco.
- E por que está vestida assim como um, um  an...anjo? – Ele falou gaguejando.
- Porque eu estava em um baile de máscaras, o baile do meu noivado.
- Quem ainda dá bailes de noivados hoje em dia?
- Todos dão bailes de noivados.
- Só se for no seu mundinho.
- Quem é você afinal?
- Eu sou Marina Flamelle, filha do barão Flamelle, noiva de Sebastian Lerand o futuro conde.
- O que? – Dante disse Cético, não era possível.
- Eu sou Marina Flamelle e ordeno que saia do meu quarto. - Então ele havia encontrado a dona do colar, a mulher que há dias o vinha tirando o sono e provocando bebedeiras. Ele realmente imaginava que Marina Flamelle fosse uma dondoca, uma senhora rabugenta de calça social e cabelos curtos, também a imaginava de óculos, mas não, ela não era assim, ela era linda, ela era um anjo de pele clara, de olhos singelos e cabelos dourados, ela era linda e era uma...
- Assassina. – Contrariou a pureza e inocência que seus olhos viram.
- Primeiro você invade meu quarto, agora me acusa de assassina. Eu sou uma moça de respeito e você é um desavergonhado por estar no meu quarto a essa hora da noite Sr. Detetive Dante.
- Marina Flamelle você está presa pelo assassinato de Skinner o cientista louco.
Dante levou as mãos ao bolso procurando as algemas, mas não encontrou, lembrou-se que estavam na casa, assim como a arma.
- Eu não matei ninguém seu louco. Eu sou uma moça respeitável.
- Por que você matou o cientista Skinner?
- Eu não matei ninguém.
- Eu achei isto na cena do crime. – Dante tirou do bolso da calça o colar que sempre levava consigo, o belo colar com a pedra de turquesa e o nome dela escrito, Marina saltou nas mãos de Dante pegando o colar.
- Isso é meu.
- O que prova que você matou o cientista louco.
- Eu não matei ninguém, esse é meu colar que estava perdido.
- Me devolva. – Dante ordenou esticando a mão.
- Não. Este colar é meu, meu pai me deu e você o roubou.
- Então agora eu sou um ladrão?
- Me explique como o colar foi parar em suas mãos.
- Eu o achei perto do cadáver do cientista de Skinner Flamelle.
- Você está mentindo, não existe nenhum Skinner Flamelle. Meu pai faleceu quando eu era criança, não teve irmãos ou outros filhos, eu sou a última Flamelle.
- Não é possível.
- Obvio que não.
- Me empresta seu celular.
- O que?
- Seu celular. Eu preciso fazer uma ligação.
- O que é isso?
- Em que mundo você vive? Me dá seu celular de uma vez.
- Eu não sei o que é um celular.
- Em que mundo você vive garota? – Marina bufou de raiva, Dante passou por ela e abriu a porta do quarto foi caminhando pelo corredor da casa na esperança de achar alguém que não fosse uma doida como aquela garota, alguém que saberia o que é um celular e emprestaria um para ele. Marina correu até ele e o segurou pelo braço.
- Você não pode sair andando por ai.
- Por que não?
- Porque você é um estranho e eu não quero ficar mal falada. – Marina o puxo pelo braço, o obrigando a voltar para o quarto, agradeceu aos céus por ele não ter gritado e chamado atenção. Ela não queria que ninguém visse Dante perto de si, sabia o que havia acontecido com Valeria e não queria ter a mesma sorte, não queria perder Sebastian e não queria que Dante fosse morto em um duelo. Ao mesmo tempo em que sabia que ninguém acreditaria que aquele homem havia saído de um espelho.
- Por que você ficaria mal falada?
- Porque eu estou noiva.
- Ah seu noivinho pode achar que levou um belo par de chifres.
- Cala-te.
- Eu poderia falar minhas ironias pelo resto da noite, mas definitivamente preciso voltar para casa.
- É você precisa. Com absoluta certeza você precisa.
- Mas eu não sei nem onde estou.
- Província do sul, 30 de novembro ano de 1830.
- Não pode ser. – Dante foi até o guarda roupas de Marina e abriu a porta tentando acabar com a pegadinha, decepcionou-se. Não havia uma calça, um short, um vestido curto ou um tênis alstar, apenas longos e exuberantes vestidos de época, ele realmente havia voltado no tempo. Mas como? - Fechou os olhos e respirou fundo tentando acordar do sonho. Não funcionou, não aquilo não podia ser um sonho, era tão real.
- Você realmente veio do futuro?
- É, pelo visto eu vim.
- Eu não acreditaria se não tivesse visto você atravessar meu espelho.
O espelho, ele era a chave. – Pensou Dante. – O mesmo espelho que estava em seu quarto e brilhou na hora em que ele deveria ser morto, estava no quarto de Marina Flamelle, o mesmo espelho que foi de Skinner Flamelle. Dante pôs as mãos na cabeça, Skinner havia feito um espelho que voltava no tempo, isso era impossível e real.
- Eu também não acreditaria.
- Você precisa voltar.
- Como?
- Pelo espelho. – Dante a olhou, ela era linda, parecia um verdadeiro anjo naquela roupa e seu olhar possuía paz, possuía mistérios e Dante queria descobrir cada um deles.
Dante tocou o espelho esperando a mágica acontecer, olhou para trás fixando seus olhos nos olhos de Marina, aquilo era um adeus mais doloroso que o esperado.
- Por favor espere. – Ela falou um pouco alto para quem queria manter silencio. Correu até ele e tocou seu braço o tirando do foco.
Assim que a mão de Marina tocou o braço de Dante ambos sentiram um calafrio, algo quente lhes preencheu e no fundo sentiram uma ligação, algo que dizia que aquele não era um adeus, era só o começo, e contra a vontade dos dois o coração disparou no mesmo ritmo como se o destino dissesse que eles se pertenciam.
- O que foi? – Ele pergunta.
- Você não pode ir.
- Por que?
- Porque você mesmo disse que sua casa estava pegando fogo. Você não pode morrer queimado Dante e acredito que seja lá o que foi que te mandou para cá não quer que você morra senhor Dante, então por favor, não vai. Não agora pelo menos.
- Você tem razão.
- Pelo jeito sim já que a mágica não aconteceu. – Ele a olhou sem entender. – Você não continuou aqui porque eu pedi, mas porque a mágica do espelho não funcionou. – Dante estava tão perplexo com o toque dela, com o que ele sentia que não havia nem pensado que o espelho não tinha agido a seu toque.
- Por que não deu certo? – Ele perguntou.
- Estou tão confusa quanto você.
- Eu devia ter voltado para o futuro.
- Você iria mesmo? – Ela disse magoada por não ser ouvida.
- Sim, se você não tivesse me pedido para ficar. – Dante sacudiu a cabeça depressa, que raios ele estava falando isso para ela? – Mas a questão é por que não funcionou?
- Eu não sei.
- Talvez você possa me indicar um hotel?
- Uma hospedaria?
- Sim, uma hospedaria.
- Sinto muito, mas você não irá conseguir sair daqui sem ser visto.
- Então eu vou ficar no seu quarto?
- Bom, talvez eu invente algo e passe para o quarto de mamãe, assim você possa ficar aqui.
- Sua mãe mora aqui?
- É claro que mora. Você não mora com sua família?
- Eu moro sozinho desde os dezesseis anos. 
- hum. – Marina ergueu a cabeça. – Você disse que saiu uma luz do espelho, se ficar aqui poderá ver quando ela surgir de novo.
- Eu vou.
- Tranque a porta assim que eu sair e não abra a menos que eu bata.
- Mas se você não quer que ninguém saiba que eu estou aqui como vou saber se posso abrir a porta?
- Talvez teremos de inventar um sinal.
- Quando você bater na porta esteja cantando.
- Cantando?
- Tem ideia melhor?
- Bom, não. – Marina consentiu. – Deseja alguma coisa senhor?
- Não, eu estou bem. – Dante sabia que embora estivesse com fome se ousasse por algo na boca vomitaria tudo. E além do mais ele não pretendia ficar ali por muito tempo.
- Certo, eu vou me recolher.
- Certo. – Mariana disfarçadamente abriu uma gaveta e pegou sua camisola de dormir. A colocou nas mãos e as manteve atrás das costas, um homem jamais poderia ver as roupas de uma dama dormir.
- Boa noite senhor Dante. – Ela disse ao abrir a grande porta de madeira.
- Boa noite. – Ele soltou o ar. – E muito obrigada meu anjo. – Ela consentiu com a cabeça e se retirou.
Que droga! Que droga! Que droga.
Isso não podia estar acontecendo. Definitivamente não!
Ele havia mesmo viajado no tempo? Não era possível, ainda tinha esperança de que não passasse de uma pegadinha.
Que droga! Estava tudo errado. Primeiro, sua casa havia pegado fogo. Segundo ele havia viajado no tempo. Terceiro e mais importante ele havia sido gentil com uma estranha. Uma estranha que era do passado e era a mulher suspeita de assassinato que tirava seu sono a dias, deveria prende-la, mas como se estava preso no passado e nenhum delegado por ali acreditaria na sua história? Além de tudo não havia provas para prender a menina e ela parecia tão boa.
Ele o detetive que não sabia o significado da palavra “bom dia” havia dito “obrigado” e havia a chamado carinhosamente de “meu anjo”. Definitivamente essa viagem havia afeto seu cérebro, precisava sair dali antes que você tarde demais.
Pelo corredor Marina caminhava assustada. Trancou-se em um quarto de hospede e despojou-se das roupas da festa, sentiu o ar lhe encher o pulmão quando tirou o espartilho e finalmente pode se mexer sem a crinolina ou a “gaiola” como costumava chamar. Colocou a camisola e dirigiu-se para o quarto da mãe.
- Posso dormir com você? – Perguntou com as mãos atrás das costas, sua mãe não devia lhe ver tremendo.
- Que modos são estes que não lhe dei minha filha? – Você não dormiu no meu quarto nem quando era um bebe.
- Eu sei mamãe, mas com o casamento chegando, é que... – A voz lhe falhava, pela primeira vez em sua vida estava mentindo. – Eu vou sentir sua falta.
- Ah meu doce. Deite-se aqui, mas só por esta noite e que ninguém saiba disso, precisamos manter as boas maneiras.
- Sim só hoje.
Marina deitou-se sentindo um aperto no peito. Um homem estava em seu quarto, um homem lindo e de personalidade estranha. Ele realmente havia vindo do futuro? Isso era tão improvável, mas ela havia o visto atravessar o espelho. E se ele fosse mesmo o diabo? Não, não, não poderia ser, afinal o diabo não seria capaz de dizer palavras gentis como “obrigado”, e se ele realmente fosse Lúcifer teria tido uma aversão pelas coisas sagradas em seu quarto, como a imagem de nossa senhora, o crucifixo ou o rosário, também teria feito algum mal a ela, mas ele parecia tão perdido e sincero.
Sentia medo, o que seria dela se achassem aquele homem em seu quarto? Como explicaria que ele havia vindo do futuro? Ninguém acreditaria e ela seria passada por uma louca, Sebastian não iria querer se casar com uma louca, com uma louca que escondia um desconhecido em seu quarto. Rezou para que o homem conseguisse voltar logo para sua casa no futuro. Então respirou fundo e em nenhum instante da longa noite conseguiu pregar os olhos.

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