capitulo 9 - um caro amigo

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Antes que o galo cantasse Marina saiu do quarto da mãe, precisava ir até seu quarto e ver que tudo foi uma alucinação. Ao seu aproximar da porta corou sentindo- se a moça mais ridícula do século e então começou a cantar.
- “Você me trouxe uma flor, a flor rara que só existia perto da cachoeira. Uma fina flor vermelha que tinha pétalas magicas de amor, uma flor que encantava os jardineiros. – Fez uma pausa. Por que ela estava cantando aquela música? Antes que pudesse concluir seus pensamentos a porta se abriu.
- Bela música. – Ela entrou e Dante fechou a porta atrás de si não deixando para trás uma só tranca. Quando desvirou a moça atrás de si estava de costas para ele, com uma mão tapava os olhos que já estavam fechados, com a outra abraçava a si mesma tentando deixar o menos possível a camisola visível. 
- Você está bem? – Dante perguntou um tanto preocupado. Ela não parecia doente ou cansada, mas pelas cores em seu rosto teria um desmaio em breve.
- Si...Sim. Você... Está.
- Eu estou bem.
- Não. Você está sem... Sem roupas. – Ela disse por fim.
- Não, eu estou vestido.
- Não está não. – Dante olhou para ele mesmo, estava só sem a camisa, a calça preta embora suja ainda estava em seu corpo.
- Eu estive em um incêndio, não ia ficar com aquela camisa com fedor de fumaça nem mais um segundo sacô, sinto muito gatinha. – Ela riu.
- O senhor fala de um modo muito peculiar.
- É? – Ele achava que ela sim falava de um modo muito peculiar, que ela era peculiar.
- Sim. – Ela tirou as mãos dos olhos, mas não ousava levantar os olhos para ele, parou encarando o chão constrangida. – Se você quiser eu posso pegar escondido algumas roupas do papai e lhe trazer, elas estão guardadas no mesmo lugar que ele deixou.
- Seu pai viajou?
- Ele faleceu há alguns anos.
- Eu sinto muito, de verdade, eu imagino como é perder alguém querido. – Dante lembrava de cada vez que investigava uma cena de crime e a família estava aflita chorando pela vítima, havia visto muitas meninas da idade de Marina perderem os seus pais e sabia o estrago que isso causava nas pobrezinhas.
- Fico grata por suas condolências. – Ela suspirou, este seria um longo dia. – Eu preciso me trocar, não é bom que você me veja nesses trajes.
- Não tem nada de mais, é uma camisola bem bonita comparada as que a Betina usava.
- Quem é Betina?
- Hum, é a mãe da mulher que me adotou. Não gostaria de falar sobre isso.
- Certo. Eu preciso me trocar, não quero que o senhor pense que sou uma mulher da vida por estar nestes trajes.
- E por que eu pensaria isso de você? Pela sua longa e nada transparente camisola branca de flores rosas? De modo algum. Se você acha que isso ai mostra alguma coisa precisa ver as roupas que as mulheres usavam lá de onde eu vim. Principalmente na praia.
- Como São? – Sabia que não devia perguntar, mas ela sempre quis saber tanto do futuro e agora tinha uma chance. Seria só uma perguntinha, não teria mal algum.
- Muito, muito curtas.
- Santo anjo da guarda! Elas mostram as pernas?
- claro, as mulheres adoram um vestido na metade das cochas.
- Que horror!
Marina estava escandalizada, com certeza não queria saber mais nada deste lugar onde as mulheres não tinham mais pudor e virtudes? Como manter a pureza em um lugar como este?
Batidas na porta fazem seu coração saltar pela boca.
- Oh não. – Ela murmurou olhando para Dante, ele também estava em choque.
- Senhorita Marina, o sol já raiou levante-se para o desjejum. – Falava Joana a porta.
- É a criada. – Ela disse.
- certo, eu vou me esconder, haja naturalmente. – Dante extremamente rápido ganhou de baixo da grande cama levando consigo as roupas jogada ao chão, precisamente sua camisa, os sapatos de couro e a fantasia. “Tinha certeza que não devia ter ido aquela festa, ainda mais com essa fantasia maluca que a Clary me arrumou” Pensava ele. Marina por sua vez não o ouvia nem respirar.
- Senhorita Marina, por que demoras tanto a abrir a porta? – Novamente Joana falou.
- Já estou indo. – Marina tentou de longe ver se avistava algo de baixo da cama, mas a grande colcha não deixava nem a sombra de Dante aparecer. Temendo abriu a porta.
- Bom dia senhorita Marina. Passou bem a noite?
- Bom dia Joana. Sim passei muito bem e você?
- Estou muito bem, mas a senhorita parece estar tão cansada. E essas olheiras...
- Não se preocupe, só estou um pouco cansada devido o baile.
- Eu soube que foi uma grande festa. Conte-me, o que achou do conde?
- Parece um bom homem.
- É muito bom uma moça agradar o futuro sogro.
- É sim. – Disse Marina mais uma vez tentando olhar para baixo da cama.
- A senhorita deve descer para o café da manhã. Vou arrumar seu quarto.
- Não, eu estou tão cansada, não me sinto disposta.
- Então trarei seu desjejum aqui.
- Ótimo. Também me prepare um banho.
- Sim minha querida, irei buscar a agua.
Joana retirou-se do quarto. Para não correr riscos Marina disse cantarolando:
- “Não ouse sair de onde você está querido amigo.” – Dante deixou escapar uma risadinha baixa e ficou onde estava.
Minutos depois a banheira que ficava em um canto do quarto coberto por cortinas estava repleta de agua. Marina mandou que Joana deixasse o café da manhã sob a mesa próxima a cama, que após o banho ela se alimentaria. Joana contestou assim que Marina disse que desejava banhar-se sozinha alegando que ela sempre a ajudava, Marina porem disse que precisava pôr os pensamentos no lugar a obrigando a sair do quarto, então trancando as portas ordenou que Dante saísse de onde estava.
- Me escute, preciso agir com cautela. Irei até o quarto de papai pegar roupas para você, fique em baixo da cama até que eu volte. Não irei demorar.
- Você me mandou sair da li de baixo para voltar de novo.
- Eu precisava garantir que você entenderia. – Dante obedeceu e minutos depois Marina retornou com peças de roupa nada agradáveis aos olhos de Dante.
- Eu não vou usar um terno para estar trancafiado no seu quarto. – Ele protestava, não que não gostasse de ternos afinal ele tinha muitos e os usava no trabalho, mas aqueles não pareciam ternos modernos e o tecido era tão duro e rude, assim que voltasse para o seu mundo valorizaria bem mais os amaciantes de roupa.
- O senhor tem que vestir, afinal não quer continuar com este cheiro a fumaça.
- Já que não tenho escolha... – Murmurou.
- Dante entrou para a banheira fechando todas as cortinas, embora que ele não se sentiria incomodado se Marina o visse tomar banho, ele não sentia vergonha de nada, nada mesmo. Se ele já achava estranho as pessoas sentirem vergonha agora muito mais ele estranhava Marina tomar tanto cuidado com as palavras e ficar vermelha toda hora.
Após vestir um vestido creme de decote reto e mangas até metade do braço, Marina estava sentada em sua cama, rezando, aflitíssima. Havia um homem em sua banheira, um homem tomando banho. Era o fim da sua reputação. Como ela havia chegado a tal nível? Nem ela sabia.
Sua mãe havia a ensinado que depois de casada ela não devia nem pensar em entrar no quarto de Sebastian quando ele estivesse banhando-se. Ah Sebastian, como iria conseguir viver escondendo de seu esposo algo tão importante? Tirava e colocava o anel de noivado no dedo tentando esquecer-se de Dante, O anel era todo de diamantes e possuía uma pedra de safira, era lindo. Sebastian tinha sido muito bom para com ela lhe dando aquele anel, não só nisso, mas no jeito como a tratava, ele até disse baixinho em seu ouvido antes que a pedisse em casamento na frente de todos “Finja que estamos só eu e você aqui!” Para a deixar mais calma naquele momento tão importante da vida de uma menina. Sebastian não merecia tudo aquilo, mas o que ela poderia fazer? já havia escondido Dante, já havia começado essa mentira e precisava termina-la.
Dante apareceu perto da cama já vestido – Ela agradeceu por ele estar vestido. – Sentou-se nos pés da cama e ela viu que a roupa de seu falecido pai lhe caia muito bem, combinava com seu rosto rude e sua barba grande.
- Você ficou ótimo.
- Você também está bonitinha, gostei dessa cor. – Ela sorriu.
Ele estava sendo gentil? Sacudiu a cabeça, só lhe faltava começar a sentir vergonha e gostar das roupas duras.
- Tome seu café, você deve estar faminto.
- Só tem uma xicara, você não vai querer? – Ela não podia dizer que precisava de duas xicaras pois havia um homem em seu quarto e iria tomar café da manhã com ela, a sós, no quarto.
- Eu estou bem, já comi uma maça verde.
Dante olhou a bandeja, e então começou a comer freneticamente. Parecia que não comia há mais de um ano, pelo menos sua fome indicava isso. Ele nunca havia comido algo tão bom e natural em toda sua vida, estava acostumado com suas cervejas, vodcas, vinhos e a geladeira cheia de congelados e pizza que nem imaginava como um café completo podia ser bom.  Café com leite, suco de laranja, bolo de alguma coisa que não era chocolate, bananas, maças e mamão e biscoitos de canela. – Iria se lembrar desse café da manhã pro resto da vida.
- Eu preciso voltar para a casa.
- Do espelho não surgiu a luz durante a noite?
- Não.
- Mas eu preciso dar no pé daqui antes que te arrume um problema.
- Dar no pé?
- Significa ir embora.
- Ah. Espero que você consiga.
- Eu também.
- Marina... – Ela sorriu e aquele sorriu começou a quebrar as muralhas de Dante.
- É tão estranho?
- O que é estranho?
- Eu não achar estranho você me chamar de Marina. Só Marina.
- Mas este é seu nome.
- Sim, mas é que aqui, os cavalheiros se referem as damas usando a palavra “senhorita” antes do nome.
- Se isso vai fazer você parar de ficar tão vermelha assim do nada, eu posso lhe chamar de senhorita Marina.
- Não é necessário, como eu disse, já me acostumei com você. – Foi a vez de Dante ficar sem palavras. Ele estava odiando esse Dante que ficava sem defesas, e o mais estranho, o que ele mais odiava era que só ficava assim perto dela.
- hum. O que você faz aqui para não ficar entediada?
- Bom eu bordo. – Não, Dante não queria fazer isso para sair do tédio. – Eu também toco piano e arpa.
- Eu não sei nem tocar violão.
- O que?
- Ah você vai ouvir falar sore isso.
- Se eu pudesse te tirar daqui te mostraria a sala de música, você ia gostar.
- Alias você canta muito bem, no meu tempo você faria muito sucesso no ramo do sertanejo universitário.
- Se você diz. – Ela riu sem entender muita coisa porem levando aquilo como um elogio.
- Independente do século em que você cantar eu sou seu maior fã.
- Fã?
- É uma gíria, um modo de falar no meu tempo. 
- O que significa?
- Tipo, eu vou a loucura por você, sou seu maior admirador.
- Ah entendi – Ela corou. - fico encantada.
- Existe sala de jogos?
- Existe sim. Tem algo de seu agrado que eu possa trazer para cá?
- Uma mesa de sinuca não seria possível, então creio que não.
- Xadrez lhe agrada?
- Eu não sei jogar, mas talvez você me ensine.
- Seria uma honra.
E assim passaram o resto do dia, com um jogo e uma boa conversa. As vezes que alguém batia a porta Dante escondia-se de baixo da cama e Marina abria alegando estar com dor de cabeça, as criadas insistiam em chamar um médico, ela negava dizendo que estava bem e logo iria passar, no lugar do almoço Marina mandou que trouxessem uma jarra de suco de maça e biscoitos de canela. De início ela estava receosa por dividir com Dante o copo do refresco, mas logo acostumou-se e a ideia já lhe parecia algo normal. Dante contou-lhe sobre seu trabalho, Marina ficou aterrorizada sobre a quantidade de crimes que aconteciam, ele também falou sobre as comidas que estava acostumado, Marina demorou a entender que o famoso cachorro quente não era feito de carne de cachorros.
Em poucas horas ela já não estranhava estar na presença de um homem e ele contra tudo que ele era já sorria sem ser ironicamente. Dante havia lhe falado como eram os tempos modernos, contou que já havia uma igreja diferente em cada esquina, e que o que mais havia nas praças eram charlatões dizendo ler o futuro para arrancar dinheiro das pessoas, principalmente as mais frágeis. Contou que a medicina havia avançado muito, que uma gripe já não era capaz de causar uma morte se o doente tomasse simples remédios. Contou que o amor era raro nestes tempos, que a maioria das pessoas casava-se duas ou três vezes, que os casamentos não eram mais arranjados pelos pais, mas cada um escolhia da maneira que bem entendia, a maioria dos casais se conheciam na faculdade ou na balada – que já não eram como os bailes antigos- também falou sobre computadores, celulares e o famoso facebook, ela não entendeu muito bem, mas ficou fascinada com tantas coisas novas.
Marina também contou a Dante toda sua história, como sentia falta de ter um colo de mãe – Isso ele entendeu muito bem. – contou sobre como havia sido sua infância e sobre como havia conhecido Sebastian. Dante não gostava nem um pouco de Sebastian. Contou que sua vida sempre foi simples e derramou lagrimas ao falar do pai e da tristeza que passava Valéria após perder o pai e o amado.
Logo a noite chegou, Marina já achava suspeito ninguém ter batido a sua porta desde as três horas da tarde, era a calmaria antes da tormenta. Lá fora, pela janela eles viam que uma tempestade começava a surgiu embora a chuva ainda estivesse fraca. Marina levantou-se e foi até a janela, observava a agua cair sob o jardim, Dante aproximou-se colocou uma mão em sua cintura, ela sabia o quão errado era aquilo, mas desejava que aquela mão nunca mais saísse dali. Ela virou-se para ele, deixando seus corpos próximos demais.
- Dante eu...
- Xiu! – Ele fez suavemente. Pegou sua mão e enlaçou na dele, Marina sentia seu corpo tremer e seu coração disparar. Não foi capaz de encarrar seus olhos negros nos dela, encostou sua cabeça no peito de Dante, respondendo ele a envolveu em seus braços.
- Não é normal. Eu te conheço há tão pouco tempo, mas me sinto tão viva quando estou perto de você.
- Eu sinto que há uma coisa que me puxa para você.
- Eu não queria que as coisas fossem assim.
- Você o ama? Seu noivo, você o ama?
- Gosto dele, mas não é amor, acho que o amarei com o tempo.
- Você é diferente de todas as mulheres que já conheci, espero que você seja muito feliz.
- E eu espero que você também seja, espero que você consiga prender todos os bandidos que surgirem na sua cidade, e muito mais do que isso, espero que neste lugar estranho de onde você vem, espero que neste mundo do caos você encontre uma boa esposa, ainda deve haver uma mulher casta de virtudes, alguém que te ame e te aceite sem querer mudar seus defeitos.
- Acho que ninguém aturaria meus defeitos.
- Você é humano e não tem a obrigação de ser perfeito.
Dante consentiu com a cabeça acreditando naquelas palavras.
- Você precisa se conhecer. – Ela disse e ele não entendeu. – Se achar, quem é o Dante de verdade? Você está tão acostumado com seu mundo superficial, deve se achar de verdade, achar quem é o verdadeiro Dante. Talvez seja por esta razão que você veio para cá.
- Talvez você me ajude a me conhecer.
- Seria um prazer, desejo muito lhe ajudar.
- Eu agradeço.
- Sabe eu sempre achei que Valéria fosse minha amiga, e ela é, mas não é como você, nós sempre falávamos sobre casamento, bordados de vestidos, moda, sobre joias e livros. Mas com você é diferente, com você eu não preciso ter medo de medir as palavras e você rir de mim, eu não preciso estar com a coluna reta para aparentar ter modos, eu me sinto bem com você, me sinto eu mesma. Você é mais que um amigo, é um amigo irmão.
- Você foi minha única amiga, a única pessoa que foi capaz de me fazer sorrir, e tirar segredos de mim. – Dante pensou alto. – E pensar que eu pensei que você fosse uma assassina.
- E eu pensei que você fosse o diabo. – Ele riu.
- Eu parecia. E você parecia um anjo.
Foi a vez dela sorrir.
- Valéria me disse que fantasias de anjo não trazem boa sorte. Acho que ela se enganou pois ganhei um amigo.
- Seja lá o que me trouxe para você, seja o que for o raio daquele espelho sou grato por ter te conhecido. Eu nunca senti nada por alguém, mas você é especial para mim. É tão cedo, mas eu não quero te dizer adeus.
- Você vai embora, um dia você vai ir embora e eu quero te ver de novo.
- Espero ter a sorte! – Sorte! Ele não acreditava nessa palavra e agora ousava a pronunciar.
- Eu também.
- Quer ir comigo? – Antes que ela respondesse se ouviu uma batida na porta. Uma batida muito forte.
- Minha cara noiva sua mãe mandou um mensageiro avisar-me que não passas bem, vim ver como você está.
- Sebastian! – Ela murmurou.

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