Perdido

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Bebi a última lata do energético seguido de um arroto dos bons, em seguida a lancei no banco do lado junto das outras embalagens, batata frita, hambúrguer, refrigerante e energéticos para que eu pudesse perder um pouco do sono das noites mal dormidas.
Em seguida houve pancadinhas no vidro do carro um toque-toque.
Olhei para o lado em seguida fixamente para a frente. Como me achou?
Desci o vidro.

— Joca? — disse — merda você esta acabado.

Olhei para ele meio acanhado.

— Como me achou? — perguntei confuso.

— Você está no estacionamento do shopping, qualquer um pode te achar aqui, por quê? está se escondendo?

— Na-na-não — respirei fundo tentando mentir — talvez.

Andrey espreitou olhando para dentro do carro a zona, acho que ele queria ver se poderia entrar.

— Abra a porta — ordenou dando a volta entorno do carro.

Abri a mesma.

Ele entrou, tirou alguns itens de sua sacola colocando no banco de trás e começou a limpar o banco do passageiro.

— Isso aqui tá uma nojeira — ele disse colocando as embalagens na sacola.

Me observou, havia um cobertor no banco traseiro o que lhe fez perguntar:

— Está dormindo aqui? — deu uma pausa — Espera a quanto tempo você está aqui?

— Uns 3 ou 4 dias.

— Por isso... Ninguém atende em sua casa, passei lá, tudo tão estranho... — então ele ficou em silêncio e me olhou surpresamente assustado — Você contou a ela?

Respirei fundo novamente e impaciente.

— É... Ela meio que soube da gente — emendei o assunto.

Ele me olhou ainda mais assustado.

— Puta merda. E o que você está fazendo?

— Sei lá, não cobram o estacionamento aqui. — falei baixinho — E ainda tem seguranças.

— Sinto muito, merda. — disse ele ficando em silêncio em seguida.

Ficamos quietos por algum segundo, mas em seguida Andrey segurou meu rosto me olhando e me virando me fazendo o olhar.

— Merda você precisa de um banho, está fedendo. — ele riu.

— Ei...

— Não tão mal assim mas está cheirando a suor, anda me deixa dirigir... — ele deu um pequeno riso

— Não, o que? Para onde?

— Minha casa.

— E correr o risco de encontrar Sabrina? Não obrigado.

— Tem um apartamento — deu uma pausa — Quer dizer está a venda, é do meu irmão mas ainda tenho as chaves.

— Não quero ir a lugar nenhum.

— Não pode ficar nesse estado.

— Porra isso é tudo culpa sua, você não deveria estar aqui! Quero ficar sozinho. Você fez eu me assumir algo que não sou, um viado de merda.

— Culpa minha?

Fiquei quieto. Ele abriu a porta do carro saindo em seguida. Me arrependi no mesmo instante e sai do carro implorando para que ele esperasse.

— Me desculpa, me desculpa tá legal!? Eu só... eu só não queria ser essa coisa é muito difícil para mim agora. Me sinto perdido.

— Ser "essa coisa"? — ele paralisou e se virou me olhando nos olhos — Já se perguntou alguma vez se para todos os viados da qual você um dia ofendeu, para todos os viados da qual um dia você pensou em ofender ou pensou de forma discriminatória se é fácil ser quem você é, "essa coisa"? Se é fácil ser julgado, massacrado e tratado como "Coisa" como um bicho, ser comparado a animais como veado, gazelas pelo simples fato de sentir atração por alguém do mesmo gênero?

Ele deu alguns passos em minha frente.

— Não, não estou diminuindo sua dor pois sair do armário é algo realmente difícil, mas você já percebeu o quão as vezes é necessário ficar dentro dele? Sim né, não ser julgado, não sofrer ataques e ameaças, fingir ser quem você não é para o seu conforto e dos demais que não sabem lidar com as diferenças. Mas um dia, UM DIA o mundo te cobra, e quando você não é descoberto você deve se assumir por essa cobrança.

— Andrey eu não...

— Eu não terminei. — ele falou abrupto.

Notei ele ficar vermelho quase como uma bomba relógio.

— Por que nós viados ou veados devemos assumir o que somos? Sendo que somos apenas pessoas. Lembro que uma vez ouvi você dizer que o mundo estava perdido enquanto eu falava a respeito desse mesmo assunto com Sabrina. Alguma vez você teve de se assumir hetero? Não, pois o mundo não te cobraria isso, pois isso é ser igual a ideologia que todos tem e fora dela sim você fica perdido, você descobre que sim o mundo é perdido, mas não pelo fato de você ser quem é e sim por não aceitar isso... Então hoje você está aí, mirando num precipício desconhecido e com medo de ser quem você é. Está achando difícil ser quem você é mas ainda não consegue ver que a palavra viado não é ofensa alguma para mim, ou para qualquer outro "viado" que tenha passado pela mesma dor que você VIADO está sentindo...

— Andrey — falei sentindo os meus olhos encherem.

— Se você fosse a porra do último homem do mundo eu nunca escolheria me apaixonar por você. As vezes eu me deito e me pergunto porque você? Tantos outros mais humanos que você e eu fui querer alguém estúpido e tapado como você.

— Por favor me desculpa.

— Mas acontece que eu acredito que as pessoas precisam de uma reeducação, para aprenderem a ser gente, e que as vezes o preconceito, o racismo, as fobias estão tão enraizadas que agimos feito monstros sem nos dar conta. Mas tudo que pessoas como você precisa é de um bom ensinamento, para viver no mundo atual.

Andrey se virou para ir embora, notei que ele só deixou a lágrima escorrer quando se virou, mas antes que ele fosse eu disse:

— Então me ensina. Me ensina a ser mais compreensível. Mais humano.

— Eu juro que estou tentando mas as vezes é difícil, até para mim — ele falou sem se virar.

Foi embora, e eu fiquei parado, esfregando a mão na cabeça, confuso e choroso, nem parecia mais um homem, e sim uma criança perdida.
E agora o que faço?

Antes que AmanheçaOnde histórias criam vida. Descubra agora