Não significou nada

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Lavei o rosto, escutei ambos passarem pelo corredor enquanto eu mijava. Estavam na sala ao certo.

Eu queria começar um discussão mas não sei ao certo se devia, fui a cozinha, agora vazia, havia algo no forno, aquecendo, assando, não sei ao certo. Peguei outra cerveja no freezer.

Retorno à sala, só Andrey está no sofá. Antes de me sentar pergunto:

— Cadê a Sabrina?

— Foi colocar a Laura para dormir — ele tosse um riso — estava caindo de sono, tadinha.

Olho para escada, penso em subir, discutir com ela no quarto, fechar a porta e explodir lá dentro.
Mas apenas me sento bufando, a última partida do jogo inicia.
Encaro Andrey, sei que ele sabe que estou o encarando, sei que ele me vê de soslaio. Não demora muito para ele me olhar.

— O que?! — diz confuso.

— Acha que sou um péssimo pai? — perguntei quase engasgado.

Ele fica assustado, sem palavras.

— Hã... n-n. na-não — ele gagueja entalado — O-o-olha sinto muito. Eu-eu não posso achar nada. Digo, merda você-você ouviu não foi?

Faço que sim com a cabeça. Olho para a televisão, talvez seja melhor eu deixar para lá. Fica silêncio por um tempo.

— Te acho um, um cara admirável. E pelo o pouco que vejo você parece um bom pai — ele fala baixinho — Talvez Sabrina só tenha uma perspectiva diferente sabe? Toda mãe acha que sobressai quando a matéria é ser mãe ao invés de pai. Mas há pais que são incríveis, como o meu que me criou sozinho. Nem ouso dizer que le foi uma mãe porque ele foi um pai mesmo. Sabe? Sempre comparamos o amor materno sendo melhor que o paterno mas... nem sempre é assim.

O encaro em silêncio. Eu quase não entendi o que ele quis dizer.

— Olha o que eu quero dizer é que... — ele toca meu ombro afagando, como se entendesse que eu não entendi muito bem — Você não é um pai ruim, não é um cara ruim. Só é meio tapado as vezes

Ele deu um riso.

— Obrigado — falei acanhado, ele me solta encarando a televisão. — Andrey... — o chamei roubando a atenção dele que voltara olhar para televisão — Por que fez aquilo?

— O que?

— Ontem... u... u... o beijo sabe?

Ele caiu no riso. Uma gargalhada. E eu o olhava confuso, ele riu sem parar e deu um tapa sútil em minha coxa parando com a mão nela.

— Des... — ele riu — desculpa — disse aos risos — eu estava muito bêbado assim, meu Deus!

— É... é — Falei tossindo um riso pateta.

— Relaxa, selinho dou até na sua mulher, não significa nada — disse ele

— Ahã... é, isso! Não significa — dou uma breve pausa aliviado — nada.

Fica um breve silêncio. Estou envergonhado.

— Pode... manter isso só entre a gente? — perguntei.

Ele virou a cabeça apoiada no encosto do sofá. Como um robô.

— Tá cara relaxa... — ele deu uma pausa — me desculpa por aquilo.

Ele riu novamente.

— Por isso você estava todo estranho hoje cedo?

— Na-na não, que isso... não — Falei

Lembro-me da excitação. Fico rubrico sinto a pele queimar. Ele então me olho com o olhar desconfiado e desencosta do sofá.

— Pera aí, você... — ele fica boquiaberto — Gostou?!

— Não. Não. Não eu... — ele começa a rir

Pego uma almofada e taco contra a cara dele, aos risos, eu também dou um riso.
E pela primeira vez ele me fez rir, me fez rir também, mesmo envergonhado.
Eu realmente não o conhecia.
E agora ele me parecia legal.

— Sei... — resmunga ele.

— Olha eu não... eu não gostei, não faça mais aquilo — engrosso a voz falando sério lhe apontando o dedo indicador com ar de repreensão.

Ele me olha meio risonho. Mantenho a postura séria.
Sabrina começa a descer as escadas, dou um pigarro e engulo seco. Ele também muda a expressão. Agora parecemos dois culpados olhando fixamente para a televisão.

Sabrina para no último degrau da escada. Ou aquele seria o primeiro? Nunca sei onde começa ou termina a escada. Creio que seja o ultimo ja que o primeiro passo que ela deu para descer foi lá em cima. Fareja feito um cão.
Ela segura a mamadeira na mão. As vezes Laura era manhosa, mesmo fazendo quatro anos daqui algumas horas ela ainda gostava de tomar leite na mamadeira.
Afinal quem não gosta?... do leite. O lugar que vai tomar é só questão de gosto.

— Hmm acho que está pronto — ela da uma pausa e olha pra a gente — Venham ja coloquei a mesa, só falta servir as batata que estão ao forno.

Andrey é o primeiro a levantar, vejo ele sentar diante a mesa do outro lado, ajeitando os pratos. Servindo seu copo de suco.

Me levanto rastejando e me sento diante a mesa também. Já está tudo lá, pratos, talheres, a comida.

— Quer suco? — perguntou Andrey mirando a jarra em meu copo.

Penso um pouco e faço que sim com a cabeça. Então ele faz a gentileza de me servir o suco. Sabrina volta da cozinha com a travessa de batatas recheadas, a coloca no centro da mesa. Eu não suporto a olhar, tenho vontade de começar uma briga. Mas me mantenho em um profundo silêncio soturno e fúnebre.

Sabrina se senta, somos apenas eu, ela e Andrey que é de casa. Mas não acho viável discutir na frente dele, além do mais ele é uma visita.
Sabrina se levanta e retira meu prato.

— Deixa eu te servir... — resmunga

Seguro o prato rapidamente.
Pode deixar que eu me sirvo., digo executando o ato. Coloco cuidadosamente a comida sobre meu prato, com medo de levar um esculacho caso eu derrube. Me sento. Todos se servem.
Há um clima. Um clima estranho. Mas ao puxar o talher bato a mão no como desastrosamente e vejo o suco derramar na toalha. Todos se levantam assustados e Sabrina me olha com ar de repreensão. "Sempre né?!"  Ela diz rabugenta e secando a mesa com o pano de prato. Me sinto um babaca ao sentar novamente diante a mesa já limpa.

— Querido, Andrey mora ao nosso lado e nunca cozinhou para a gente e segundo ele mesmo ele cozinha bem... o que acha?!

— Talvez ele saiba cozinhar o que tem de mais nisso?! Você também cozinha bem. — falei confuso. Mas sabia que aquilo era uma alfinetada.

— Obrigada — ela disse baixinha com a minha resposta sem importância.

Se eu não falasse nada ela diria: "Andrey cozinha já você não sabe nem fritar um ovo". Mas eu a calei. Antes dela me diminuir.
Senti minha pele corar. Senti meu corpo queimar, as mãos avermelhar-se diante as veias visíveis, olhei para as mesmas de punhos cerrados.
Eu não peguei os talheres. Eu queria pega-lós mas estava irritado. Tive medo de derrubar novamente, mas agora o copo estava vazio, não corria risco algum.

— O que foi querido? — disse Sabrina com a voz doce tocando meu braço.

Eu repulso o ato dela.

— Nada, só... — vejo Andrey erguer o olhar. Olho nos olhos da Sabrina e sinto raiva e um descontrole de palavra saem — Só estava esperando você me criticar...

Antes que AmanheçaOnde histórias criam vida. Descubra agora