A Câmera invisível

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Sabrina deu uma gargalhada, riu como se eu estivesse lhe contado a piada do ano, ela riu e eu me assustei, não era algo que eu esperava.
Eu ri também, na verdade tossi um riso sem graça por não saber o que fazer, eu estava nervoso.
Então eu tive a noção de duas coisas importantes: eu podia rir e voltar atrás e fingir que aquilo fora apenas uma piada, ou levar isso adiante e ver no que daria.
É raro as vezes em que a vida te dá a oportunidade de fazer escolhas com assuntos difíceis.

Mas então eu parei de rir. Não era uma piada, não havia piada. Cruzei os braços a encarando.
Ela coçou os olhos terminando de rir.

— O que?! — exclamou em uma pausa — Você acha... — ela riu tossindo — Você acha que vou cair nessa?

Ela deu uma gargalhada.

— Meu marido gay? — ela riu novamente e eu a olhava assustado esperando ela cair em si. — Esse tamanho todo...

Então notei a hora exata que ela se deu conta de que eu não estava brincando, seu semblante sério se formou.

— Joca estou casada com você a tanto tempo, quase uma vida, você não acha que essa foi a pior desculpa para explicar a nossa crise?

— Não é desculpa.

— Você? Gay? — ela caiu no riso de novo. Isso me fez rir, mas a cena não era nenhum pouco engraçada

Aquilo era trágico. Era a cena mais trágica que eu passei diante da Sabrina em toda minha vida. Era triste, lastimável, deprimente.

— Anda cadê?

— Cadê o que Sabrina?

— A câmera — ela se levantou.

Agora a coisa ficaria seria.

— Câmera?

— Da pegadinha Joca!

— Sabrina eu...

— Não, você não pode estar falando sério — ela disse em um tom ameaçador.

— Sabrina.

— Cadê a porra da câmera Joca?! — ela gritou.

— Não tem câmera.

Então ela surtou, subiu em cima da cama, bateu com a mão em todas prateleiras derrubando tudo procurando uma câmera que agora eu queria que existisse. Ela derrubou tudo, bateu a mão no criado mudo, na televisão, desforrou a cama. Derrubou os enfeites da cantoneira.

— CADE A PORRA DA CÂMERA JOSÉ CARLOS LUZ?! — ela gritou destruindo tudo, bagunçando tudo.

Então se virou descabelada, com os olhos avermelhando-se de choro ou de raiva.

— Não-tem-câ-me-ra — falo prosaicamente.

Ela entortou o nariz me olhando com nojo. Inclinou a cabeça feito um bicho bravo.

— Você tá brincando não é? — em seguida ela fraquejou caindo no choro.

Do riso ao choro.

— Queria estar  — falei deixando escapar minhas lágrimas — Isso dói tanto em mim.

— Dói em você? Em você? — ela se engasgou com choro e se sentou trêmula na cama desforrada.

— Me perdoa... — sussurrei.

— Dói em você José? Por acaso alguém se descobre gay do dia para noite? Há quanto tempo? — ela perguntou

— Sabrina... — implorei para que acabassemos a conversa.

— Há quanto tempo?!!!! — ela gritou chorando.

— Faz alguns meses.

— Ahã — ela resmungou engasgada — mentiroso, você me enganou esses anos todos.

— Não, isso não é verdade.

— É sim, é sim, você estava me usando para se mascarar. Você é sujo, como você pôde ser tão baixo? Você... Você... — ela não conseguiu pronunciar mais.

E eu estava parado a olhando me sentindo sujo, como ela disse, me sentindo o pior ser humano do mundo.

— Ninguém se descobre em meses você, você me usou José...

— Não te usei Sabrina eu não te usei, eu te amei.

— Mentira! — ela gritou chorando. — Mentira, você só se amou.

E ambos nos olhamos com os olhos cheios de lágrimas de mágoas.

— Você acabou comigo. — ela disse chorando muito e soluçando

— Nosso casamento já estava indo para os ares. — tentei

— E daí você decidiu me contar o seu segredinho.

— Não Sabrina, eu também não sabia. É tudo novo para mim ok? Eu nem estava me entendendo, eu... Eu não sei...  — falei gaguejando

Me abaixei me sentando no chão. Ela nem me olhava.
Apenas choravamos, houve um silêncio por um tempo.

— Por que?! — ela sussurrou.

— Eu não tive culpa, você foi minha primeira em tudo, eu não sabia quem eu era longe de você.

Qualquer palavras que eu falava saia um misto gago e choroso

— Agora a culpa é minha? — ela deu um riso sarcástico em meio às lágrimas — Você é muito baixo mesmo.

— Sabrina não estou dizendo isso — falei recuperando o fôlego das lágrimas — Eu só não sabia daí busquei uma ajuda e Andrey ele...

Falei todo atrapalhado. Notei que acabei falando de mais.
Então ela ergueu o rosto. E sua face me assustou, a lágrima de seus olhos secou, e ela me encarou como um monstro, friamente, sem esboçar uma reação, sem soluçar.
Ela ficou em um silêncio.
E sem questionar ela sacou o que estava acontecendo.

— Você e meu melhor amigo...

— Não a gente... Não aconteceu.

— Vai mentir para mim na cara dura?! — ela tossiu um riso nervoso e se lançou de costas na cama com a mão na cabeça — É claro, por que eu não percebi antes...

Ela riu eu estava tão assustado. Um misto de riso de nervoso e lágrimas.

— Traíra — ela sussurrou.

— Sabrina não...

— SAI!!!!!!! — ela gritou — Sai daqui!

Ela gritou tão alto e com tanta força que parecia ter vindo da alma, em seguida gritou "sai" de novo se engasgando com o choro e se embolando no lençol agarrando o travesseiro.

— Vai embora, VAI EMBORA, SAAAI! — ela gritou dolorosamente. — Não quero te ver nunca mais. Nunca mais. Nunca mais — ela repetiu a palavra "nunca mais" abaixando o tom em um choro

Me levantei pegando minha camisa do chão e saindo aos choro. E ela chorava gritando e gemendo como se estivesse ferida, e estava.
Me retirei do quarto dando uma pausa parado na porta.
Sequei a lágrima do rosto.
Eu estava devastado, então assim que eu sai escutei um barulho, como o de uma moeda bater contra a porta e bater no chão do lado de dentro, o mais doloroso era saber que não era uma moeda.
Olhei para a minha aliança no dedo.

Antes que AmanheçaOnde histórias criam vida. Descubra agora