Consegui escola, não tinha carteira
Sentava no chão sujo de poeira
Não tinha merenda, a fome apertava
Eu comia lixo, eu bebia água
Minha escolinha, Mukeka di Rato
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Jornalista Amylton Dias de Almeida, situada na Praça Líbero Badaró, em Jardim Santa Amélia, era a pior escola de Pietro Tabachi, cidade do Norte Capixaba, fundada em 1893, por imigrantes italianos, onde moravam 80 mil habitantes. A sucrocultura (cultivo da cana-de-açúcar), o agroturismo, a pecuária leiteira e a cafeicultura eram as bases da economia daquela cidade.
O prédio escolar, pré-moldado, fora inaugurado em 1998, inspirado no CIEP (Centro Integrado de Educação Popular, conhecido popularmente como Brizolão), idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer (1907-2012) e implantado durante as gestões de Leonel Brizola (1922-2004) no Rio de Janeiro entre 1983 a 1987 e 1991 a 1994. Júlio Fabiano, então secretário de Obras do município, assinara pessoalmente o projeto arquitetônico da escola. Ele era fã de Niemeyer e brizolista convicto.
Quinze anos depois, a escola era morada de ratos, baratas, cupins e moscas, comensais contumazes da cozinha, onde se preparava a merenda escolar, na maioria das vezes, a única refeição de uma boa parte dos adolescentes daquela escola que viviam em situação de miséria.
As portas e janelas, corroídas pelos cupins, estavam despencando. O portão de entrada, enferrujado, ameaçava cair a qualquer momento, também como as grades das janelas. A rede elétrica estava comprometida, em virtude dos fios desencapados, provocando constantes piques de energia e liberação dos alunos mais cedo.
Faltavam professoras de Ciências, Inglês e Matemática. A primeira, Karen, estava licença-maternidade, a segunda, Nelza, pediu demissão por causa das péssimas condições da escola e a terceira, Eduarda, assinava o livro de ponto e ia embora, sem dar explicações a ninguém.
A diretora daquela escola era a professora Carmen Cruz, 50 anos, branca, olhos castanhos, cabelo acaju, obesa mórbida (pesava 125 quilos distribuídos em 1,62 m!), dentes amarelados pelo tabagismo, um bafo de onça insuportável, disfarçado por balinhas de gengibre e menta. Era autoritária e centralizadora. Não dialogava com a comunidade escolar, destilava seu mau humor pelos corredores do estabelecimento e estava preocupada apenas com o salário do fim do mês.
Ela foi nomeada pela secretária de Educação, Karine Barreira, filha do prefeito Jalmir Barreira, por indicação política de Almir Cruz, vereador do PRT (Partido Renovador Trabalhista), presidente da Câmara Municipal de Pietro Tabachi e esposo de Carmen. O edil, em contrapartida, nomeou a irmã do mandatário do Palácio das Jabuticabeiras, Cely Barreira, para ser sua chefe de gabinete.
Sigamos para a 8ª série B, onde Joanna, 28 anos, professora de História, negra, 1,78 m, corpo violão, cabelos cacheados e olhos castanhos, estava ministrando uma aula sobre os regimes totalitários:
– A primeira característica dos regimes totalitários é a eliminação de qualquer oposição política, com a instauração do partido único...
O ventilador de teto, de repente, despencou. Ninguém ficou ferido.
– Até quando a gente vai ter que conviver com isso? Será que algum professor, aluno ou funcionário vai ter que morrer pra que as autoridades tomem alguma providência? Ah, se fosse um filho ou parente deles, as coisas seriam diferentes! – gritou Joanna, batendo o apagador no quadro-negro.
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Os senhores da fome [COMPLETO]
Teen FictionNa cidade fictícia de Pietro Tabachi, situada no norte do Espírito Santo e colonizada por italianos, havia uma escola chamada Amylton Dias de Almeida que tinha graves problemas estruturais e pedagógicos. Arianne e Henrique são dois adolescentes negr...