Após ler o Correio Tabachiano no seu gabinete, Leonardo Costa, vereador do PSTB (Partido Social Trabalhista Brasileiro) negro, cabelos grisalhos, magro e estatura mediana, 52 anos, ligou para Aristomar Pedreira:
– Alô, eu gostaria de falar com Aristomar.
– É ele mesmo.
– É o vereador Leonardo Costa falando. Sou presidente da Comissão de Educação da Câmara Municipal de Pietro Tabachi.
– Em que posso servir ao senhor?
– Li a matéria de seu jornal, que falava do escândalo da merenda. Preciso de uma cópia do dossiê contra Karine Barreira.
– Pra quê?
– Pedir a cassação do mandato do prefeito por ser conivente com os desvios de verbas praticados por Karine Barreira na compra de produtos da agricultura familiar. Pretendo também representar contra os Barreira pelos mesmos crimes no Ministério Público Federal, pois a merenda escolar foi comprada com verbas federais.
– O senhor não tem noção como sonho com isso. Tomara que isso aconteça para o bem desta cidade. A prefeitura tá infestada por uma corja de sanguessugas. Eu vou pessoalmente levar ao senhor a cópia do dossiê, assim como alguns exemplares da edição com a matéria das irregularidades.
– Muito obrigado, Aristomar. Eu sabia que podia contar com a sua colaboração.
– Não há de quê, vereador. Até mais.
– Um abraço, Aristomar.
Aristomar abriu a gaveta, pegou o dossiê e os jornais, colocou-os em sua maleta, desceu as escadas e saiu pela rua, andando alguns quarteirões em direção à Câmara Municipal. Lá, se identificou e teve seu acesso autorizado ao gabinete do vereador Leonardo Costa, onde entregou em mãos o dossiê.
– Faça bom proveito dele – disse Aristomar.
– Creio que isso seja apenas a ponta do iceberg. Há muitas outras falcatruas por debaixo dos panos que haverão de vir à tona – respondeu o vereador.
O vereador Almir Cruz tirou a sorte grande. Seu aliado político, o deputado federal Geziel Rangel, foi eleito prefeito de Guarapari. Na coligação, Almir era o primeiro suplente e ele renunciaria ao mandato para tomar posse como deputado federal. No plenário, fez seu discurso de despedida:
– Senhor Presidente, Senhores Vereadores. Venho informar aos senhores que estou renunciando ao mandato de vereador, pois vou tomar posse como deputado federal. Quero, de coração, agradecer aos 2000 eleitores que depositaram em mim seus votos de confiança, me fazendo vereador mais bem votado nas últimas eleições, aos meus assessores, que tem corroborado para o bom cumprimento do mandato deste vereador e me seguirão em Brasília. Na Câmara dos Deputados, posso lutar por mais recursos federais pra nossa cidade, garantindo qualidade de vida aos munícipes. Muito obrigado.
Com a renúncia de Almir Cruz, assumiu a presidência da Câmara, o vereador Hugo Peçanha, do PPN (Partido Popular Nacional), partido outrora da base e do vice-prefeito, que rompeu com Jalmir e renunciou ao mandato, tornando-se oposição à atual administração e para ocupar a vaga de Almir, entrou o primeiro suplente, Breno Garcia, do PSO (Partido Socialista Operário), que também fazia parte do bloco de oposição.
Leonardo Costa formalizou o pedido de cassação de Jalmir Barreira junto à Mesa Diretora da Câmara. No dia seguinte, ele foi à Procuradoria Regional da República, em Linhares, onde protocolizou a denúncia contra o prefeito.
Em nome da Comissão de Educação da Câmara de Pietro Tabachi, Leonardo Costa foi ao Amylton fiscalizar as condições de preparo da merenda escolar. Ao entrar na escola e se identificar como fiscalizador dos atos do Poder Executivo, teve de Soraya a seguinte resposta:
– O senhor tem mandado judicial pra fiscalizar?
– Não.
– Vereador, infelizmente não posso deixar o senhor entrar nas instalações da escola.
– Quem te deu ordem para embaraçar o meu trabalho de fiscalização?
– Não tenho que dar explicações de minhas decisões. Eu sou a autoridade máxima nesta escola.
– Quem não deve não teme. Está com medo?
– Peço que o senhor se retire da escola.
– Eu não vou me retirar.
– Se o senhor não sair da escola, vou chamar a Guarda Municipal pra tirar o senhor à força.
– Você não faria isso.
Soraya entrou na secretaria e ligou para a Guarda Municipal. O edil não arredou o pé.
– Vereador, qual foi a parte do retire-se que o senhor não entendeu? – perguntou Soraya, com o telefone sem fio em sua mão.
– Eu não tô fazendo nada de errado, ao representar a voz daqueles que me concederam um mandato eletivo – respondeu Leonardo Costa.
– Isso pra mim é demagogia e politicagem – ironizou Soraya.
– Eu não sou capacho do Jalmir e da Karine – respondeu Leonardo Costa.
– Chega! O senhor vai sair daqui agora! – gritou Soraya, empurrando o vereador para o portão.
Todos os dias, Maria Inês montava sua barraquinha em frente ao Amylton, onde vendia salgados e sucos para os alunos. Ela era irmã do vereador Leonardo Costa e madrinha de Hudson na crisma. Soraya se aproximou de Maria Inês e disse:
– Maria Inês, a partir de hoje, por determinação da prefeitura, fica terminantemente proibido vender produtos na porta da escola.
– Por que isso tá acontecendo? A gente tá aqui há dez anos e nunca tivemos problemas. Cadê a portaria que determina a proibição? - perguntou Jean, filho de Maria Inês.
– Saiam daqui, seus ambulantes analfabetos! – gritou Soraya, derrubando a barraquinha.
Soraya quis se vingar do vereador Leonardo Costa, atingindo sua irmã, que nada tinha a ver com os desentendimentos do edil com a capacho da família Barreira.
No plenário da Câmara, o vereador falou o que pensava:
– Senhor presidente, senhores vereadores. A todos presentes nas galerias desta casa de leis e aqueles que ouvem esta sessão na Rádio Laranjal FM. Fui desrespeitado pela diretora da Escola Amylton de Almeida, que atende por Soraya Menezes, no momento que fui fiscalizar as condições em que a merenda escolar é preparada. A partir do momento que me identifiquei como vereador, a tal dirigente barrou meu acesso à escola, por eu não ter mandado judicial. Onde já se viu um vereador precisar de mandado pra entrar num órgão público? Perguntei a ela de onde partiu a ordem pra me barrar. De forma grosseira, Soraya falou que não me devia explicações. Tivemos uma acalorada discussão, onde aquela inconsequente, pasmem, excelências, ameaçou chamar a Guarda Municipal pra me tirar do prédio escolar. Fui escorraçado pela Soraya do Amylton, não podendo cumprir meu papel.
– O que a diretora fez com vossa excelência é inadmissível, uma barbárie – disse a vereadora Yasmin Vilhena, do PSR (Partido Socialismo e Revolução).
– Ela estava errada e vossa excelência estava com a razão. Porque não lhe deu voz de prisão? – perguntou o vereador Hugo Peçanha.
– Para evitar mais dissabores e isso ser explorado pela família Barreira como abuso de autoridade contra uma "pobre" diretora – respondeu Leonardo Costa – Quero aproveitar a oportunidade pra informar que neste final de semana, vou promover um almoço em minha casa, no qual vou receber a imprensa, sociedade civil, vereadores independentes e todos aqueles que querem o bem de Pietro Tabachi.
– Pode contar com minha presença, vereador – respondeu o vereador Hugo Peçanha.
– Farei o possível para prestigiar vossa excelência – falou a vereadora Yasmin Vilhena.
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Os senhores da fome [COMPLETO]
Teen FictionNa cidade fictícia de Pietro Tabachi, situada no norte do Espírito Santo e colonizada por italianos, havia uma escola chamada Amylton Dias de Almeida que tinha graves problemas estruturais e pedagógicos. Arianne e Henrique são dois adolescentes negr...