Pietro Tabachi estava em festa, mas os professores, com atraso nos salários e passando necessidades, fretaram três ônibus para Vitória, ocupando as galerias da Assembleia Legislativa, com faixas clamando por socorro aos nobres deputados.
O deputado Fábio Brito, horas antes, recebeu as lideranças do SINPROPT em seu gabinete, recebendo sua pauta de reivindicações. No pequeno expediente, ele se pronunciou no plenário:
– Senhor presidente, senhores deputados. É com muita tristeza que venho a esta tribuna pra denunciar um fato escabroso que tá ocorrendo em Pietro Tabachi. Há pouco, eu recebi as lideranças do SINPROPT em meu gabinete, denunciando o atraso dos salários do magistério por três meses consecutivos. Enquanto o prefeito Jalmir Barrreira gasta uma fortuna na construção de um parque de exposições e paga um show absurdamente caro da dupla Ana Flávia e Gabriel, os professores têm passado fome, tendo que recorrer a parentes, amigos e às igrejas pra garantir os víveres. Muitos deles tiveram seus nomes negativados, porque pegaram empréstimo consignado e a prefeitura não repassou as parcelas aos bancos. Outros mais estão ameaçados de despejo ou foram despejados de suas casas, pela falta de pagamento do aluguel ou do financiamento da casa própria. Quero saudar os professores aqui presentes nas galerias desta casa que vieram buscando socorro para receber seus proventos.
– Deputado, Pietro Tabachi recebeu R$ 3,5 milhões do Fundeb, de janeiro até o mês corrente. Do montante, 60% deve ser usado pra pagar os professores. Esses dados, eu tirei há pouco do site Transparência Brasil – observou a deputada Ivonete Moraes, do PSOB, presidente da Comissão de Educação.
– Obrigado pela informação de vossa excelência, deputada. Contudo, este dinheiro não tem chegado aos bolsos dos professores. Há fortes indícios de que não só o Fundeb, como o PNAE, o PDDE e o PNATE têm sido desviados pros bolsos de Karine Barreira, a secretária de Educação daquela cidade, através de licitações fraudulentas e outros métodos espúrios que só em falá-los, sinto ânsia de vômito.
– As acusações de vossa excelência são muito graves. É preciso ter provas concretas e não expor meras ilações – advertiu o deputado Paulo Binda, do PRT.
– Se fossem ilações, eu jamais usaria o pequeno expediente pra denunciar a roubalheira da família Metralha, perdão, da família Barreira – irritou-se Fábio Brito.
– Quais são estas provas? - perguntou Ivonete Morais, bastante curiosa.
– Comecemos pela exposição constante de sinais exteriores de riqueza por parte de Karine, como a compra de um Volvo XC 60, avaliado em 233 mil reais, no qual desfila pela cidade pra cima e pra baixo. Em seguida, as constantes viagens a São Paulo, frequentando à Rua Oscar Freire, endereço das grifes mais desejadas do mundo, como Versace, Giorgio Armani, Louis Vuitton e Tommy Hilfiger, e lá torra os recursos do erário em bolsas, vestidos e sapatos. Seu closet mataria Imelda Marcos, a finada ex-primeira-dama das Filipinas de inveja. Karine ganha R$ 7 mil como secretária. Ela não teria dinheiro pra comprar essas coisas.
– Deputado, olha o que vossa excelência tá falando – voltou a advertir Paulo Binda.
– Vossa excelência acha que eu sou menino? - gritou Fábio Brito, apontando o dedo para Paulo Binda – Há farta documentação e testemunhas que evidenciam a dilapidação do erário pietrotabachiano pela quadrilha Barreira.
Emocionado, Fabio Brito tirou os óculos e finalizou seu discurso:
- Pelos fatos que expus, agora mesmo, eu e as lideranças do SINPROPT iremos ao Ministério Público, onde já temos uma audiência marcada com o procurador-geral de Justiça para que este tome as devidas providências. Não posso mais tolerar tanto desmando na minha terra querida, onde os professores não recebem seus salários em dia e as crianças recebem merenda de baixa qualidade. Muito obrigado.
Karine Barreira, após assistir a sessão ordinária da Assembleia Legislativa na TV Educativa, ordenou a abertura de processo administrativo contra os professores da rede municipal pela não participação do desfile cívico alusivo aos 120 anos de emancipação da cidade e pelo não cumprimento do decreto que proibia os professores de fazerem manifestações em relação ao atraso de salários, o que em sua obtusa visão, gerava críticas negativas à cidade, ao prefeito e à secretária de Educação.
– Vou botar esses professores nos seus devidos lugares. Os professores passaram da conta ao expor a mim e ao meu pai na Assembleia. Eles vão saber que quem manda aqui sou eu – gritou Karine, esmurrando sua mesa.
A comissão formada era ilegítima, porque seus membros, alinhados com a atual gestão, não eram do quadro efetivo e tinham um nível de formação abaixo dos professores. Em suma, eles seriam ouvidos por servidores sem conhecimento de causa, podendo deliberar pela demissão porque o requerimento de Karine já determinava tal sanção.
A rata de esgoto pretendia ainda acionar juridicamente Fábio Brito por conta de suas declarações contra ela e seu pai no plenário da Assembleia e pediria sua cassação do seu mandato por quebra de decoro.
Fábio Brito e os sindicalistas foram ao Ministério Público, onde foram recebidos por Tibério Augusto, procurador-geral de Justiça e expuseram o atraso de salários do magistério. Sensibilizado com o relato, recebeu os documentos dos representantes do SINPROPT, pediu que um estagiário escaneasse os mesmos, mandou um e-mail para o promotor da cidade, determinando que este entrasse na Vara de Pietro Tabachi com um pedido de bloqueio das contas do município, para garantir os proventos dos professores.
O Ministério Público Estadual entrou com ação cível pública com pedido de tutela antecipada, determinando o afastamento imediato do prefeito e da secretária de Educação, além do bloqueio total das contas do município, para garantir o pagamento dos professores e impedimento da aproximação de pai e filha de entrarem no paço municipal.
Além disso, o parquet estadual pediu na peça que fosse enviado ofício aos gerentes do Banestes e do Banco do Brasil para bloquearem as contas e fosse notificado o chefe do departamento de pessoal da Prefeitura de Pietro Tabachi para enviar as folhas de pagamento em aberto.
A seu turno, o Ministério Público Federal impetrou, na Vara Federal de Linhares, uma ação cível pública por improbidade administrativa contra Jalmir e Karine Barreira, requerendo a indisponibilidade dos bens destes últimos e a quebra dos sigilos fiscal e bancário de pai e filha, baseada na denúncia do vereador Leonardo Costa.
O juiz Laércio do Couto Reis Filho, da Vara Federal de Linhares, acolheu a denúncia do Ministério Público Federal contra Jalmir e Karine Barreira, tornando-os réus na ação de improbidade administrativa, tornando indisponíveis os bens destes. Na justiça estadual, eles sofreram outro revés: a juíza da comarca de Pietro Tabachi, Adriana Lodi Santana, determinou o afastamento do prefeito e da secretária de Educação de seus cargos e o bloqueio total das contas do município. Hugo Peçanha assumiu interinamente a prefeitura.
Com os salários acertados, os professores, em assembleia, deliberaram pela volta às aulas.
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Os senhores da fome [COMPLETO]
Teen FictionNa cidade fictícia de Pietro Tabachi, situada no norte do Espírito Santo e colonizada por italianos, havia uma escola chamada Amylton Dias de Almeida que tinha graves problemas estruturais e pedagógicos. Arianne e Henrique são dois adolescentes negr...