14 | Os atos de censura

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 Na tarde do dia seguinte, José Alcides foi à Laranjal FM, uma rádio comunitária, e concedeu uma entre­vista para Weberton Nunes, apresentador do programa Pon­to de Vista. Ele anunciou:

– Hoje, recebemos em nossos estúdios o pastor José Alcides, da Assembleia de Deus – Mi­nistério Dracma Perdida. Boa tarde, pastor.

– Boa tarde, ouvintes da Rádio Laranjal FM. Obrigado pela oportunidade. Que o Senhor os abençoe rica e abundantemente.

– Pastor, há muito que o senhor tem reclamado que está so­frendo retaliações do prefeito Jalmir Barreira.

– Eu apoiei a eleição de Jalmir Barreira, assim como a maioria dos pastores evangélicos da cidade, em virtude de seu perfil con­servador, que respeita os cristãos e seus valores. Nada contra o Fábio Brito, candidato que perdeu as eleições, mas o partido dele tem bandeiras que vão de encontro ao que cremos, como o casa­mento homoafetivo, a legalização das drogas e do aborto. Hoje, me arrependo amargamente, assim como os meus companheiros que estão na lida da propagação do evangelho de Cristo. O prefei­to mandou um fiscal de posturas embargar as obras do templo sede da igreja que o Senhor me confiou para pastorear. Ele apon­tou irregularidades inexistentes e multou a igreja em R$ 12.500,00.

– O que motivaram essas retaliações?

– Meu filho e seus colegas de escola montaram um blog pra denunciar as mazelas da Esco­la Amylton Dias de Almeida, onde eles estudam. Ao mostrar as falhas, a gestão de Al­mir Bar­reira fica queimada e por isso, o prefeito usa a lei pra nos intimidar. Dias atrás, fui à escola, onde tive uma reunião com a diretora So­raya, acompanhado dos pais dos colegas do Henri­que. Ela deixou muito claro que transferiria nossos filhos de escola, caso o blog Amyltão Es­cancarado não fosse encerrado.

– Isso é um absurdo.

– Ontem, o professor Miguel Menezes, de Língua Portuguesa, que também é assessor de imprensa comissionado na prefeitura e esposo da Soraya, a atual diretora do Amylton, usou a aula pra mandar indiretas pros editores do Amyltão Es­cancarado, um deles é o meu filho Henrique. Ele e a Hellen saíram da sala, porque não suportaram os impropérios contra a fé deles. Ademais, descul­pem os senhores e senhoras ouvintes pelas chulas expressões que vou usar, mas aquele cão vira-lata borra-botas da família Barreira chamou o Henrique de tiziu e orangotango. Pela lei, isso é racis­mo, crime inafiançável e imprescritível, de acordo com a nossa Constituição. Como se isso ainda não bastasse, ele insultou a Ari­anne com termos racistas, a assediou sexualmente na frente dos demais alunos com um termo que de tão torpe e nojento, não te­nho coragem de falar. Esse professor tem que ser demitido da prefeitura, ser processado e punido na forma da lei.

– As represálias não param por aí. Uma obreira de nossa igre­ja, a cantora e missionária Es­ter Soares, foi impedida de fazer evangelismo pelas praças da cidade, tendo sua aparelhagem de som apreendida pelo fiscal de posturas, alegando que os próprios da municipalidade não podem ser usados pra fazer proselitismo religioso.

– Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a letra fria da lei. Esse é o modus operandi de Jalmir Barreira. Um homem truculento e au­toritário, que não aceita ser criticado e persegue implacavelmen­te seus opositores. O coronelismo ainda impera em Pietro Tabachi.

Jalmir Barreira ouviu a entrevista pelo rádio. O alcaide ficou furioso e invadiu os estúdios da rádio comunitária. Ele quis que os microfones da rádio fossem abertos à força para se de­fender das acusações. Do contrário, processaria os diretores da rádio e faria de tudo para fe­chá-la. O prefeito assim falou aos ouvintes:

– Meus queridos cidadãos pietrotabachianos. Tudo que se fa­lou contra mim nessa rádio dita comunitária é mentira. O diretor desta rádio é meu inimigo político e a usa pra me perse­guir. O que ele quer, na verdade, é ser prefeito de Pietro Tabachi.

Os senhores da fome [COMPLETO]Where stories live. Discover now