Na segunda-feira, Soraya entrou na aula e entregou bilhetes para Hudson, Hellen, Henrique e Arianne, convocando seus pais para uma reunião no dia seguinte. Eles só entrariam se estivessem acompanhados.
No recreio, Hellen foi obrigada a ouvir gracinhas das merendeiras.
– Lá vem a fotografa! – disse uma merendeira.
– Ruivinha dedo-dura – falou outra.
Joanna e Anderson foram colocados à disposição da secretaria de Educação, que os removeu para uma escola no distrito de Patriarca Abraão, na zona rural. Eles eram desafetos de Soraya, que aproveitou o momento para se vingar destes.
Anderson foi substituído por Miguel, branco, louro, 1,86 m, 25 anos. Ele era esposo de Soraya. Além de professor da rede municipal, Miguel, formado em Jornalismo pela UFES, era editor-chefe do quinzenário A Voz de Pietro Tabachi, um jornaleco servil à gestão de Jalmir Barreira. No primeiro dia de aula, disparou indiretas contra os editores do Amyltão Escancarado:
– A gente tem que tomar muito cuidado com o que coloca na internet, pois corre o risco de ter dissabores. Não acho ético expor os problemas da escola num blog. O que acontece aqui, fica aqui. Essa exposição queima o nome da escola, os estudantes, professores e funcionários. Imagina se eu expusesse os problemas da minha casa em meu blog? Eu aprendi com os mais velhos que roupa suja, a gente lava em casa. Ou seja, os assuntos internos da escola devem ser tratados na escola.
"Qual é a desse cara? Ele preparou essa aula pra nos humilhar. Se ele falar mais uma gracinha, eu vou pegar o meu estojo e arremessar na cara dele", pensou Arianne.
– Eu odeio esse Miguel! Quem ele pensa que é pra falar nesse tom? – perguntou Hudson a Hellen.
– É só um professor vendido pra direção – respondeu Hellen.
Em casa, os blogueiros falaram com os responsáveis acerca do bilhete.
– Soraya não curtiu o blog e quer que você vá à escola pra conversar com ela – falou Arianne.
– É mesmo? Me dá o bilhete pra assinar. Eu vou lá dizer umas verdades pra essa diretora – respondeu Mariana.
– Um tal de Miguel, o bofe da Soraya, preparou uma aula só pra mandar indiretas contra a gente – disse Arianne.
– Cachorro! Ah, se eu encontrar com ele, vai ter comigo! Ora, se vai – indignou-se Mariana.
Hudson falou com a avó, dona Olga, 63 anos, 1,60 m, magra e cabelo pintado de acaju, professora aposentada e combativa líder sindical:
– Vovó, a diretora tá desesperada com a repercussão do blog e quer que a senhora vá à escola pra conversar com ela.
– Diretora com medinho? Ela é capacho de Karine Dell'Antonio Barreira Borges. Com todo o prazer, eu vou enfrentar essa pelega – respondeu dona Olga.
Em casa, Hellen falou com o pai sobre o bilhete da direção, lhe chamando para a reunião.
– Vou lá conversar com a diretora pra colocar essa história em pratos limpos – respondeu Denílson.
Na manhã do dia seguinte, no gabinete da diretora, com os pais, Soraya disse:
– O Amyltão Escancarado tem gerado constrangimentos à comunidade escolar, porque expõe fatos que deveriam ser tratados internamente. Tem gente que sente vergonha de dizer que estuda ou trabalha aqui. Eu, na qualidade de diretora, tenho a obrigação de zelar pelo bom nome da escola e exijo que obriguem seus filhos a encerrar as atividades desse blog ou eles serão transferidos desta escola.
YOU ARE READING
Os senhores da fome [COMPLETO]
Teen FictionNa cidade fictícia de Pietro Tabachi, situada no norte do Espírito Santo e colonizada por italianos, havia uma escola chamada Amylton Dias de Almeida que tinha graves problemas estruturais e pedagógicos. Arianne e Henrique são dois adolescentes negr...