20 | Mar de sangue

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 No início da tarde, Miguel, que fugiu do CDP de Linha­res, estava com sangue nos olhos. Queria matar todos aqueles que ele julgava serem os responsáveis pela sua ruína. Ele pulou o muro do Amylton com uma submetralhadora Uzi 9 mm, de fabricação israelense, foi ao gabinete de Soraya. Ao perceber a presença do ex-marido, a diretora tentou fechar a por­ta, mas foi inútil.

- Você vai ser a primeira a comer capim pela raiz, sua desgra­çada.

- Não me mata, por favor – implorou Soraya.

- Vai pro inferno, cadela maldita! – gritou Miguel.

Soraya foi metralhada com 14 tiros e morreu na hora. Foram cinco tiros na cabeça, sete no tórax e quatro nas costas. O velório foi estragado.

Após o crime, Miguel metralhou o cadeado do portão e fugiu. Os alunos, ao ouvirem os tiros, ficaram assustados. Um grito de horror se ouviu ao se ver o corpo ensanguentado e crivado de ba­las da finada diretora. Os alunos foram liberados mais cedo.

Miguel soube que Karine Barreira, seu próximo alvo, estava presente na entrega de três ônibus escolares à população pietro­tabaciana, fruto de uma emenda do deputado federal Almir Cruz, que estava ocorrendo na Praça da Matriz, no Centro. O evento, que teve direito a palanque, contava com a presença do prefeito Jalmir Barreira, do deputado federal autor da emenda, do verea­dor Carlito Maia, servidores comissionados puxa-sacos e curio­sos. O alcaide fez um breve pronunciamento:

– Minha gente, muito bom dia. Diuturnamente, esta adminis­tração tem se preocupado em oferecer melhores condições para o transporte dos alunos dos distritos rurais para as escolas da sede. Visando corroborar com a permanência dos alunos na escola e di­minuir a evasão escolar, recebemos do Ministério da Educação a quantia de setecentos e cinquenta mil reais, graças à emenda do nosso deputado federal Almir Cruz. Agora, nossos estudantes te­rão ônibus novinhos pro transporte escolar. Muito obrigado.

O povo aplaudiu o discurso do prefeito populista e demagogo. Flávio Campos anunciou:

– E agora, com a palavra, a excelentíssima senhora secretária de Educação, Karine Dell'Antonio Barreira Borges.

Karine iniciou seu discurso:

– Eis mais uma conquista da nossa administração, que benefi­ciará mil alunos, tanto os alunos da rede municipal, como os alu­nos da rede estadual, que agora terão à disposição uma nova frota de ônibus escolares.

Subitamente, Miguel, que estava pilotando uma Kawazaki Ninja verde que roubara minutos antes, foi em direção ao palco, pegou sua Uzi, mirou na secretária e disparou quinze tiros à queima-roupa contra ela, sendo um na cabeça, onze no tórax e três nas costas. Karine, esvaindo em sangue, foi socorrida pelo pai e seus capangas para a Santa Casa de Pietro Tabachi. Seu es­tado de saúde era considerado gravíssimo.

Miguel fugiu dali mais rápido que um raio. Todavia, Silmar, ex-policial militar e segurança pessoal de Jalmir, deu uma fecha­da na moto do professor e o executou com um tiro de escopeta ca­libre 12 na cabeça. A massa encefálica do assassino se espalhou pela rua, assim como o sangue passou a banhar a via pública. Na linguagem dos apresentadores de programas policiais com um discurso mais intempestivo, ele teve o CPF cancelado com suces­so.

Karine teve a morte cerebral confirmada pelos neurologistas da Santa Casa de Pietro Tabachi, às 11 da manhã do dia seguinte. A família Barreira autorizou a doação dos órgãos. O coração, os rins, o fígado e as córneas da primogênita de Jalmir ajudariam outras pessoas que estavam na fila de transplantes.

Após a retirada dos órgãos, o corpo de Karine foi levado para o Serviço Médico Legal de Linhares, onde também estavam os cor­pos de Soraya e Miguel para perícia, pois se tratava de uma morte violenta.

Jalmir decretou luto oficial por três dias, além de ponto facul­tativo por igual período. As bandeiras de Pietro Tabachi, do Es­pírito Santo e do Brasil foram hasteadas a meio mastro. Num ou­tro decreto, Jalmir nomeou Jalmir Júnior como secretário de Edu­cação.

O agora secretário da pasta de maior orçamento daquela pre­feitura cuidou dos procedimentos de liberação e traslado do cor­po da irmã, que seria velado na Paróquia Menino Jesus.

O corpo de Karine chegou à igreja matriz. Por opção da famí­lia, o caixão permaneceu fechado. As bandeiras da cidade e do Fluminense, time do coração da desditosa secretária cobriam o féretro. Dona Lucrécia chorava sem parar e era consolada pelos netos Bianca e Bernardo.

Os parentes das famílias Dell'Antonio e Barreira, amigos, verea­dores governistas, secretários e servidores comissionados baba-ovos vieram prestar a última homenagem à finada secretá­ria de Educação.

Aristomar foi à igreja para oferecer seus sentimentos, mas foi interceptado por Jalmir Júnior, que o agarrou pelo braço e disse:

– O que você tá fazendo aqui? Veio cobrir o velório?

– Não, Júnior. Vim como cidadão pra oferecer meus sentimen­tos a seu pai.

- Mentira! No fundo, você deve tá pulando de alegria pela mor­te da minha irma. Exijo que respeite nossa dor e caia fora daqui.

- A igreja é pública e não sua propriedade particular.

- Fora daqui, seu abutre – gritou Jalmir Júnior, fazendo sinal para que os capangas de seu pai retirassem Aristomar do templo católico.

Às 13:00, o corpo de Karine seguiu para o Cemitério Municipal e foi sepultado às 14:00.

Na capela do Cemitério Municipal, o corpo de Soraya era vela­do. Nem os alunos, tampouco os professores do Amylton compa­receram para oferecer as condolências aos pais da falecida direto­ra, seu Leonel e dona Úrsula. Rita foi a única funcionária da esco­la a levar uma palavra de consolo àqueles pais que perderam sua única filha. Às 16:00, o corpo foi sepultado.

O corpo de Miguel, tão logo foi liberado, seguiu para sepulta­mento em Vila Pavão, sua cidade natal. A família não fez velório, mas houve um culto fúnebre na Igreja Luterana da cidade.

Do lado de fora da igreja, enquanto fumava seu Hollywood, Jalmir Júnior ligou para o coordenador do DAFICE (Departamen­to de Acompanhamento e Fiscalização dos Caixas Escolares) da SEMED:

- Alô, Juarez. Quem tá falando é o Júnior.

- Boa tarde, Júnior. Meus sentimentos pela morte da sua irmã.

- Obrigado, meu caro. Preciso de um favor seu: que ateie fogo em todas as prestações de contas das verbas federais.

- Tá ficando maluco, cara? Vai dar um BO dos infernos.

- Fique tranquilo. É só simular um atentado provocado por militantes do PSOB, do PSR e do PLUB. Arrume uns noias que to­pem tudo por dinheiro, dê pra eles a camisa desses partidos, po­nha na mão deles o álcool e o isqueiro, abra os armários onde es­tão as caixas de arquivo onde estão as prestações de contas das escolas e creches da rede e taque fogo. Simples assim. Vai parecer um ato de vandalismo promovido pela esquerda.

- Por que você quer pôr fogo nisso?

- A qualquer momento, o Tribunal de Contas da União ou o Ministério Público Federal pode querer auditar tais prestações de contas e você sabe que a Karine tinha vários cambalachos no uso das verbas federais, principalmente no programa de compra de produtos da agricultura familiar. O esquema continua, mas o re­passe da grana vai ser pra mim e pro meu pai.

- Ah, tá. Entendi.

- Outra coisa, Juarez. Remova os discos rígidos dos computa­dores do setor e destrua eles. É preciso apagar todas as evidências que possam incriminar a gente.

- Certo, Júnior.

- Valeu, irmão. Um abraço.

- Até mais, Júnior.

A conversa fora interceptada pela Polícia Federal, com autori­zação da Justiça Federal. A casa vai cair.

Os senhores da fome [COMPLETO]Where stories live. Discover now