7 | Plantio e colheita

2 0 0
                                    

Na tarde de terça, Arianne e Hellen, ainda abaladas pela morte de Gerusa, fo­ram almoçar na Churrascaria Pelo­tense, no Centro de Pietro Tabachi, acompanhadas de Maria­na. O garçom servia porções generosas de picanha, linguiça de frango e queijo coalho.

– Hellen, a Gerusa vai ficar pra sempre em nossos cora­ções. Um dia, quando chegar ao céu, hei de reencontrá-la – disse Ari­anne.

– Achei que isso era só um pesadelo e que podia acordar, mas ao ver o caixão da Gerusa, voltei à realidade – respondeu Hellen, chorando – Não desejo o mal a ninguém, mas um dia, a Carmen vai pagar por tudo que fez nessa vida.

– Mãe, eu e meus amigos decidimos criar um blog pra denun­ciar as péssimas condições da escola. Dá uma olhada nas fotos do banheiro das meninas – disse Arianne, mostrando as fotos no seu tablet Samsung Galaxy Tab.

– Ai, que horror! Até as pocilgas da COOPIETRO, onde se cri­am os porcos, são mais lim­pas e organizadas que esse ba­nheiro. Tem mesmo que denunciar – respondeu Mariana, com cara de nojo.

Carmen chegou à churrascaria para comprar uma quenti­nha com churrasco e rapidamente, saiu de lá como de costu­me: de cara amarrada. Ela caminhou alguns minutos e che­gou à esco­la.

Ao entrar em sua sala, viu Soraya sentada em sua cadeira.

– O que você tá fazendo em minha sala? – perguntou Car­men, sem entender o que havia acontecido.

– A partir de hoje, você não é mais a diretora do Amylton. Ka­rine me nomeou como diri­gente do estabelecimento. Ou seja, você foi exonerada. Tá no Diário Oficial de hoje – res­pondeu So­raya.

– Mas por que ela fez isso comigo? – perguntou Carmen, com os olhos cheios de lágrimas.

– Pelo desastre de sua gestão – disse Soraya – Se você me der licença, tenho que despachar esses ofícios. Passar bem e boa tar­de, querida.

Às 3 da tarde, Carmen foi para o Bar da Tia Lena, decidida a fi­car sob o efeito entorpecente do álcool. Lá, havia um gru­po de se­nhores e bebendo cerveja e comendo uma porção de linguiça ca­labresa acebolada em uma mesa e numa outra, al­guns idosos es­tavam jogando dominó.

A parede tinha vários pôsteres do Vasco da Gama e estava de­corada com várias garrafas de vinho, catuaba, cachaça, licor, cer­veja e jurubeba. Quase todas com aspecto de estragadas e empo­eiradas. Ha­via uma jukebox, onde os fregueses punham notas de R$ 2,00 para escutarem música.

Seu Severiano, 65 anos, negro, estatura mediana, colo­cou uma nota de R$ 2,00 e escolheu Fio Maravilha, de Jorge Benjor e Arras­tão, de Elis Regina.

– Bons tempos que não voltam mais. Sou do tempo que cantor tinha que ter vozeirão, sem essa de ser mais ou me­nos. Era oito ou oitenta – observou seu Severiano, com ar de saudosismo.

A ex-diretora começou a falar o que pensava:

- Karine Barreira é uma cadela que me enxotou da direção do Amylton.

Embriagada, Carmen foi à Prefeitura de Pietro Tabachi, inva­dindo o gabinete de Karine e gri­tando:

– Karine, eu exijo que você me reconduza ao cargo de di­retora do Amylton.

– Quem é você pra exigir? Na SEMED, sou eu quem dá a últi­ma palavra, minha querida. Nomear e exonerar diretores é um direito que me assiste como secretária. Você só fez ca­gada à fren­te do Amylton. Olha pra você, que tá bêbada e cheirando a álcool. Eu tenho um nome a zelar – falou Karine, apontando o dedo para Car­men.

– Se você não me reconduzir ao cargo de diretora, vou contar o que sei pro editor do Cor­reio Tabachiano, sobre as suas roubalhei­ras na merenda escolar, amea­çou Carmen, apontando o dedo em riste a Karine.

– Os jornais, sites e blogs de Pietro Tabachi comem na palma da mão da prefeitura. Se pu­blicarem notícias que me desagra­dem, papai corta a verba deles. Eles são bestas de perder a boqui­nha? Tem mais uma coisinha: se eu cair, te ar­rasto junto, porque você é cúmplice no es­quema – advertiu Karine.

– Olha, Karine. Ou me reconduz ao cargo de diretora. Do con­trário, eu vou ao Correio Ta­bachiano e de­nuncio seus po­dres.

– Tá fora de questão, queridinha. Vê se toma cuidado com sua língua, pois uma hora des­sas, você conhecerá a geologia dos cam­pos santos, num belo paletó de madeira – ameaçou Karine.

- Isso é uma ameaça? – perguntou Carmen.

- É uma promessa – assegurou Karine.

– Pro seu próprio bem, pensa bem no que tô falando. Eu tenho um dossiê, que mostra todas as falcatruas e propi­nas nas licita­ções na compra de merenda escolar. Quem avisa, amiga é – amea­çou Carmen.

Carmen saiu do gabinete. Karine ficou desesperada.

Às sete da noite, Carmen foi ao salão de beleza fazer unha. Um homem encapuzado sacou sua pistola, atirou três vezes no tórax da ex-diretora e fugiu numa moto. A rua ficou cheia de curiosos. O SAMU chegou e resgatou Carmen e le­varam-na para a Santa Casa. Porém, a dire­tora não re­sistiu aos ferimentos e morreu ao receber os primeiros cuidados no hospital.

As aulas no Amylton foram canceladas em virtude do passa­mento da ex-diretora. O corpo da desditosa mulher foi ve­lado em sua casa. Almir Cruz enco­mendou na Funerária Manancial o cai­xão mais lindo que havia para pôr o corpo da finada es­posa.

As equipes de reportagem das rádios, jornais, televisões e por­tais da região estavam ali fa­zendo a cobertura do velório. Almir aproveitou a presença dos jornalistas e disse:

-Hoje não sou mais feliz. Meu peito sangra, um pedaço de mim se foi. Vai ser difícil superar a perda do meu único e grande amor. Mulher como a Carmen não haverá nesse mundo.

Mesmo não simpatizando com Carmen, por um ato de fé cris­tã, Hudson e Hellen foram ao velório prestar solidarieda­de ao agora viúvo edil.

– Meus sentimentos, senhor vereador – disse Hudson, abra­çando Almir.

– Obrigado, meu filho – respondeu Almir.

– Eu vou orar ao Senhor para que Ele conforte seu cora­ção, se­nhor vereador – disse Hellen, dando um abraço no ve­reador e com um olhar de ternura.

– Obrigado, minha filha – respondeu Almir.

Os senhores da fome [COMPLETO]Where stories live. Discover now