Na tarde de terça, Arianne e Hellen, ainda abaladas pela morte de Gerusa, foram almoçar na Churrascaria Pelotense, no Centro de Pietro Tabachi, acompanhadas de Mariana. O garçom servia porções generosas de picanha, linguiça de frango e queijo coalho.
– Hellen, a Gerusa vai ficar pra sempre em nossos corações. Um dia, quando chegar ao céu, hei de reencontrá-la – disse Arianne.
– Achei que isso era só um pesadelo e que podia acordar, mas ao ver o caixão da Gerusa, voltei à realidade – respondeu Hellen, chorando – Não desejo o mal a ninguém, mas um dia, a Carmen vai pagar por tudo que fez nessa vida.
– Mãe, eu e meus amigos decidimos criar um blog pra denunciar as péssimas condições da escola. Dá uma olhada nas fotos do banheiro das meninas – disse Arianne, mostrando as fotos no seu tablet Samsung Galaxy Tab.
– Ai, que horror! Até as pocilgas da COOPIETRO, onde se criam os porcos, são mais limpas e organizadas que esse banheiro. Tem mesmo que denunciar – respondeu Mariana, com cara de nojo.
Carmen chegou à churrascaria para comprar uma quentinha com churrasco e rapidamente, saiu de lá como de costume: de cara amarrada. Ela caminhou alguns minutos e chegou à escola.
Ao entrar em sua sala, viu Soraya sentada em sua cadeira.
– O que você tá fazendo em minha sala? – perguntou Carmen, sem entender o que havia acontecido.
– A partir de hoje, você não é mais a diretora do Amylton. Karine me nomeou como dirigente do estabelecimento. Ou seja, você foi exonerada. Tá no Diário Oficial de hoje – respondeu Soraya.
– Mas por que ela fez isso comigo? – perguntou Carmen, com os olhos cheios de lágrimas.
– Pelo desastre de sua gestão – disse Soraya – Se você me der licença, tenho que despachar esses ofícios. Passar bem e boa tarde, querida.
Às 3 da tarde, Carmen foi para o Bar da Tia Lena, decidida a ficar sob o efeito entorpecente do álcool. Lá, havia um grupo de senhores e bebendo cerveja e comendo uma porção de linguiça calabresa acebolada em uma mesa e numa outra, alguns idosos estavam jogando dominó.
A parede tinha vários pôsteres do Vasco da Gama e estava decorada com várias garrafas de vinho, catuaba, cachaça, licor, cerveja e jurubeba. Quase todas com aspecto de estragadas e empoeiradas. Havia uma jukebox, onde os fregueses punham notas de R$ 2,00 para escutarem música.
Seu Severiano, 65 anos, negro, estatura mediana, colocou uma nota de R$ 2,00 e escolheu Fio Maravilha, de Jorge Benjor e Arrastão, de Elis Regina.
– Bons tempos que não voltam mais. Sou do tempo que cantor tinha que ter vozeirão, sem essa de ser mais ou menos. Era oito ou oitenta – observou seu Severiano, com ar de saudosismo.
A ex-diretora começou a falar o que pensava:
- Karine Barreira é uma cadela que me enxotou da direção do Amylton.
Embriagada, Carmen foi à Prefeitura de Pietro Tabachi, invadindo o gabinete de Karine e gritando:
– Karine, eu exijo que você me reconduza ao cargo de diretora do Amylton.
– Quem é você pra exigir? Na SEMED, sou eu quem dá a última palavra, minha querida. Nomear e exonerar diretores é um direito que me assiste como secretária. Você só fez cagada à frente do Amylton. Olha pra você, que tá bêbada e cheirando a álcool. Eu tenho um nome a zelar – falou Karine, apontando o dedo para Carmen.
– Se você não me reconduzir ao cargo de diretora, vou contar o que sei pro editor do Correio Tabachiano, sobre as suas roubalheiras na merenda escolar, ameaçou Carmen, apontando o dedo em riste a Karine.
– Os jornais, sites e blogs de Pietro Tabachi comem na palma da mão da prefeitura. Se publicarem notícias que me desagradem, papai corta a verba deles. Eles são bestas de perder a boquinha? Tem mais uma coisinha: se eu cair, te arrasto junto, porque você é cúmplice no esquema – advertiu Karine.
– Olha, Karine. Ou me reconduz ao cargo de diretora. Do contrário, eu vou ao Correio Tabachiano e denuncio seus podres.
– Tá fora de questão, queridinha. Vê se toma cuidado com sua língua, pois uma hora dessas, você conhecerá a geologia dos campos santos, num belo paletó de madeira – ameaçou Karine.
- Isso é uma ameaça? – perguntou Carmen.
- É uma promessa – assegurou Karine.
– Pro seu próprio bem, pensa bem no que tô falando. Eu tenho um dossiê, que mostra todas as falcatruas e propinas nas licitações na compra de merenda escolar. Quem avisa, amiga é – ameaçou Carmen.
Carmen saiu do gabinete. Karine ficou desesperada.
Às sete da noite, Carmen foi ao salão de beleza fazer unha. Um homem encapuzado sacou sua pistola, atirou três vezes no tórax da ex-diretora e fugiu numa moto. A rua ficou cheia de curiosos. O SAMU chegou e resgatou Carmen e levaram-na para a Santa Casa. Porém, a diretora não resistiu aos ferimentos e morreu ao receber os primeiros cuidados no hospital.
As aulas no Amylton foram canceladas em virtude do passamento da ex-diretora. O corpo da desditosa mulher foi velado em sua casa. Almir Cruz encomendou na Funerária Manancial o caixão mais lindo que havia para pôr o corpo da finada esposa.
As equipes de reportagem das rádios, jornais, televisões e portais da região estavam ali fazendo a cobertura do velório. Almir aproveitou a presença dos jornalistas e disse:
-Hoje não sou mais feliz. Meu peito sangra, um pedaço de mim se foi. Vai ser difícil superar a perda do meu único e grande amor. Mulher como a Carmen não haverá nesse mundo.
Mesmo não simpatizando com Carmen, por um ato de fé cristã, Hudson e Hellen foram ao velório prestar solidariedade ao agora viúvo edil.
– Meus sentimentos, senhor vereador – disse Hudson, abraçando Almir.
– Obrigado, meu filho – respondeu Almir.
– Eu vou orar ao Senhor para que Ele conforte seu coração, senhor vereador – disse Hellen, dando um abraço no vereador e com um olhar de ternura.
– Obrigado, minha filha – respondeu Almir.
YOU ARE READING
Os senhores da fome [COMPLETO]
Teen FictionNa cidade fictícia de Pietro Tabachi, situada no norte do Espírito Santo e colonizada por italianos, havia uma escola chamada Amylton Dias de Almeida que tinha graves problemas estruturais e pedagógicos. Arianne e Henrique são dois adolescentes negr...