Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Apesar de Você, Chico Buarque
No dia seguinte, José Alcides foi à escola para conversar com Carmen, a diretora. Na porta, também estava Denílson, o pai de Hellen, 36 anos, moreno claro, 1,70 m, olhos e cabelos pretos. Carmen chegou logo em seguida, fumando seu Carlton e soltando fumaça como uma caipora.
– Bom dia, dona Carmen – disse José Alcides – Preciso conversar com a senhora. É um assunto gravíssimo.
– Só atendo com horário previamente marcado – respondeu Carmen, falando alto.
– Meu filho disse que tomou choque no interruptor do banheiro e o ventilador caiu do teto – disse José Alcides.
– É culpa desses delinquentes juvenis travestidos de estudantes que destroem o patrimônio público – respondeu Carmen, com um olhar altivo de desprezo.
– A senhora tem razão no tocante ao vandalismo dos alunos, mas falta manutenção aos bens públicos por parte da prefeitura – afirmou José Alcides.
– Minha filha me disse que a merenda dela tava cheia de bicho. Ela tá assustada e não quer mais comer nada desta escola. Disse ainda que uma ratazana roçou sua perna – asseverou Denílson.
– Sua filha é uma bonequinha de luxo, criada a leitinho com pera, toda mimadinha e afrescalhada. O senhor sabia que na China, insetos e larvas são consumidos como alimento? – ironizou Carmen.
– Dona Carmen, graças a Deus, minha filha sempre teve do bom e do melhor, porque eu e minha esposa trabalhamos duro pra que nada faltasse a ela. Cada país tem seus costumes. Fiquem os chineses com seus pratos bizarros e nós cá, com o nosso arroz com feijão cotidiano, pelo qual batalhamos com o suor do nosso trabalho. Bicho na merenda é falta de higiene no preparo da comida. Isso é caso de polícia e de saúde pública! A merenda dessa escola tá estragada. Exijo providências! – disse Denílson.
– Eu não dou à mínima pra esses moleques famintos, que só vêm à escola merendar. Se acharem que a merenda é ruim, tragam-na de casa. Simples assim – disse Carmen.
– Alto lá, dona Carmen! Meu filho não é nenhum moleque morto de fome – indignou-se José Alcides.
– Moleques famintos são seres humanos merecedores da assistência estatal. Eles são sujeitos de direitos. No meio desses moleques famintos que a senhora despreza, pode sair o médico que pode salvar sua vida – respondeu Denílson.
– Até parece que um desses pés-rapados vai conseguir terminar a escola, entrar na faculdade de Medicina, se formar e virar doutor. Que piada! – riu Carmen.
– É lamentável que a senhora pense dessa maneira – disse Denílson.
– A senhora deveria comunicar à Prefeitura a respeito dos problemas estruturais da escola –afirmou José Alcides.
– Sumam da minha frente, insolentes! Quem manda nessa escola sou eu! Ninguém tem que dizer o que faço, não faço ou deixo de fazer. Ora, onde já se viu dois pais de alunos virem aqui me dar lições de moral. Agora, se me derem licença, eu tenho mais o que fazer. Passar bem, senhores! – gritou Carmen.
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Os senhores da fome [COMPLETO]
Teen FictionNa cidade fictícia de Pietro Tabachi, situada no norte do Espírito Santo e colonizada por italianos, havia uma escola chamada Amylton Dias de Almeida que tinha graves problemas estruturais e pedagógicos. Arianne e Henrique são dois adolescentes negr...