Extraterrestre

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Renée pediu licença e se retirou visivelmente chocado para o conforto médico.  Morte cerebral... Precisava de algum tempo para digerir isso, colocar em ordem sua mente e amainar seu espírito... Não podia esmorecer, não naquela situação, acima de tudo tinha que ter fé... Isso ele tinha, uma fé inabalável no visível e no invisível... Na capacidade humana e no sobre-humano... Por isso, diversas vezes, tentaram arrastá-lo para uma ou outra religião, mas em vão, pois acreditava que existia algo acima disso tudo, uma energia de puro amor, livre de qualquer preconceito, dogma ou cerimonial. Preferia não nomeá-la para não se vincular a essa ou aquela vertente, para ele bastava sentir sua existência... De ateu passou a ter essa convicção após a morte dos pais num terrível acidente, inicialmente buscava uma explicação para o ocorrido, depois foi desenvolvendo sua própria fé e, por fim, essa convicção foi lhe dando uma paz profunda e a certeza que seus pais estavam num lugar melhor amparados por essa força superior... E agora, em meio a esse turbilhão, no qual os fatos se sucediam rapidamente como uma avalanche, precisava desesperadamente de amparo do supremo, mas sua mente divagava... Era preciso, além disso,  algo para se concentrar e manter sua atenção focada, então pensou em pesquisar sobre a simbologia do Triskelion na esperança de que isso,  também, lhe desse alguma luz sobre a identidade da paciente...  Precisava também, conferir os sinais vitais dessa enigmática garota... Precisava de, de tantas outras coisas...

— Dr. Renée! Seus pensamentos foram subitamente foi interrompidos por outro colega que adentrava ao conforto...

— Dr. René, desculpe atrapalhar seu descanso, mas o Dr. Palhares solicita sua presença na sala de reuniões, parece que um repórter quer fazer uma matéria... Renée se sobressalta com  essa entrada repentina mas, se recompõe e interpela o colega:

— Dr. Túlio, não me diga que se trata do idiota do Notícias Populares... Aquele que, um tempo atrás,  estava convencido que o "bebé diabo" havia nascido aqui.

— É esse mesmo, o tal Sanderson.  — Dessa vez, ele  garante que uma extraterrestre deu entrada aqui esta madrugada.

— Tá de brincadeira Túlio! — De onde surgiu essa ideia absurda? — Da outra vez, ocorreu de  uma desafortunada criança nascer com duas proeminências ósseas no crânio, o que alguns imprestáveis daqui acharam parecer com chifres e dai, num instante, virou o "bebé diabo".

— Renée acredito que ele ofereça dinheiro para certos funcionários dedurarem qualquer coisa fora do normal. — Você se lembra de como ele, inexplicavelmente, foi o primeiro a chegar quando o chefão da comunidade Divinópolis foi socorrido aqui...

— Sim, o P. J. claro, eu lembro... —  E muito bem... — Bom irei para lá, então...

O trajeto até a sala de reuniões nunca pareceu tão longo, tortuoso... O que falar? Era um dilema para o jovem Médico, pois nem ele mesmo sabia do que se tratava com certeza... Apesar de tudo se aprumou e entrou na sala exalando tranquilidade...

— Sanderson, prazer em rever a sua pessoa! — Dr. Palhares, como está?

Dr. Palhares era um dos fundadores do Hospital e atual administrador, diziam que até havia ajudado a descarregar material durante a construção quando houve um imprevisto com os operários... Era um médico à moda antiga, reservado, correto e meticuloso; acima de tudo odiava a mídia... Durante o incidente com a tal matéria sobre o "bebé diabo", ficou completamente transtornado com as insinuações que o Hospital estava usando a mídia para se promover e agora estava visivelmente preocupado com a possibilidade de que tudo se repetisse. Tanto que, de imediato, disparou para nosso médico:

— Dr. Renée, poderia explicar o que está acontecendo?

— Sim, claro, Dr. Palhares, trata-se do primeiro fruto de nossa cooperação científica com a Universidade de Dresden na Alemanha. — Graças a isso fomos capazes de identificar, numa paciente atendida ontem, uma síndrome genética raríssima que se manisfesta saltando várias gerações. — Trata-se da síndrome de Saknussemm,  descrita pelo renomado Dr. Otto Lidenbrock.

— Mas, com todo respeito, ouvi dizer que se tratava de uma extraterrestre, algo nunca visto para os padrões humanos... Disse Sanderson visivelmente frustrado. 

— Ora, Sanderson, espero que não tenha pago por essa informação, sinto muito dizer que não se trata de um ser extraterrestre... Apenas uma pessoa peculiar... Mas esteja a vontade para fazer a matéria, inclusive posso ajudar preparando cartazes explicando o tipo de herança genética envolvida na transmissão; quem sabe também fazer os cálculos de frequencia de aparecimento dessa síndrome, quem sabe até explicar como funciona nossa cooperação científica, etc... —Acredito que seus leitores irão adorar.

— Desculpe Dr. Renée,  esse tipo de matéria não faz parte de nossa linha editorial, o que é uma pena... — Mas, agora peço sua licença senhores pois tenho uma matéria para cobrir na comunidade Divinópolis... — Em todo caso, obrigado pela atenção.

Dizendo isso Sanderson saiu da sala enquanto o Dr. Palhares respirava aliviado...

— Dr. Renée como sabia que ele iria desistir de fazer essa matéria?

— Ora o que esperar de alguém que se sujeita a trabalhar numa porcaria de tabloide daquele especializado em fofocas de artistas, crimes passionais e conspirações? — Além disso, a paciente apresenta apenas algumas variantes anatômicas sem nada excepcional. 

Renée suspira pois sabia que havia muito mais além disso...

— Mas, Saknussemm e o Dr. Otto Lidenbrock não são personagens daquele livro: Viagem ao centro da terra? — Além disso, que eu saiba, não temos cooperação alguma com a Alemanha.

— Isso mesmo, Dr. Palhares não temos esse tipo de parceria e, de fato, trata-se de um ótimo livro... — Agora com sua licença preciso voltar ao trabalho... Renée saiu, mas a tempo de escutar,  atrás  de si, as gargalhadas do Dr. Palhares.


A Última BansheeOnde histórias criam vida. Descubra agora