O poder do dinheiro

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—Dr. Renée, com todo respeito, acreditamos que ela já esteja com quadro de morte cerebral. Disse o Dr. Paulo Veiga desencadeando uma réplica imediata de Renée:

 —"Acreditamos"...  —É isso mesmo que você disse? —Quer dizer que, além de você, existe mais algum lacaio aqui neste hospital tramando pelas minhas costas? —É isso mesmo? —Pois, saiba Dr. Paulo que eu, ao contrário, tenho certeza que não!  —As pessoas aqui precisam entender que essa não é uma paciente comum, ela possui uma incrível taxa de regeneração e está se recuperando.   

—É uma guerreira e está viva Dr. Paulo e, por enquanto, não será declarado nada contrário a isso, não enquanto eu estiver na chefia dessa unidade e, enquanto o Dr. Palhares for o Administrador. 

 —Como quiser Dr. Renée, mas isso veremos... Disse o Dr. Paulo Veiga exibindo um sorriso sarcástico e saiu deixando Renée com a sensação de que algo estava sendo tramado, muito sórdido e com certeza envolvia o poder do dinheiro. Aquilo tudo era um mau presságio e Renée resolveu verificar ligando imediatamente para a Administração:

 —Bom dia, Dr. Palhares acabei de receber uma visita de um médico da fundação Novacheck, o que achei muito estranho, sabe me dizer se tem algo acontecendo que eu desconheça?

 —Bom dia Renée, existe algo sim... —Acabei de saber que o Sr. Novacheck convocou uma reunião secreta com os principais acionistas deste Hospital e comprou todas as suas ações por um valor irrecusável. —Eu acredito que ele irá formalizar, assim que possível, sua posição de acionista majoritário e incorporar o Hospital à sua Fundação e isso significa que eu e você seremos demitidos e, certamente, ele irá colocar algum pilantra no seu lugar.  

—Alguém, Renée, que irá constatar, de uma maneira ou de outra, a morte cerebral da garota e assim, poder extirpar seu fígado.  —Seja o que for que tenha em mente Renée, faça logo, pois não temos muito tempo.

Renée ficou atordoado e chocado com essas informações, segurava firme o telefone enquanto sua mente divagava... Pensava sobre si mesmo, em como havia feito tantas coisas e erigido toda uma vida...  As quais vivia tentando se enganar... 

Havia determinado ser um profissional de excelência, mas no fundo e sendo bem honesto consigo mesmo se perguntava qual sua motivação primária? Foi para ajudar o próximo.. Foi por altruísmo? Ou, no fim das contas, para ter prestígio e dinheiro? Atendia muito bem a todos, era exímio, correto... E a triste e verdadeira conclusão foi a de que tudo não foi por compaixão, mas para se firmar como profissional de ponta e assim angariar mais pacientes, principalmente os abonados de dinheiro... 

No fim das contas, também por dinheiro. Era um ótimo profissional, resoluto, comprometido e sua conduta era ilibada... Cada paciente que atendia era tratado com absoluto profissionalismo, porém era visto como um degrau a mais em sua trajetória em busca do renome, da distinção... Cada doença era encarada como um desafio a ser superado pela sua competência e nunca como uma oportunidade de prover conforto e alento... Não havia nada errado em tudo que fazia a não ser a motivação genuína disso tudo... Dinheiro. Havia algum mérito nisso? 

O que adiantava toda uma vida de retidão que nunca se comprometia para não correr o risco de perder o prestígio e as benesses financeiras. São reflexões que afloravam depois de todo um processo que começou com a morte de seus pais que o obrigaram a reconhecer um poder maior, continuou logo após com a notícia de sua terrível doença que mostrou o quão vazias eram suas  aspirações e agora, testemunhando o imenso poder corruptível do dinheiro, Renée terminou questionando amargamente suas antigas motivações... 

Não sentia arrependimento visto que era algo que se sentia após uma escolha equivocada, sentia uma profunda indignação pois sequer havia percebido em toda sua vida que havia uma possibilidade de escolha, indignação em perceber como as coisas realmente eram, de como eram determinadas por uma sociedade erigida sob a égide da cobiça e ambição, um modo de ser de nosso mundo que inconscientemente nos guia, onde sequer percebemos o que, na maioria da vezes, nos move, nem o que realmente determina nossas motivações e razões de vida. E, finalmente após todo esse processo, pelo menos uma única vez, estava disposto a se comprometer pelo bem do próximo independente de qualquer risco financeiro ou de prestígio.

 —Dr. Renée! Tudo bem consigo! Disse aflito Dr. Palhares preocupado com o longo silêncio de Renée.

 —Sim, sim...  —Desculpe, está tudo bem, vou voltar ao trabalho e obrigado por avisar Dr. Palhares. 

Renée desligou com a certeza que aquela misteriosa paciente não estava segura nem fora e sequer dentro do Hospital.

A Última BansheeOnde histórias criam vida. Descubra agora