Heylel

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—Saudações povo de Avignon, não temais pois venho em paz!

As mensagens de Heylel ecoavam por toda Avignon e de algum modo inexplicado ressoavam em cada mente. Após as mensagens terem sido proferidas um ser se teletransportou para Avignon, materializando-se bem à frente do memorial Sanctum, edificado em memória dos que haviam sucumbido em Dalynoor. O ser tinha aparência humana bem semelhante aos habitantes locais, porém mais alto e dotado de uma beleza magnífica mas sombria, tinha traços delicados embora seu semblante transmitisse força e determinação. Seus olhos eram penetrantes... Porém, dentro deles havia tristeza e resignação... Suas vestimentas eram totalmente negras com exceção dos olhos e alguns adornos absolutamente esmeraldas. Era em tudo imponente se destacando sobremaneira à frente do memorial...

—Sou Heylel designado pelo criador como Senhor das Trevas, venho em missão de capital importância e preciso me reunir com seus líderes imediatamente. De algum modo, que ninguém conseguia entender nem explicar como, suas mensagens eram enviadas diretamente para a mente de cada um em toda Avignon. Talvez se devesse a algum tipo de mecanismo além de qualquer possibilidade já vista, até mesmo para a avançada civilização de Avignon ou a uma telepatia oriunda de um ser supremo. 

Heylel tendo dito isso desapareceu e, para o espanto de todos, também todos os principais Legisladores. Tais demostrações de poder deixaram a população amedrontada e, além disso com uma sensação de impotência frente ao ser recém chegado.

Antes que pudessem se dar conta, todos os Legisladores convocados se viram, num imenso salão oval com piso semelhante ao granito mas púrpura e paredes de um metal brilhante e prateado e o teto branco que reluzia emanando uma luminosidade fosforescente, tendo Heylel à frente de uma comitiva de seres que pareciam anjos todos belíssimos com cabelos loiros ora negros, alguns lisos e outros ondulados, alguns com pele negra outros não... Logo atrás outros seres com aparência humana mas desprovidos de cabelos todos bem semelhantes entre si e com pele azulada, cada um desses seres portava estranhos objetos dourados em suas mãos que brilhavam intermitentemente e não se sabia se eram instrumentos ou armas. Em seguida Heylel tomou a iniciativa:

—Sejais todos bem vindos, estais em Excalibur uma de nossas naves, presenteada a mim e aos anjos que caíram em meu auxílio no árduo propósito das trevas pela raça fundadora das colônias de Órion, uma das mais antigas da galáxia cujos últimos membros  estão aqui presentes e nos acompanham em seus derradeiros ordálios, antes de abandonarem a forma física. 

—Relaxai e acalmai-vos!—Nada de mal irá ocorrer a vós, porém é urgente debatermos um assunto de premente importância, assim que estiverdes prontos...

Tão logo puderam se recompor um dos Legisladores interrogou Heylel:

—A que se deve vossa vinda ao nosso planeta, Senhor das trevas?  —E como devemos chamar a vós? De altíssimo?

Altíssimo somente o Criador que está acima de todos nós, cujo amor sustenta tudo o que existe, a mim basta o mesmo tratamento que dispensam a vós mesmos, ou seja Senhor... — Pois sois os Senhores Legisladores... 

Após isso todos Legisladores ficaram surpresos pois era nítido o imenso poder daquele ser, e era inusitada essa demonstração de humildade, algo que não conferia com a lendas erigidas acerca desse ser. As histórias de sua origem e de sua personalidade absolutamente maligna, arrogante, irascível e prepotente eram muitas, mesmo em Avignon, e todas perpassavam, naquele momento, na mente de todos os Legisladores que ali estavam demorando para serem processadas, levando algum tempo até que o primeiro deles pudesse retomar o diálogo:

—Senhor Heylel qual vosso propósito aqui? Tendo sido feita esta pergunta todos olharam apreensivos para Heylel.

—Senhores, tenho observado vosso planeta por milhares de anos e não há dúvida que se trata de um magnifico lugar, belíssimas edificações, magníficos jardins, em tudo muito bem estruturado. 

—Vosso povo, continuou Heylel, consta entre alguns de maior beleza da galáxia, além disso as pessoas são dotadas, cada qual, de dons especiais, é um povo de grande capacidade mental e conhecimento. 

—Vossa sociedade é de tal modo estruturada que praticamente todas suas necessidades são satisfeitas sem esforço, tanto que o uso pessoal desses preciosos dons praticamente se tornou desnecessário. Seu sistema é todo edificado em torno daquilo que chamam Lei e que rege seu povo de modo absoluto, tanto que numa primeira impressão poderia se dizer que se trata de um mundo praticamente perfeito... —E é esse exatamente o problema...

Todos Legisladores presentes ficaram surpresos com essa declaração, como haveria um problema naquilo que se levou milhares de anos planificando e erigindo à sombra da Lei, não havia guerras, conflitos, nem fome ou privações, o que poderia haver de errado?

—Sei o que cada um de vós está pensando, disse Heylel e continuou: 

—Mas é preciso que escutem e reflitam com muita cuidado e isenção sobre aquilo que vou dizer:

—É um mundo que há milhares de anos está estagnado! 

—Como isso é possível! Bradou, com espanto e indignação, um dos legisladores que aflito continuou:

—É um dos poucos mundos que se conhece onde reina a verdadeira paz!

—Sei que para vós talvez seja difícil essa compreensão, mas é um mundo que, se analisarmos com profundidade e a à luz do propósito da criação, acrescenta somente valor mental a cada alma concatenada aqui... —Há milhares de anos que não se provém algo ao nível mais superior do ser, ao nível Búdico, ao nível da construção do eu Divino... — Sei que para vós é difícil tal entendimento, num primeiro momento, pois estais condicionados ao pensamento lógico, mas é preciso que observais que este mundo está planificado à partir de uma visão puramente racional, inteligente, lógica das coisas... —Pouco acrescenta para a construção superior do ser, aquela representação sutil de nossa alma, a qual realmente detém nossa verdadeira sabedoria, erigida com base no sentir, na empatia, no ser... —No amor universal...

Como poderia Heylel falar de amor? Era a pergunta que ecoava na mente de todos Legisladores e era incongruente com tudo que se sabia daquele ser, seria ele mesmo? Seria verdade tudo aquilo que já ouviram falar a seu respeito?

—Com vossa licença Senhor Heylel, vós dizeis, em outras palavras, que nosso mundo é um teatro de marionetes sob a égide da Lei?  Bradou um dos legisladores sem se dar conta de quem estava na presença... Heylel após refletir, respondeu pacientemente:

—Não se trata de uma representação teatral, pois numa peça teatral quando se encarna profundamente o personagem existe uma transferência empática do sentir e, consequentemente, algo de aprendizado sutil. —Na verdade trata-se mais de um enunciado matemático, uma proposição geométrica exata e precisa mas, estéril; um mundo, e sei que não irão gostar do que irei dizer, que se assemelha aos mundos autômatos do Sistema Andromedano, onde as pessoas abandonaram a carne em prol do transhumanismo, com o objetivo melhorar a condição humana a partir do uso de ciência e tecnologia (biotecnologia, nanotecnologia e neurotecnologia) para aumentar a capacidade cognitiva e superar limitações físicas e psicológicas, tudo perfeitamente utilitário e funcional, porém sem alma.  —Mundos que, inevitavelmente e infelizmente, também terei que intervir muito em breve.

"Infelizmente"... Heylel lamentando ter que intervir num mundo com o beneplácito da luz? 

Algo definitivamente estava errado... Ou certo, já não se sabia mais...


A Última BansheeOnde histórias criam vida. Descubra agora