A verdade

207 28 10
                                    

Estar em casa me trazia uma sensação melhor do que eu me lembrava, meus pais estavam me mimando e me enchendo de perguntas.

Quando entrei no meu quarto de infância, ainda com algumas coisas no mesmo lugar que eu deixei tantos anos atrás, sinto a nostalgia, a falta de tempos mais fáceis e de problemas que eram resolvidos entre um milk-shake e uma porção de batata frita.

Penso em Zabdiel quando vejo uma foto nossa ao lado da minha cama, os cachinhos, seu sorriso com covinha e o braço pelo meu ombro. Eu precisava conversar com ele, contar tudo e tirar esse peso de mim.

Pego meu celular para mandar uma mensagem mas minha mãe me chama e eu desço para almoçar.

Passo o tempo sem lembrar de mais nada, a não ser aproveitar meus pais e colocar a conversa em dia, até que a campainha toca e eu vou correndo abrir.

- Oi – era Alex – Escutei que você estava por aqui.

- Esqueci como as notícias correm nesse bairro – dou risada – Como você está?

- Bem e você? – digo que estou bem – Estava pensando se não poderíamos dar uma volta, tomar um sorvete talvez?

- Não sei se é uma boa ideia...

- Pelos velhos tempos – ele diz ao mesmo tempo que minha mãe aparece.

- Vai filha, você não precisar ficar o feriado inteiro dentro de casa – ela sorri e eu assinto, saindo com Alex.

Caminhamos até a sorveteria, que ficava a duas ruas da minha casa, falando sobre como estávamos, o que estávamos fazendo e coisas assim.

- E você está namorando? – ele pergunta quando chegamos.

- Não, estou solteira e você? – percebo seu meio sorriso.

- Da mesma maneira...talvez seja destino – ele pisca – Vai querer flocos e morango com cobertura de chocolate?

- Você lembra! – digo surpresa e ele ri – Sim, vou querer assim.

- Escolhe uma mesa que eu já vou.

Me sento e aceno para alguns conhecidos, observando o quanto cada um tinha mudado ao longo dos anos.

- Então, você pensa em voltar a morar aqui? – Alex pergunta quando volta.

- Não, sou muito feliz em LA – sorrio – E você?

- Na verdade, acabei de mudar de volta, esse é meu primeiro final de semana aqui.

- Posso perguntar o porquê você quis voltar?

- As coisas não deram certo no Texas – ele dá de ombros – Nada melhor que voltar onde tudo começou a dar errado e reconstruir.

Assinto, eu não concordava totalmente mas entendia, estava em um mal momento também e só de estar na cidade já me sentia melhor, como se tivesse tirado um peso das costas.

- Inclusive com você – ele segura minha mão – Hoje eu vejo o quanto fui canalha contigo naquela época.

- Você foi mesmo – concordo lembrando da traição dele.

- Mas eu não sou mais aquele garoto, eu aprendi a lição – ele tenta entrelaçar nossos dedos – Quero uma chance de te mostrar isso.

- Alex, eu estou aqui só de passagem, eu não vou ficar – explico – E nossa história se encerrou há muito tempo atrás, não tem porque querer reviver isso.

- Eu só acho que a gente poderia ter sido felizes e ainda pode – ele se inclina – Eu já vi isso acontecer, pessoas que ficam com os amores da escola, pessoas com quem você tem um passado e te conhece bem.

- Isso não quer dizer que todos terminam assim – suspiro – E mesmo se for, eu não acho que isso se aplique nós dois, a gente teve uma história mas...

"Mas a minha história de verdade era com Zabdiel", penso mas não digo, só balanço a cabeça.

- Sinto muito Alex, acho melhor eu ir.

Dou um sorriso fraco e me levanto, respirando fundo e caminhando pelas ruas antes de voltar para casa. Cada louco que me aparecia, me pego rindo e quando me dou conta estou na frente da minha antiga escola.

Sorrio e percebo que mudaram a cor da fachada, mas de resto, está tudo igual. Meu sorriso desaparece quando vejo que não sou a única que teve a ideia de vir aqui.

- Com saudades também? – pergunto me aproximando de Zabdiel.

- Lembra quando a gente ficava até tarde fazendo maquete? E daquela vez que eu deixei a tinta azul inteira cair e você ficou brava – nós rimos – É, eu sinto muita falta.

- Você ficou tão preocupado porque eu estava furiosa que voltou com dois potinhos – ele se vira para mim – Eu me lembro de tudo.

- O que aconteceu entre a gente? – ele suspira.

- Sobre isso que eu queria falar com você – me sento ao seu lado – Posso falar?

- Claro.

- O Kevin me chantageou – ele fica surpreso – Ele foi atrás de mim, querendo me contratar mas é óbvio que eu não quis então ele usou você para me convencer.

- Mas...como? – ele aparenta estar nervoso.

- Disse que iria prejudicar a sua carreira, que não lançaria a música se eu não aceitasse – as lembranças vieram com tudo – Eu não pude negar e nem sabia como falar pra você, eu estava com medo que sua reação piorasse a situação ainda mais.

- Espera...você estava sendo chantageada e ainda estava pensando em mim? Esse tempo todo aquele...aquele imbecil estava enchendo sua cabeça e você pensando em mim?

- Eu sei o quanto sua carreira é importante, o quanto você poderia ter um grande começo com ele – engulo em seco – Eu iria contar depois, jamais deixaria ele ficar por perto de você por muito tempo.

- Camilla, você não percebe o quanto isso está errado? Eu não merecia isso, eu deveria cuidar de você e te proteger e o que eu fiz? Fiz você cair nas garras daquele aproveitador – ele passa as mãos pelo cabelo, em um gesto desesperado.

- Não, nada disso é sua culpa e sim, somente do Kevin – me aproximo dele – Se fosse ao contrário, eu sei que você faria o mesmo por mim.

- Faria sim, mas eu não posso deixar de me sentir culpado por tudo o que aconteceu e por tudo o que você teve que passar sozinha – ele me olha desolado – Eu não vou me perdoar por isso.

- Por favor Zabd, eu já resolvi tudo, já está tudo bem – suspiro – Não quero que você fique mal com isso.

- Eu já estou – ele fecha os olhos por um instante – Me desculpa, eu preciso ir.

E ele sai me deixando sozinha sem saber se eu fiz certo ou não de contar toda a história.

Crossed WaysOnde histórias criam vida. Descubra agora