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— O que você disse?! — Manu praticamente gritava.
Limpei os ouvidos como para mostrar a capacidade que ela tinha de me deixar surdo.
— Isso mesmo. — desempacotei o sanduíche que tinha comprado na cantina, não tomei café da manhã, pra falar a verdade meu estômago não conhece nada novo desde ontem — Eu finalmente consegui enxergar alguma cor depois de todo esse tempo.
Ela estava mais incrédula do que eu deveria estar.
— Explica isso direito, Taka! — eu mordi o lanche o que a fez ficar com o rosto vermelho de raiva — Mastiga isso de uma vez ou eu vou fazer os seus olhos ficarem mais puxados do que já são!
— Pronto, pronto — sinto ainda alguns farelos na garganta — Ontem, quando fui para o novo parquinho dar uma volta ou fazer sei lá o que — relembrava as novas memórias, a mais colorida de todas —, uma garota meio que caiu de uma árvore.
— Meio?
— Ok. — reconsiderei — Caiu totalmente de uma árvore, e bem na minha frente, juro que se estivesse dez centímetros mais perto ela teria era caído em cima de mim...
— Tá, mas, Takashi — ela me cortou —, pula logo pra parte que você vê alguma coisa, por favor!
— É exatamente agora! — exclamo. — Quando eu fui tentar ajudar a garota a se levantar eu percebi a cor do cabelo dela — ou melhor, as cores — Ela tinha cabelos arco-íris, Manu! Uma explosão de cores! E eu consegui ver todas!
Eu realmente não pensei qual seria a reação dela quando eu contasse isso, mas com certeza esperava um meio termo entre felicidade e espanto, porém, o que estava ali na minha frente era muito mais descrédito do que outra coisa.
— Tá bom, informação demais. — Manu ainda estava receosa com tudo que acabei de falar — Takashi, você sabe que tudo que eu mais quero é te ver bem — pronto, aí vem — Mas você não acha que tem a mínima possibilidade de você estar vendo ou inventando coisas pra ficar mais fácil? Quero dizer, não é muito comum encontrar alguém com o cabelo todo colorido, né.
Agora quem estava em estado de descrédito era eu.
É como se uma fenda se abrisse no chão, uma fenda escura — muito escura — e me levasse para uma vala. Por que ela não podia estar contente e dizer logo como "Não acredito, Takashi! Isso é muito bom!"? Era só isso que eu queria ouvir. Apoio.
— Manu, você nunca duvidou quando eu contei que via tudo em preto e branco, então por que não acredita em mim agora que digo que finalmente estou voltando a ver? — talvez eu esteja indagando mais para mim mesmo do que para ela — Você sabe que eu não mentiria sobre algo tão importante.
— Não estou dizendo que você está mentindo, Taka — falou séria. — É só que você sabe como eu costumo ter um pé atrás com tudo...
— Mas eu estou te dizendo o que eu vi! — a interrompi — Você acha que a minha mente agora está criando coisas pra me confortar?! Por Deus, Manu, por mais que eu lembre que a grama é verde eu não consigo me forçar a ver ela como algo além de cinza! — precisava me conter para não embargar a voz com o bolo que já se formava na garganta — Será que você podia, por favor, ter um pouco mais de fé que eu possa realmente estar recuperando a visão?
Eu sei que foram apenas segundos até ela responder, mas senti como se uma eternidade separasse nossas falas — como se a minha voz e a dela estivessem anos luz de diferença.
— Você pelo menos viu ela em cores ou alguma outra coisa depois disso?
Minha cabeça se moveu em um vergonhoso "não".
— Só o cabelo dela.
Uma respiração longa e arrastada foi seu início.
— Que cores você vê agora? — pergunta — Me diz de que cor é a minha mochila.
Engoli em seco.
— B-Branca...
— Peeeen — imita um alarme. — Resposta errada, ela é de um amarelo claro. — escutamos o sinal tocar, eu a vejo se levantar, as aulas iriam começar — Não é que eu não esteja feliz por você, Takashi — complementa. — Mas vamos ir devagar, ok?
Confirmei com a cabeça já me dando por vencido.
— Expectativas baixas são mais fáceis de serem superadas.
— Ei, você saiu de uma bolha de entusiasmo pra entrar em uma de total pessimismo — comentou sorrindo o que me fez rir — Equilíbrio, Takashi, equilíbrio — disse fazendo uma pose improvisada de yoga.
— Gente, por favor, silêncio agora. — a primeira aula era de história, e já fomos recebidos com um "calem à boca" mais educado.
Todos nos aquietamos e viramos para frente.
— Hoje nós vamos receber uma nova aluna — a professora Mirela fez sinal para alguém além da porta, convidando a menina a entrar provavelmente, o que já fez vinte e três pares de olhos curiosos se espreitarem mais a frente. E eu estava incluído nisso, só para constar.
Os passos da nova colega deram seu sinal de entrada, consegui antes olhar em volta e perceber os olhos de todos se arregalarem e alguns sorrisos por parte dos meninos e cochichos vindos do fundo.
Ela era um verdadeiro imã que respirava.
E não, não era só porque ela era de fato bonita ou porque tinha um sorriso amplo e encantador — deveras encantador.
A resposta estava em seus fios longos e espessos.
Laranja, vermelho, rosa, azul, violeta, anil, sim, eu podia identificar todo o fenômeno natural em suas ondulações e ainda mais a personalidade dessas mesmas cores se mesclando em um novo conjunto de tonalidades, misturas saturadas e pastéis.
Ela destoava de toda a neutralidade que a cercava.
— Essa é a Íris, por favor, sejam gentis e deem as boas-vindas a ela.
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cαвєlσѕ αrcσ-íríѕ
Teen FictionᏗᏰᏒᎧ os olhos e mais uma vez o céu está cinza, mas não é que esteja chovendo. Já faz alguns anos que todo o meu mundo é pintado apenas por cores neutras. Preto, branco e cinza. O círculo monocromático mais depressivo que você poderia enxergar. Tento...