V - O Diário Secretíssimo

426 42 20
                                    

O clarão infiltrou-se pelas janelas e impregnou a cortina branca ao redor da maca. Resmunguei, remexendo-me na cama, e abri os olhos, um ardido tornando-os úmidos e tive de encolher o pescoço na tentativa de os vedar para baixo da grenha de cabelos. A cabeça girava, o estômago berrava alto e um enjoo prontamente levou para longe o pouco de energia que pensei ter recuperado. Uma silhueta cresceu nas cortinas brancas e afastou-as apenas o suficiente para entrar. As vestes em azul claríssimo, o avental branquinho e o lenço na cabeça deixando para fora a franja rala e curta. Traz uma bandeja nas mãos.

— Bom dia, senhorita Antares — cumprimentou-me e pousou a superfície de alumínio sobre minhas pernas. — Antes de comer, beba isto. Vai se sentir melhor.

Os olhos borrados mal puderam distinguir os dois cálices na bandeja, e apenas aceito ao que Madame Vitally me oferece, um suco aparentemente ralo e azul que exalava pelo ar um gostoso cheiro de menta. Desceu congelando a garganta e causou um desconfortável borbulho no estômago. Depois de vazio, os pulmões se enchem com vigor, um inspiro refrescante que arrepia meu corpo com um frio gostoso de sentir.

— Eu aconselho a comer primeiro e, depois, pode beber uma colher de Poção de Cura para Furúnculos. Eu receio que não tenha um gosto bom, mas...

Eu engulo seco e não posso evitar o impulso que me faz recuar o braço e tocar o rosto. A crosta inundada de caroços de puis fora substituída por uma pele lisa e macia. Eu suspiro aliviada.

— Ah, não! Eu passei bons minutos esfoliando esse seu rosto com a poção. Ainda assim, vai ter que tomar uma colher diária durante a semana — advertiu e entregou-me um pequeno frasco com um líquido verde, opaco e borbulhante.

Afundei o garfo nas salsichas e Madame Vitally deu as costas, afastou as cortinas e pude perceber várias macas ocupadas. Abraxas, está logo à frente, um nariz esponjento que ainda não voltara ao normal. O frasco da Poção de Cura, porém, vazio no criado-mudo. Andrew, não muito longe dele, a pele amorenada pálida e as mãos trêmulas seguram uma bacia de cobre, regurgitando o que me parecera com lesmas enormes. A visão faz-me estremecer e viro ligeiramente, tentando não perder o apetite. Nesta outra direção, contudo, vejo Allen, os lábios avermelhados distendidos no rosto.

Uma a uma as macas foram se esvaziando, até restar apenas eu. A vassoura de fios esgrouvinhados circulando pelo chão, e Madame Vitally arrancava os lençóis, atirando-os sobre uma colcha aberta. Eu penduro os pés para fora e as molas rangem, denunciando-me.

— Como está seu estômago, senhorita Antares?

— Eu acho que já está bom.

— Oh, que ótimo, tive medo que não se recuperasse até amanhã...

Madame Vitally atirou o último lençol e balançou a varinha, a colcha se fechou como uma trouxa e flutuou até a porta. Meus pés estatelaram o chão, e segui descalça até a Madame. que pareceu analisar-me sobre os ombros, mas nada disse. Esperou que me aproxima-se e me entregou uma pilha de lençóis limpos e dobrados. Seguiu até a primeira maca, no final do quarto, e os dedos da mão mandando que eu a acompanhe.

— Eu gostaria de entender o porquê de você sempre estar envolvida em problemas.

— E-eu não apontei a varinha a ninguém.

— Sei que não — sua voz me cortou. — Ainda assim, estava no meio da confusão.

— Quiçá... — eu hesito —, e-eu, possivelmente, possa ter iniciado a confusão?

Madame Vitally virou-se instantaneamente, as sobrancelhas franzidas, os lábios crispados e os olhos saltados.

— Não foi de propósito — digo depressa.

Hogwarts Myster - o Herdeiro de Slytherin Vol. 01Onde histórias criam vida. Descubra agora