Capítulo 26.
Nada é pequeno no amor. Quem espera as grandes ocasiões para provar a sua ternura não sabe amar.
- Laure Conan.Antes do apocalipse, tomar banho era algo corriqueiro e poderia ser feito a qualquer momento, porém agora havia virado algo raro e artigo de luxo para os sobreviventes. Na verdade, io não fazia ideia como sentiria a falta de tomar um banho quente, até não saber qual seria a próxima ou última a vez em que teria um chuveiro sobre a minha cabeça.
Sentir a água quente escorrendo por minhas costas nuas, era como ir e ficar no paraíso por alguns minutos. Não existia uma palavra na ponta da minha língua forte o suficiente para descrever a emoção, que era sentir a água lavando toda a sujeira dos meus cabelos e corpo.
Contudo, não era apenas um simples banho e a remoção de impurezas, para mim era, como se io estivesse lavando cada pedacinho da minha alma também naquela hora. Era quase inexplicável. Inesperadamente, senti um bolo formar-se na minha garganta, e os meus olhos marejaram. Não segurei e apenas deixei o choro sair baixinho, enquanto misturava-se com a água.
Não era choro de desespero ou tristeza, na verdade, eram apenas lágrimas de felicidade, que poderiam aparecer tão fúteis ou bobas de outro ângulo, porém io não conseguiria expressar por palavras o que significavam para mim.
Me sentia mais humana, quase como a mesma Alice Elena do mundo pré apocalíptico. Era quase surreal sentir-me dessa forma, depois desse tempo todo, entretanto eu não queria pensar em mais nada e apenas apreciar cada gota, que escorria delineando meu corpo.
Praticamente, gastei quase meia embalagem do meu shampoo, que io havia pegado na mesma farmácia que fui com Rick, e a mesma quantidade de condicionador. Foi prazeroso passar os dedos por meus longos fios e não sentir os inúmeros nos, que me acompanhavam por um longo período. Ou seja, a última vez em que tomei um banho descente, mas fazia tanto tempo e eu não sabia precisar quando foi exatamente.
Soltei um suspiro exasperado e frustrado, quando tive que desligar o chuveiro e sair do box, afinal haviam mais pessoas que ainda tomariam banho, além de mim. Na verdade, tivemos muita sorte que o gerador a óleo da fazenda funcionasse, e a água encanada ainda dava para ser utilizada.
Prendi a ponta da toalha sob meu braço, enquanto parava na frente da pia velha e passava a mão no espelho embaçado pelo o vapor quente, limpando-o. Pisquei pensativa e fitei o meu próprio reflexo, pois fazia dias que uma ideia rondava a minha cabeça. Desde o dia em que um dos caras do Gareth me suspendeu pelos meus cabelos, e tanto eu quanto Betina quase fomos assassinadas.
Passei a mantê-lo preso sempre em uma trança por ser mais prático e fácil de me locomover, entretanto a ideia de corta-lo estava crescendo rapidamente. Mas, por hora, deixaria apenas essa grande possibilidade guardada, que precisava ser amadurecida mais um pouco.
Afinal, meu cabelo longo e ruivo era uma lembrança vivida de Grace Sartorelli, a minha mama.
Virei-me de lado e joguei-o sobre o meu ombro, ficando de costas e encarei o espelho, novamente. Sorri orgulhosamente, quando meus olhos escorregaram até a tatuagem de uma bela índia, que cobriam toda a minha pele. Havia feito-a com apenas dezesseis anos quando fiz aniversário.
Um grande cocar cobria a cabeça da índia, enquanto ela estava de olhos fechados com os dedos nos lábios e os longos cabelos cobriam totalmente seu tronco nu. Nunca cogitei a hipótese, que um dia o significado me representaria com tanta veemência, como agora no mundo atual. Afinal, eu havia me tornado forte e uma verdadeira guerreira, como o seu real significado.
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Epitáfio de Alice - Rick Grimes.
RomancePor quase dois anos, Alice manteve-se oculta nas sombras e na penumbra da floresta. Ela lutou, chorou e sobreviveu a própria solidão, enquanto tentava não quebrar a última promessa feita à irmã em seu leito de morte...De nunca perder a fé e a espera...