Transtorno Poético

Paz

Nunca havia experimentado a morte antes,
Nessa infante descoberta você se foi.
Você que viu todas as minhas brincadeiras de menino,
Meu desatino artístico e minhas peças em muitos atos.
A gente pensa que é fácil, primeiro vestir um sorriso,
repetir que está bem, rasgar os retratos.
Até chegar o domingo, outro domingo e algum aniversário,
Se olhar no espelho bêbado e querer bater no adversário.
É tão difícil cair em si e ver que a ilusão é tão frágil quanto a vida,
Descobrir sobre tanta coisa numa dolorosa partida,
Abraçar o vazio e saber exatamente como seria,
Ter calor, ter frio, não sentir nada, um dia atrás e mais outro dia.
Talvez eu saiba para sempre o que te agrada,
Seus vestidos e tons de azul, sapatilhas, rock inglês,
Seus traumas, seus apegos, seus demônios,
Seu verdadeiro amor que não fui eu.
Imagino que seja como sair do coma, de cabelo cortado mas cabeludo,
Não sei se dormi, se sonhei, de barba feita mas barbudo,
Ainda jovem, mas tão velho,
Não sei se nos perdemos, se lhe perdi, não tenho que saber tudo.
Sei que deu até onde tinha, foi até onde soube ser,
Minha amiga imaginária, dormiu tantas vezes nos meus braços,
Para eu amanhecer um dia qualquer como um rei deposto,
Para desconhecer quem habitava naquela hora o seu rosto.
Depois dai era você também criança imaginando que falava só,
E eu tão enganado, era eu o amigo imaginário, feito de pelúcia e fantasia,
Me esvaindo em sangue de tinta guache, em alguma guerra de mentira,
Confessando sob tortura um crime que desconhecia,
Espetado pelo graveto que se fez espada, alvejado pelo festim dos homens,
E assim as crianças crescem, os amigos imaginários somem.
Agradeço cada lágrima, agradeço a morte que me fez cair,
Porque somos todos criadores e criaturas, imaginados amantes da ilusão,
Meu caso solitário de amor, minha grande lição,
Onde a sepultura de nossa história jaz,
Seja feliz caso você exista por ai,
Não lhe carrego, nem lhe imagino mais, seja o que pensa de si,
Quero apenas que descansemos em paz.