Capítulo 5

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Bem mais tarde me encontro deitada olhando para o teto, lembro-me do meu encontro desastroso com Felipe, o homem não me sai da cabeça e me irrito comigo mesma por pensar nele desta maneira. Fico refletindo e tentando entender o que leva um ser humano a agir daquela forma. Vicky chegou a contar que Felipe sofreu algumas decepções, não deu detalhes, contou apenas o que sabia através de seu marido.

— Se todos que sofrerem decepções na vida ficarem assim, o mundo será um verdadeiro inferno — pronuncio para o quarto vazio.

Ouço um barulho de carro e me levanto para expiar pela janela, vejo a caminhonete preta se afastar a toda velocidade. Além de grosseiro é irresponsável por dirigir dessa maneira. Balanço a cabeça e volto para a cama. Soco o travesseiro, deito-me e fecho olhos suspirando fundo. Não posso ficar pensando nele, mas estou curiosa para saber onde ele pode ter ido a uma hora dessas.

Aos poucos o sono vem e finalmente durmo com a cabeça borbulhando de pensamentos impróprios.

Alguns dias passam sem que eu e Felipe nos esbarremos, somente o vejo as escondidas em alguns momentos através da janela do meu quarto, uma vez ele quase me pegou, mas me escondi a tempo.

Abigail passa o restante da semana me levando de um lado para outro e me apresenta a varias pessoas das quais não guardo os nomes, só com tempo poderei me acostumar a todos. Também conheço alguns trabalhadores da estância e percebo um olhar especulador por parte de alguns. O que não me surpreende, afinal sou uma estranha para eles.

No entanto a maioria me surpreende com o quanto me recebe bem, mas nada me deixa mais admirada que a beleza de toda do lugar. Por onde passamos encontro flores pelo caminho, é tudo tão grandioso e não conheci nem metade da fazenda, segundo Abigail. Ela conta de um lago onde pode-se tomar banho no verão, mas devido a uma forte chuva no último mês o caminho ficou árduo e devemos aguardar até que Felipe contrate uma empresa para arrumar o lugar.

A cada dia fico mais encantada e me sinto acolhida, até mesmo os dois filhos de Abigail, apesar de parecerem levados, são um doce comigo. O mais novo de quatro anos até me deu uma flor, gesto ao qual me emocionou.

Na escola sou apresentada aos outros funcionários e logo me simpatizo com Rafaela, a secretária. Ela é bem falante e diz estar feliz com minha chegada e anuncia a Abigail que faz questão de me levar para conhecer todos os cantos da cidade.

— Como se tivesse muitos cantos para conhecer — comenta Abigail rindo.

— Santa Clara de Assis é pequena, mas atraente — defende orgulhosa. Rafaela e me olha sorrindo. — Você tem que conhecer nosso ponto de encontro, Oh Tchê!, o bar sempre tem shows ao vivo e é tão famoso pela região que pessoas de cidades vizinhas sempre lotam o lugar.

— O lugar é muito bom mesmo Mel, lá você terá oportunidade de conhecer todo o povoado — revela Abigail.

Eu sorrio para as duas.

— Tenho certeza que vou adorar, já estou curiosa para conhecer.

— Na próxima sexta-feira nós iremos — Rafaela anuncia empolgada. — Os rapazes vão ficar todos eufóricos com você.

— Comigo? Posso saber por quê? — pergunto cruzando os braços.

— Você é novidade por aqui, além de ser uma carioca muito bonita. Eles ficarão enlouquecidos.

Solto uma risada.

— Você fala como se não existisse gente bonita por aqui.

— Não é apenas o fato de ser bonita ou não, foi como eu disse: É uma novidade, todos estarão curiosos para saber de você.

— Só espero não decepcionar — digo pensativa.

Depois de mais um pouco de conversa sobre as atrações da cidade, Abigail me passou alguns documentos referentes a escola e aos alunos para que eu desse uma olhada e pudesse me familiarizar com tudo. Eu não somente darei aula como também me encarregarei por alguns assuntos burocráticos, pois como pedagoga minhas responsabilidades podem ir além da sala de aula.

À noite voltamos para a estância e noto que Abigail está incomodada com alguma coisa, mas não digo nada até chegarmos. Assim que pisamos na varanda eu paro e a encaro.

— Abigail? — chamo e ela para virando-se para mim. — Você tem alguma coisa para contar?

Ela me olha por um tempo e deixa os ombros caírem, eu a observo com atenção.

— Não sei como vou te dizer isso — confessa preocupada.

Eu sorrio, me aproximo dela e aperto seu ombro.

— Basta falar Abigail, você pode me contar qualquer coisa.

Ela sorri sem jeito.

— Melhor eu contar logo — fala coçando a testa e me olha. — Você ainda não notou, mas eu não moro nesta casa.

Fico sem entender e a olho em duvida.

— Não entendi, não mora aqui?

Ela respira fundo.

— Eu ia te falar desde sua chegada, mas como o Felipe agiu daquela maneira decidi não revelar nada. Acontece que tem alguns meses que moro com minha família em outra casa, localizada aqui mesmo na estância — explica com expressão aflita. — Essa casa é de família, mas somente Felipe permaneceu aqui.

Difícil digerir essa informação, afinal estou morando praticamente na casa do homem que não gosta nem um pouco de mim.

— Abigail isso é um tanto constrangedor, seu irmão deixou claro não estar satisfeito com minha presença e agora sabendo que essa casa é somente dele me deixa desconfortável.

Ela segura minha mão e sorri.

— Foi como eu disse, essa casa é da família, desde o início o combinado foi que a nova professora iria morar aqui, Felipe concordou e até achou melhor assim, e a ideia foi dele.

— Não acredito nisso — admito balançando a cabeça.

— É a verdade, só não contei antes para não assustar, e você não está aqui sozinha com ele, além da Filó e de alguns empregados eu sempre estou aqui com as crianças e Davi. Renata vez ou outra aparece também. E Mel... — Abigail dá um aperto em minha mão e me olha com expressão tranquila. — Meu irmão pode ser o que for, mas ele jamais vai te fazer mal, acredite.

Eu sorrio e olho para o imenso quintal a nossa frente e volto a encará-la.

— Eu sei disso, não tenho medo dele, mas me sentia resguardada com você.

— Mas minha casa é a 500m daqui, no mesmo terreno, apenas uma pequena cerca nos separa — revela sorrindo. — Mel, é seu direito estar aqui, eu sei que você não deixará Felipe tirar farinha com você e te darei apoio em tudo.

— Devo avisar que não respondo por mim se o seu irmão me ofender. Não quero você chateada comigo Abigail. Eu, apesar do pouco tempo, a considero como minha amiga — confidencio.

— Por isso mesmo gosto ainda mais de você, Mel da minha parte você tem carta branca para agir como quiser, e essa é sua casa lembre-se disso.

— Obrigada por confiar em mim.

— Sempre. E para deixar as coisas claras, te considero uma amiga também.

Ficamos mais alguns minutos na varanda até que Davi apareceu dizendo que as crianças já haviam jantado e estavam com a babá.

Agora pude entender o silêncio da casa todas as noites, pois eles não moravam ali, geralmente depois que eu subia para minha casa eles iam embora e retornavam na manhã seguinte para café da manhã. Estava tão encantada com tudo por ali que não me dei conta de nada.

Mas o melhor de tudo era que não encontrava Felipe, pois seus horários são loucos e sei que Filó deixa sua refeição preparada toda noite, possivelmente ele evita encontrar-se comigo.

Para mim está perfeito, pois a última coisa que quero é vê-lo sem camisa, pois é só assim que anda, e com aquele mal humor. Quanto mais distantes ficarmos, melhor.

Meu Indomável DevassoWhere stories live. Discover now