encerrando ciclos

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Meu nariz estava vermelho por conta do frio que fazia do lado de fora, e ao encostar minha mão na maçaneta e girar encontro minha avó sentada no sofá com o nariz vermelho equivalente ao meu. A diferença é que ela não estava no frio. Minha avó havia chorado.

-" vovó! O que houve?" Eu corri até o sofá e ajoelhei de frente para onde ela estava sentada.

-" querida..." Minha vó não foi capaz de terminar a frase e me levou para um abraço.

-" vó, por favor me fala o que tá acontecendo". Eu disse limpando suas lágrimas.

-" n-ós... nós, quer dizer, vamos precisar adiantar sua volta para Sheffield." Minha vó dizia pausando entre as palavras.

-" vovó por Deus, o que está acontecendo... Por que eu vou ter q voltar pra Sheffield antes?" Meu coração estava acelerado e a respiração se tornou mais difícil.

-" Maddison, eu sei o quanto você é madura e responsável, e você vai precisar ser forte até voltar para Sheffield, e chegando lá, espero que possa contar com seus amigos..."

-" tá vó, o que houve ..."

-" Maddison, seu avô faleceu." minha avó respondeu e levou suas mãos no rosto e voltou a chorar.

Naquele momento o tempo simplesmente parou e eu fiquei aérea. Meus olhos estavam abertos e estáticos, mas eu não sei se eu estava realmente ali.
Tudo que eu consegui pensar é que a vida do meu avô não estava sendo fácil. A vida não tinha mais alegria, e gradativamente meu avô passava mais tempo no quarto. O sorriso dele diminuia, as vezes eu mal o via. Minha mãe e minha avó pararam suas vidas para se dedicar a cuidar dele. E eu e meu pai quando era possível. Era um fardo para todos. Não por que era ruim lutar por ele, e sim pelo sentimento de inutilidade e impotência que pairava sobre nós que estávamos sempre nos desdobrando para melhorar a qualidade de vida do meu avô nos seus últimos dias. A morte estava fadada a vir, mas não é como uma coisa que você controla. É uma coisa que você espera mas não deseja. É uma coisa que por mais que você espere nunca vai saber lidar. A luta pela vida do meu avô foi o motivo de eu me mudar para Sheffield e agora eu estava voltando para lá para encerrar esse ciclo. Porque a vida é isso, um eterno encerramento de ciclos. E a lembrança que eu iria guardar do meu avô além de todas as lembranças e memórias afetivas da minha infância seria com certeza a última vez que eu o vi sorrir.

Aquele dia no Nibbles pizza, na minha primeira semana em Sheffield.

O que minha vó me disse sobre ser madura e responsável não fazia muito sentido para mim naquele momento. Mas surpreendentemente ao contrário do que eu esperava eu não chorei. Não sei se isso foi por maturidade, e também não é um sinal de arrogância ou falta de comoção. Eu estava resignada. Obviamente eu estava triste, minha família sempre foi tudo para mim. E um pedaço dela se foi. Consequentemente um pedaço de mim. Mas eu sabia que ele havia cumprido seu papel, como pai e avô de família. O chefe de família que ele deveria ser e foi. O sentimento que me resta é só orgulho da pessoa que meu avô foi e a influência da pessoa que ele ajudou eu me tornar. Talvez isso seja parte dele. A resiliência, meu avô nao era do tipo que se conformava mas sabia muito bem reagir a determinadas situações. E definitivamente lidava bem com encerramento de ciclos. Como eu estava fazendo agora.

No fim, eu consolei mais minha avó do que ela me consolou. Eu fui até a cozinha  coloquei água na chaleira e preparei um chá. Subi até o quarto e voltei minhas roupas para mochila que eu havia levado. A diferença é que eu não quero ouvir música, não quero chorar, não quero falar com ninguém. É como se não sentisse nenhum tipo de emoção. Nem as luzes de natal e a neve do lado de fora da janela me tocavam. Na verdade para mim pareciam a cena de um filme de suspense dos anos 50.

Na mesma noite eu peguei um avião de volta a Sheffield. Minha avó me deixou no aeroporto e eu não comi nada nem bebi. Apenas entrei no avião e dormi. Espero que durma até o fim da viagem. A tristeza já havia me consumido.

Não é fácil perder alguém que amamos, fica um vazio, um adeus constante, tantos porquês, tantas lembranças...tanto amor tanta saudade. A gente nunca está preparado para perder alguém, mesmo sabendo que a vida acaba. A vida é um eterno superar de ciclos. Já dizia meu avô...

É difícil contornar o vento...

A certain romanceOnde histórias criam vida. Descubra agora