Seguiram por um caminho entre a floresta e as montanhas. O que mais admirava Krisha, era todo o caminho ser pavimentado. Não entendia como uma terra abandonada podia ser munida de estradas de pedra. Estavam malcuidadas, mas existiam, eram robustas, e remontavam a tempos ancestrais.
Thu seguia sobre os ombros do grande lobo sob o capuz. em determinados caminhos saíam da floresta para campos mais amplos entre as montanhas. No espaço aberto, o vento soprava e poderia ser capaz de arrastá-los para longe. Mas o Alfa era forte, e protegia os demais dos ventos gelados. O bisão também seguia firme.
A noite, encontraram abrigo numa entrada na montanha de pedra. Estavam protegidos da neve. Fizeram uma fogueira e se acomodaram para esperar o amanhecer. Alfa sumiu por alguns instantes. Em seguida, ele apareceu e jogou diante deles um cervo ensanguentado. Thu se apressou para preparar o animal. Rapidamente retirou as vísceras. Alfa as comeu crus. Devorou o fígado e os rins, abriu o crânio para devorar o conteúdo. Krisha olhava enojada. Não conseguia parar de pensar que talvez fosse a próxima refeição.
Em seguida, Thu pôs o animal sem couro para assar sobre as chamas. O animal seria um banquete aquela noite, depois de vários dias a base de legumes e frutas em conserva, e carne seca salgada.
— O cheiro de sangue não vai atrair animais? — Krisha perguntou enquanto abocanhava uma das costelas.
— Com meu pai por perto? Vai ser complicado. Os animais sentem não somente o cheiro da grande fera. Eles sentem a morte, que os afugenta.
— Você não fica curioso em saber quem foi que construiu essas estradas de pedra?
— Você não sabe? Foram os reinos anteriores a invasão os Celestiais, ajudados, claro, pelos homens.
— Por que motivo? Não é estranho construírem estradas no meio do nada, na imensidão gelada, longe de toda a civilização de das cidades?
— Mestra talvez não saiba, mas nem sempre Algória foi um continente gelado. Ele já foi quente, e as florestas eram verdes, e não havia neve, somente no topo das montanhas.
— Como você sabe disso, Thu?
— Ele sabe por que os Chacais são uma raça antiga, a única organizada depois que os Lupinos e os Leoninos caíram. Eles mantêm o registro.
— Gostaria de ter acesso a esse registro.
— Vai ter, quando chegarmos ao nosso reino. Por enquanto precisamos saber somente o seguinte. Estávamos ao suldoeste e Algória. Subimos mais em direção ao norte, ainda ao sul do continente, em que encontramos meu pai. — Cás desenhava no chão com um graveto retirado da fogueira. — Estamos seguindo mais ao norte, para o interior do continente. Os altares estão aqui, e aqui e aqui. Depois seguimos para o noroeste. Esta terra mais gelada ao norte possui um velho porto. Seguimos de lá para o nosso reino.
— Pelo mar?
— Sim, pelo mar.
— Se eu tinha dúvida que vocês eram loucos, agora eu tenho certeza. Seguir pelo mar? Ele é inavegável. Assim como não há nada ao norte, apenas mais gelo, e talvez monstros marinhos e das montanhas.
— Mas o Reino dos Chacais fica pra lá. Poderíamos seguir pelas montanhas. É um caminho difícil e quase instransponível. Mas o tempo é curto. Pelo mar será mais rápido.
— A morte será mais rápida. — Então ela pôs a mão no interior das vestes e acariciou o saco de gemas. — Mas a recompensa deve valer a pena. Você deve querer me amedrontar de propósito. No final da jornada, nem devemos precisar seguir pelo mar para chegar à casa de Thu.
— Não sei se você lembra, mas eu não oculto coisas boas. Eu só omito detalhes espinhosos.
— Eu vou me arriscar, Príncipe, filho do cão.
— Lobo!
— Dá na mesma. Thu, me veja aquele seu vinho especial. Estou precisando encher a cara.
— Mestre, ela é ladra, gananciosa e bêbada. Estou impressionado com o seu bom gosto.
— Meu jovem, você vai aprender que o homem não manda no coração.
— A raça de vocês é complicada. Vou levar o quarto deste animal para o meste Alfa. — Ele entregou o odre de vinho.
O grande lobo ficou sentado afastado dos demais. Olhava perdido para o céu. Dirigiu-se para o jovem que se aproximava com o quarto do cervo.
— Mestre, está malpassado, como é do seu agrado.
O Lobo tomou a oferta e a devorou.
— Espero que seja o suficiente, mestre.
A fera negra rosnou. Krisha estremeceu, mas Thu se aconchegou junto ao mestre, e se preparou para dormir. A fera o cobriu com o manto, e continuou sentada onde estava.
— Como Thu pode amá-lo tanto? Ele não é o cara mais simpático.
— É o jeito de meu pai. Os chacais sabem do que ele é capaz, e sabem que podem contar com ele. Acho que Thu também se compadece da sorte do velho.
— Eu ficaria chateada se alguém tivesse pena de mim.
— Acho que o velho tem consciência da própria estrela. É uma sorte ruim. Mas ele escolheu isso.
— Aquela fera que eu vi dentro de você ...
— É ele. Como disse, somos ligados por magia.
— O que isso quer dizer?
— Que se você olhar dentro dele, vai conseguir ver bem escondido um homem bom.
***
No dia seguinte, e ergueram cedo e seguiram o caminho. A neve cedera, e não caia do céu. Eles subiram uma encosta de uma montanha. Em determinado momento, Alfa parou diante de uma parede de pedra e olhou para os demais.
— Mestre Cás, Mestra Alfa diz que a armadura está lá em cima.
— Você entende a linguagem da fera?
— Não, Mestra. Decifro os sinais. Mestre Alfa não fala.
— Eu vou com ele.
— Não vá, príncipe. A energia maligna vai feri-lo.
— Preciso ir. Pode ser perigoso. Se eu mandar o Thu, ele não poderá ajudar muito o velho. Ele não é um guerreiro.
— Isso quer dizer então que ele não poderá me defender?
— Você dá o seu jeito.
— Vou defende-la com a minha vida mestre, ainda que ela seja uma humana fraca e miserável.
— Thu, não estou me sentindo mais segura, amigão.
Cás não ligou para as palavras da feiticeira. A peça de metal estava sobre os ombros do Logo gigante. Cás segurou-se nas alças, e gritou de dor assim que a eletricidade negra perpassou seu corpo.
— Você vai aguentar?
— Vamos ver. — Ele falou entre os dentes.
Rapidamente Alfa começou a escalar a parede de pedra. Fez com tanta agilidade que parecia livre de qualquer energia que o prendesse ou puxasse ao chão. Em pouco segundos, os dois sumiram da vistas da feiticeira e do jovem chacal sobre o bisão.
— Você acha que é seguro lá?
— Espero que sim. — De repente, thu se assustou.
— O que foi que aconteceu?
— Estou ouvindo um barulho estranho.
Krisha ficou apreensiva.
— Você acha que pode ser algum animal?
— São feras. Na verdade, é um grupo grande. Vamos nos esconder.
— Não acredito que isso tinha que acontecer logo agora.
— Eles estão a alguma distância, venha comigo, vamos observar. Droga, nós nos descuidamos. Eles estão contra o vento, não conseguimos identificá-los. Ou isso, ou é um grupo treinado. Eles estão no nosso rastro.
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O REINO DOS CHACAIS
FantasyNa terra de Algória, governada por uma raça invasora, os humanos são uma espécie decadente. Sem direito a terras, aos ofícios mais nobres, e não tendo defesa, estão sujeitos aos trabalhos mais desprezíveis, desde recolher o lixo até a limpeza de lat...