Capítulo 20

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Todo o calor ficou para trás na cidade distante, próxima da praia. O castelo não escondia que era a residência de uma Celestial. A construção era dura e fria. Krisha foi apresentada a um aposento numa torre. Nunca recebera acomodações tão dignas. A cama com peles de animais, os tapetes para proteger da pedra gelada do piso. E mesmo assim, o clima era opressor. Sentiu saudades de sua jornada na floresta, nas montanhas, e no mar. Desde que encontrou o príncipe Castanho, sua vida mudara. Havia a possibilidade de encontrar uma casa. Pensava que enfim poderia escapar dos celestiais, e eles estavam escondidos até mesmo no interior de seus sonhos. Agora, duvidava que laços pudessem unir a criaturas tão terríveis a raça dos humanos.

Fazia algum tempo que não via Cás, nem Thu. Até mesmo o velho lobo, Alfa, o monstro que a amaldiçoou com o próprio sangue, até mesmo dele, sentia falta. O seu silêncio, a sua raiva, o seu poder. E ali prostrado, diante de outro monstro ainda mais terrível que ele, a união dos dois era aterrorizante, e ao mesmo tempo triste. O que era aquilo? Sentia vontade de chorar? Eles se amavam, mas aquele amor era impossível.

Alguém bateu na porta a tirando de seus pensamentos, olhando por uma janela para o horizonte, dividido entre planícies cultivadas ao longe, e a montanhas íngremes. Ela pediu pra que entrasse e o velho Chacal, avô de Thu, entrou.

Diferente do neto, que possuía uma pelagem marrom, o velho chacal tinha a pelagem escura. Não era de fato negro. Era uma cor que imitava o carvão, um cinza escuro. Era uma cor bonita. Em certa medida, era um pouco Alfa em miniatura. O corpo magro, um pouco curvado, transmitia certa doçura. Ela se sentia próxima dele. Se ele tinha sido capaz de criar Thu, deveria ser uma boa pessoa.

- Espero que não esteja decepcionada. Esperava outra pessoa?

- Eu queria ver o seu neto. Me apeguei a ele.

- Ele realmente é um tesouro. Mas eu pensava que gostaria de ver o príncipe.

- Por que eu desejaria o ver?

- Ora, vocês são noivos.

- Não é uma relação usual.

- Imagino que nenhuma relação entre humanos o seja. Desconheço completamente os rituais de acasalamento que cultivam.

- E disso que se trata? Acasalamento?

- De certa forma sim, se o príncipe quiser um herdeiro, que ocupe sua posição em nossa corte improvisada.

Então aquele era o motivo, um herdeiro. Por que ela não pensou nisso antes? Mas qual era o motivo da urgência? Cás estaria doente?

- Eu não entendo a corte de vocês. - Krisha se afastou da janela e da pequena sacada. Andou até o meio do quarto. O chacal continuava próximo a porta, com seus mantos negros longos, um cajado de raízes contorcidas. - A rainha de vocês é a própria Celestial, Branca, a irmã do soberano. Por isso ele está em guerra com vocês. Ele quer a irmã de volta. Mas as outras pontas do mistério não foram reveladas. Por que motivo vocês não entregam simplesmente a Celestial? Essa pode ser a melhor chance de vocês.

- E trair a nossa soberana? Já se perguntou qual é a vontade dela? Se ela realmente deseja voltar para o irmão? Se ela deseja ser sua esposa? Se ela o ama?

- Celestiais não amam. Eles desejam somente poder.

- Se você pensa assim, não é diferente das feras que desprezam os humanos.

- Então tudo se reduz a uma desavença amorosa, a um amor não correspondido? Por essa razão vão mover exércitos, promoverão a guerra, e derramarão sangue de inocentes? Como Cás pode amar dois monstros, chamá-los de mãe e pai, e trair a própria raça? Eles foram responsáveis por guerras e chacinas. Nosso povo sofre ainda consequências cruéis da guerra celestial da conquista.

O REINO DOS CHACAISOnde histórias criam vida. Descubra agora