Capítulo 40

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Uma quebra no tempo
ALGUNS ANOS DEPOIS

Saí segurando a mão de Lilith da escola primária em Charmkovik.

Eu havia sido chamada porque a diabinha mordeu um colega de turma. De novo.

— Lilith, não pode morder seus colegas. — A repreendi, enquanto nos guiavamos até o carro.

— Mas ele é idiotinha. — Falou a pequena pessoa, ainda com raiva.

— Eu entendo isso. Mas não pode morder na escola, porque se não, aquela diretora babaca vai acabar te colocando no "espacinho da reflexão" de novo. Você quer?

— Não. Mas o Peter, puxou meu cabelo lindo, quebou minha bonequina, bateu na minha amiga Tessa, melecia um monte de modida sim. — Soltou, irredutível, emburrada. Me fazendo rir. Ela não estava errada, não tinha que aceitar que encostassem nela. — A TESSA! — Exclamou e soltou da minha mão saindo correndo até a pirralha loira que estava sendo guiada por um homem e seu chofer até um carro de luxo.

Suspirei, me sentindo ser observada, olhei a minha volta e não vi ninguém me olhando, mas a sensação não saía de mim, pesando meus ombros.

Então, apenas segui a diabinha que corria pela parte gramada em suas pernas curtas com suas inseparáveis galochinhas vermelhas, quando chegou perto da menina, esta, se virou pra ela, e se livrou do pai. Eu nunca tinha o visto em Charmkovik, e dado ao seu carro, ao chofer, e o sobretudo ridiculamente caro... Não era qualquer um.

Ele se virou em minha direção, enquanto as duas meninas falavam coisas de criança, notei então, a garota, Tessa segurando a boneca de Lilith, sem a cabeça.

(...)

— Não cola a cabecinha, Lily. — Disse Tessa pra Lilith. Lilith pegou a boneca de volta um tanto chateada, afinal havia sido presente de Carmo e ela a tinha desde seus primeiros meses.

E o homem observava a interação. Era robusto, loiro de olhos claros e um tanto frios. Feições sérias. Era... O que eu poderia chamar de homem que eu gostaria de ter em minha cama. E como minha vida sexual a tempos se resume a dois dedos, pois Charmkovik é o pior lugar do mundo pra uma foda casual, tendo em vista que eu não sou uma mulher de relacionamentos e nem quero um... Afinal, eu nunca vou estar preparada pra um, e sei que não vou amar de novo. Mas o problema deste lugar, alem da calmaria entediante, é que todos se conhecem, e conhecem quem se conhecem e são bastante retrógrados, cidades pequenas, grandes fofocas. E eu não podia chamar muita atenção pra mim.

Isso acabou.... Acomodando o monstro dentro de mim, ele era quase um poodle agora. Eu estava sendo amaciada pelo tédio. Querendo esganar alguem só por diversão.

— Vai ter outra boneca, Lilith. — O homem disse em sua voz clara e polida, o sotaque britânico presente, franzindo o cenho ao falar o nome da minha filha. Era um ótimo nome. O que chamou a atenção da diabinha foi a menção de outra boneca, pois logo soltou um "vou?", e ele assentiu antes de prosseguir. — Nada mais justo, afinal ele a estragou quando você defendou Tessa, certo? — Disse ele olhando para ela, mas em seguida ergueu seus olhos a mim, firmes.

Esse não era o olhar de um qualquer, diria eu. Experiente, em saber como seres humanos são.

— É. — Lilith concordou.

— A Lily é minha melhor amiga do mundo, pai. —  Disse a outra, como se contasse uma novidade grandiosa e Lilith também soltou "você também é a minha", e eu não sabia se sorria ou revirava os olhos. O homem enfim sorriu, mas seus olhos estavam em mim, ele deu um passo em minha direção e eu me aproximei também.

DicotomiaOnde histórias criam vida. Descubra agora