Capítulo 21.

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É engraçado pensar em o quanto as coisas podem se tornar diferentes em um espaço de tempo não tão longo.

Tão rápido quanto só os dias felizes podem passar, logo, dias se tornaram semanas, tempo que voou como flashs de luz aos meus olhos apaixonados e sonhadores.
Sem planejar ou perceber, gradualmente eu recebi o visto permanente no planeta Salazar.

O que antes me parecia um sonho distante e sem esperança, agora era uma realidade tão fácil e simples, que aqueles dias de indecisão pareciam ter acontecido em outra era.

Não, Salazar não sabe do meu amor, e acho que nem desconfia. Mas, isso não me deixa triste ou frustrado, muito pelo contrário. Nessas semanas, a cada novo dia, eu descobri que ser amigo dele já é algo surpreendentemente satisfatório.

Agora, tudo acontecia entre nós de maneira tão orgânica e natural, que atitudes outrora tão fora da realidade, aconteciam com frequência e tranquilidade.
Os dias no Gordon se dividiam entre as aulas chatas e longas, e os intervalos nas arquibancadas, onde eu, Salazar e não tão raramente Isaac e Mina nos juntavamos para dividir pacotes de salgadinhos, sucos de caixinha e algumas boas e sinceras risadas.

Sim, Isaac com seu jeitinho tão divertidamente tímido e por vezes tagarela, também conseguiu um visto no planeta do meu amado, assim como Mina, que já fazia algumas visitas por aquelas bandas silenciosas mesmo antes de minha nave aportar.

Eram momentos tão bons e tão banais, que acho que ninguém entenderia comemorar algo assim. Mas eu sabia, ao olhar aquele garoto de olhos castanhos, que aquilo, aquela pequena e tão trivial reunião de adolescentes, tinha um significado muito maior do que se podia imaginar.

E se para ele era assim, para mim não era menos importante.

Porque a máxima falada, de que ver quem se ama feliz, nos trás a mesma felicidade, nunca me pareceu tão verdadeira.

Esses momentos eram especiais, mas eu estaria mentindo se não dissesse que quando estávamos a sós, era ainda melhor.

Compartilhávamos nossas músicas, histórias, balas de goma e sorrisos. Eu amava ver sua gargalhada rouca e tímida, o modo como sempre coçava a nuca ao me fazer uma pergunta.

Eu amava ver seus olhos escuros se fixarem no vazio do campo ao falar sobre seus animais, ou as plantas do jardim de sua casa, que descobri ser ele o responsável por cuidar.
Salazar falava com uma empolgação contagiante sobre o que gostava, seus olhos brilhavam e ele sempre se mostrava sem nenhuma reserva para mim.

Ele não se incomodava com meu linguajar cheio de palavrões, ou os apelidos que eu sempre usava para falar com Isaac.

Certa vez, após deixarmos meu amigo cabeçudo em casa, depois de uma longa caminhada no parque, me despedi de meu amigo, usando claro um de seus milhares de apelidos, relacionados ao tamanho de sua cabeça.

Logo, Salazar falou:

- Ele sabe que você gosta dele.

Sim, ele sabia, ele percebia que cada xingamento ou brincadeira fazia parte de uma longa e infantil amizade, ele sentia isso. Porque essa era a verdade, e só alguém tão verdadeiro quanto ele poderia ver aquilo. Ver o real entre as falas dos outros.

Descobri que gostava de boxe, principalmente lutadores da década de 70. Que não tinha medo de filmes de terror, que era pior que Isaac em jogos de luta, e que se ofereceu para o trabalho na lanchonete para que o filho do dono, o senhor do balcão, pudesse voltar a estudar.

Minha mãe o adorou logo na primeira vez em que ele pisou em nossa casa. Ele tímido e calado, foi levado ao extremo com as brincadeiras bobas da minha matriarca, se rendendo as risadas não muito tempo depois.

Ele sempre me surpreendia, com seus hábitos diferentes, sua visão de mundo tão viva, calma e boa.

Assim era Quentin Salazar, verdadeiro e único.

E assim, um semestre chegava ao seu fim, e as cores do outono pintavam folhas verdes com tons terrosos. Anunciando aos alunos do Gordon que o grande acampamento inter colégios estava prestes a acontecer.

Isso me deu um fôlego renovado, quando lembrei o quanto tinha sido divertido no ano anterior.
Salazar não havia ido, mas desta vez, eu faria todo o possível para que ele não perdesse esse evento.

Um final de semana inteiro de atividades ao ar livre, sem pais, sem hora para dormir, no meio da natureza exuberante do parque florestal de Moowa.
Tudo organizado pelo Gordon, e os outros três grandes colégios de ensino médio. Era uma loucura controlada, mas ainda assim era uma loucura.

E eu faria qualquer coisa para que Salazar estivesse a bordo desse trem de malucos junto comigo.
Seria muito mais divertido com a sua companhia. Porque tudo era sempre melhor quando ele estava presente.

Quem sabe a brisa da floresta não fazia seu coração se apaixonar por mim?

Me deixem sonhar, ok?!

I Hate Apple! ( Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora