5.2

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Passei um bom tempo sentado no chão do quarto com aquela caixa na minha frente.

O relógio digital sobre a mesa de cabeceira ao lado da minha cama marcava meia-noite e seis. Minhas mãos estavam espalmadas no chão atrás de mim, e meus braços esticados me faziam manter o equilíbrio antes que eu decidisse ajeitar a postura relaxada e puxar a caixa pra mais perto.

Ao levantar a tampa, a primeira coisa que vi foi um envelope com as palavras "este primeiro" sobre um pequeno monte de outros envelopes. Logo depois, observei uma caixinha larga e preta, outra branca idêntica e uma câmera Polaroid. Também havia um plástico grosso dobrado no fundo que acabou provocando minha curiosidade, mas decidi respeitar o pedido dela e peguei o primeiro envelope.

Eu ainda tentava me convencer de que tudo aquilo era dela.

Era uma carta dela. Existiam palavras de Jane Holligan ainda não lidas, e eu seria o primeiro  e talvez o único  a ter acesso a elas.

Ainda soava extraordinário demais pra mim.

Não encontrei nenhuma dedicatória, e o adesivo que lacrava perfeitamente o envelope era a prova de que ele nunca tinha sido aberto. Precisei de mais alguns minutos encarando-o antes de finalmente abrir, reconhecendo a letra cursiva de minha mãe antes de começar a ler:

"Meu querido filho,

alguns anos devem ter se passado desde que escrevi esta carta, mas não preciso prever o futuro para saber que você se tornou muito mais do que eu poderia imaginar. A vida é uma caixinha de surpresas, e uma prova disso é tudo o que me aconteceu e que, não se preocupe, estou prestes a contar. Sem drama ou enrolação, pois sei que isso te deixaria nervoso. Irei direto ao ponto.

Basicamente, a bebida me trouxe complicações irreparáveis que fizeram com que me restasse algum tempo de vida que não convêm apontar com precisão. E esse tempo está acabando.

Acredito que isso não vá fazer nenhum sentido inicialmente. Mas é a realidade, eu garanto.

Você deve estar se perguntando a razão de eu ter escolhido esconder isso de você e de seu pai. Aí vai: talvez eu seja fraca demais para ver vocês sofrendo com uma morte iminente por tanto tempo. Eu fui fraca, Benjamin, e percebi isso tarde demais. Espero que me perdoe.

A questão é que o que farei em algumas horas não foi uma decisão tomada em um momento de desespero, por estar cansada de minha vida ou algo assim. Eu partirei de qualquer jeito, e as dores fortes de que o médico me falou começaram há algum tempo. Elas estão cada vez menos suportáveis.

Quero que saiba que, apesar de tudo isso, estou em paz. Pode parecer ridículo e talvez até medonho, mas é a verdade. Estou em paz por ter vivido os melhores anos de minha vida com os dois homens que amo e por saber que, mesmo que a notícia os cause sofrimento, ele não será tão desgastante quanto se vocês tivessem passado tanto tempo sofrendo enquanto mimavam uma mulher com câncer. Um longo tempo a menos de angústia para quem amo, e um longo tempo a mais vivendo o melhor com minha família. Apesar das circunstâncias, todos saímos ganhando alguma coisa.

Eu deixarei esta carta juntamente com algumas coisas na casa de meus pais. Apesar de meus erros, eu os amo muito e sei que um dia você irá até eles. E, bem... supondo que você esteja lendo esta carta, esse dia chegou. Saiba que estou orgulhosa.

A Teoria das Cores [#2]Onde histórias criam vida. Descubra agora