Três

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- E aí Caio? - Cumprimentou um cliente que saía da loja assim que ele entrava.
- Fala, amor. - Uma garota no balcão gritou.
- Oi, Caio! Até que enfim chegou. - Seu Jeremias, professor na Universidade e cliente das antigas acenou de sua mesa.
- Ei, migo! - Sabrina passou por ele, deu um beijo em seu rosto e equilibrou a bandeja com o café até uma mesa nos fundos.
- Oi pessoal. - Caio cumprimentou cada cliente que costuma frequentar sempre ali e os outros funcionários.
- E aí, galera?
- Oi nego! - Adriano, o gerente estava atrás do balcão, com uma expressão preocupada no rosto. - A bruxa da sua madrasta está aí.
- Eu tô sabendo...
- Ela quer falar com você e parece aflita.
- Já sei o que essa chata quer. Vou lá da o remedinho dela... - Caio balançou o frasco de cápsulas de calmantes.
- Não querido, não acho que sejam os calmantes. Ela parece muito aflita mesmo, como se uma coisa ruim tivesse acontecido.
Caio suspirou e resolveu enfrentar a bruxa de uma vez
- Oi... - Ele disse com cautela colocando a cabeça pra dentro do escritório de Suzana.
Ela abanou a mão pra ele, estava de costas em sua cadeira, virada pra parede falando no telefone em inglês. Ela ria e ponderava. Caio se sentou na cadeira em frente a dela e ficou esperando.
Caio abaixou a cabeça pra olhar uma notificação em seu telefone. Joaquim havia seguido ele no Instagram. Intrigado, ele começou a fuçar o Instagram do cara admirando as fotos das viagens e shows.
Quando terminou a ligação, Suzana se virou pra ele e disse:
- Pode me dizer por que demorou tanto? - Ela falou em um tom cansado, como se estivesse com sono.
- Eu estava na escola, Suz... Ah! - Se assustou ao erguer a cabeça e olhar pra ela.
Suzana era realmente uma mulher muito linda, mas Caio sempre se perguntou se parte da sua beleza era resultado de muita plástica. Ele ouviu falar que o presente de aniversário de dezoito anos dela foi uma cirurgia no nariz. Caio a olhou com a cara inchada e o queixo estava de forma engraçada, ela não estava tão bonita quanto costuma ser.
- O que aconteceu com você? - Ele estava de olhos arregalados.
- É um efeito da harmonização facial. - Ela abanou a mão. - Vai passar logo, logo.
- Você está ridícula.
- Obrigada. - Ela foi irônica. - Agora... Não me interessa que estava no colégio, quando quero você aqui é pra estar aqui
- Eu pego as duas e meia, Suzana. Eu estava...
- E por que não atendeu as minhas ligações? Eu precisava falar com você.
- Meu celular ficou em casa. Saí atrasado na pressa, graças à você que não me esperou. Tive que passar em casa pra busca-lo, porque...
- Não tenho que te esperar, meu tempo é dinheiro! - Ela o interrompeu de novo. - Mas enfim, você já está aqui. - Ela se encostou na cadeira e pegou seu celular de novo, ainda falando com ele. - Estamos com problemas financeiros.
- Como assim, problemas financeiros? - Caio parecia alarmado.
- Não fale alto! - Ela encarou a porta. - Não quero que saibam por aí. Mas o dinheiro de seu pai está pouco e eu não posso mexer no seu dinheiro da faculdade pra pagar umas dívidas.
- Que dividas?
Ela o encarou de novo, depois suspirou.
- Enfim! Eu talvez comece a fechar umas lojas. A situação está critica, estou conversando com o Carlos pra ver o que podemos fazer. - Ela falou, mencionando o advogado da família.
- Que tal parar de fazer plastica
- Bom, vamos precisar fazer umas mudanças. Alguns funcionários de casa vão ser demitidos e vou precisar da sua ajuda...
- Como assim "minha ajuda"? - Caio a encarou desconfiado e com medo do que ela poderia propor.
- Preciso que trabalhe pra mim por três meses de graça.
- O que? Nem pensar!
- Preciso que faça isso, Caio. Mas não se preocupe. Irei te pagar tudo depois e com juros.
- Isso é ilegal!
- Tecnicamente, não.
- Eu não posso trabalhar pra você de graça, Suzana. E nem vou. São as minhas economias, preciso dessa grana.
- Bom, se você quiser se demitir. - Suzana deu de ombros.
- Não sou maluco de fazer isso! Sabia que posso te processar?
Suzana olhou pra ele com os olhos apertados e os lábios fechados. Ela suspirou e colocou o celular de lado e cruzou as mãos na mesa.
- Você acha mesmo que pode me derrotar no tribunal? Sabe muito bem que meu nome é de peso e você não prejudicaria sua futura carreira, que você acha que vai ter, perdendo seu tempo se metendo em meu caminho. Estou dizendo que vou te pagar e eu te dou a minha palavra. - Ela pôs a mão no peito. - Além disso, vai mesmo querer prejudicar o império que seu pai construiu pra você? Não é você que ama tanto esse lugar? Se quer ajudar a salvar esse lugar, afinal muitos funcionários serão mandados embora, você vai ter que sustentar isso aqui ou as portas irão fechar. É isso que você quer, Caio? Quer que o estabelecimento de seu pai, o sonho dele desmorone desse jeito?
Caio chegou a abrir a boca e estava prestes a argumentar, mas então se calou e sentiu um aperto no coração. Ele se sentiu mal e Suzana sabia como atingi-lo, era só mencionar o pai... Ele amava sim a Elias', era uma herança dele e apesar de estar tudo no nome de Suzana, o lugar só não é uma bagunça porque ele não deixa. Até mesmo o Adriano diz que ele é mais gerente que o próprio. Caio cuidava daquele lugar para o pai e para o avô que não conheceu. O lugar onde seus pais se conheceram e se apaixonaram. O lugar de tantas histórias incríveis e bem interessantes. Ele não podia deixar que isso se esvaísse.
- Eu faço isso. Se você prometer me pagar tudo depois desses três meses e eu não vou aceitar que me enrole um mês a mais! - Caio a encarou bem sério.
- Pode me chamar de qualquer coisa, mas não pode dizer que não cumpro com a minha palavra.
- Ótimo. - Caio relaxou na cadeira, mas não estava realmente relaxado. Sua cabeça doía de tantas coisas passando por ela.
- Agora... Os meus calmantes?
Caio revirou os olhos e entregou a ela o frasco, que o pegou e começou a abri-lo. Enquanto despejava mais de cinco cápsulas na mão, disse
- E será que pode dar um jeito no banheiro dos clientes, por favor? Parece que algum sem noção o entupiu. - Suzana disse.
Seu enteado abriu a boca pra começar a contextualizar, perguntar porque ela não mandava outro funcionário, mas ele sabia que discutir com a Suzana era perda de tempo, principalmente quando ela mandava ele fazer alguma coisa.

Caio estava cabisbaixo na sala de funcionários, ele se sentia mal e segurava o estômago que estava revirando. Ele não contou para ninguém que alguém poderia ser demitido, tinha medo de que alguém surtasse e quisesse sair logo ou fizesse alguma besteira. Tinha que manter o controle se quisesse que tudo desse certo em seu trabalho. Por hora, ele precisava focar em salvar o lugar tão sonhado pelo seu pai. Queria entender melhor a situação da franquia, como estavam as outras lojas, mas a sua querida Madrasta não queria lhe falar nada. Ele tentou não discutir, iria descobrir depois com calma o que estava acontecendo e por que o financeiro estava prejudicado. Enquanto isso, ele atendia as mesas, limpava os balcões e conversava com alguns clientes, tentando manter o clima mais agradável.
Quando Suzana foi embora, sem se despedir de ninguém, apenas falando pra Adriano "Vou pra casa", todos se sentiram mais aliviados.
- Ei, o que aquela bruxa queria? - Perguntou Sabrina enquanto os dois lavavam a louça da tarde.
- Encher o saco, é claro. Mas está tudo bem. - Caio mentiu.
- Sempre que ela está aqui o clima fica tenso, sei lá.
Caio apenas deu de ombros. Sabrina esbanjou um sorriso travesso.
- Você devia cantar um pouco pra aliviar a tensão. - Ela disse.
O garoto ficou um pouco nervoso, odiava cantar na frente das pessoas, na verdade ele tinha um pouco de medo de palco, porém ele sempre se sentia a vontade cantando na Elias', principalmente ali na cozinha, onde estava cercado por sua verdadeira família e todos adoravam ouvi-lo cantar.
Então Caio suspirou e começou a cantar Jardins da Babilônia, que ficou muito conhecida na voz da Rita Lee. Todos batiam palma, Jacques e Paola dançavam juntos e até mesmo o próprio Caio pegou Sabrina pela cintura.
- Pra pedir silêncio eu berro; Pra fazer barulho eu mesma faço; Ou não...
Quando terminou todos aplaudiam e já voltavam ao clima normal e brincando.
- E como foi lá com a ruivinha? - Caio provocou a amiga.
- Bem... - Sabrina ficou nervosa de repente e deu um sorriso dengoso. - Foi incrível! Nossa! Ela é realmente tão linda quanto na foto e tão maravilhosa quanto nas conversas e tão fofa e tão...
- Nossa, ela é tudo o que você esperava.
- Isso. - Os dois riram e Sabrina secou as mãos pronta pra começar a varrer a cozinha. - Sei lá, talvez dê certo dessa vez.
Algumas pessoas colecionam revistas em quadrinhos, outras palhetas de guitarra, tem gente que coleciona canudo, mas Sabrina coleciona histórias de amor que nunca dão certo. Sabrina é uma grande amiga de Caio, tanto quanto Diana e Caio já conhece de cor todas as histórias dela com suas namoradas complicadas.
- É... - Ele comentou. - Quem disse que namoro de aplicativo não dá certo.
- Pois é. - Ela deu uma risada nervosa. - Agora vem cá, você vai se inscrever naquele concurso da sua escola, não é?
- Como você está sabendo disso?
- Ah, eu sei de tudo!
- Não sei. Ainda estou pensando na ideia.
- Ainda esse medo bobo de palco? Caio, você é um cantor incrível.
- Você achar que canto bem é uma coisa, agora cantar na frente de uma plateia, cuja qual são meus colegas de escola que vivem me zoando... Ah, não!
- Deixa disso! Tenho certeza de que você vai arrasar.
- Será? - Seu coração acelerou. Parte dele queria enviar o vídeo de inscrição, mas ele ainda não tinha certeza se deveria.
Os jurados selecionariam os alunos que iriam participar do Show e Caio tinha a possibilidade de ganhar um contrato na companhia de teatro do pai de Joaquim. Ou perder.
- Eu vou pensar.
- Deveria pensar rápido. - Sabrina o encarou. - Você tem praticamente só até amanhã.
- Eu sei... - Ele suspiro cansado.

Um Diferente Conto Da Nova CinderelaOnde histórias criam vida. Descubra agora