Um Diferente Conto Da Nova Cinderela

Seis

- Já chega desse assunto, Diana! - Caio sufoca um grito, revirando os olhos e se pondo de costas para a amiga, enquanto caminha até a biblioteca.
- É só que eu ainda não consegui entender como aquela garota está no concurso e você não. - Diana vai atrás dele.
- Eu não me inscrevi, já disse!
- Tá, essa parte eu já entendi... Eu não estou nem um pouco de boa com o fato de você ter desperdiçado uma grande chance, mas qual é? Todo mundo sabe que ela canta mal pra caramba.
- Talvez nem todo mundo. - Caio para de andar.
Os dois ficam olhando para a rodinha em volta de Amanda. Suas amigas lhe bajulando, enquanto os outros a parabenizam. O mais chato é ver que Joaquim, que assistiu ao vídeo de inscrição de Amanda, está olhando pra ela como se estivesse hipnotizado, como se ainda sonhasse com a voz de Amanda. Isso deixa Caio chateado e ele sai andando. É claro que Diana vai atrás, ainda reclamando. Por sorte, o vídeo não é disponibilizado para os outros verem, porque senão Diana descobriria tudo e já estava bem difícil para Caio esconder a verdade da amiga.
O pessoal do Café ficou chateado de Caio não ter conseguido se inscrever a tempo, pelo menos foi isso que ele disse:
- Mas tudo bem, gente! Pelo menos agora podemos focar na melhora da frequência aqui. - Caio diz na reunião de funcionários onde, graças à Deus, Suzana não compareceu. - Sei que todos estão preocupados e com medo de serem mandados embora, mas eu não vou deixar que as coisas cheguem a esse ponto. Não se preocupem, nós vamos dar um jeito.
- Pois é! - Disse Adriano. - O Cleyton teve uma ótima ideia com os sorteios dos cupcakes pra arrecadar fundo pro Orfanato aqui perto do Campus. Os clientes vão gostar de fazer uma boa ação. E ainda temos a noite de Karaokê.
- Mal posso esperar! - Diz Juliana.
- Não sei se quero cantar, não tem como competir com Caio. - Diz Sabrina o deixando sem graça.
- Não vai ter competição, será apenas para nos divertimos. E o melhor de tudo é que vai ser um momento inesquecível para os nossos clientes. - Ele fala com todo mundo. - Vamos pensar em outras coisas, também e continuar divulgando nas redes sociais nossas promoções e novidades.
Todos comemoram e se alegram com expectativa. Caio olha para Adriano quando ele fala:
- Okay. Reunião encerrada, pessoal. Amanhã quero ver todos animados e trabalhando duro, ein. - Adriano dispensa todo mundo que vai se arrumar para ir pra casa.
No vestiário dos funcionários, Caio está sentado no banco respondendo umas mensagens de Pedro, dando desculpas que não vai poder ve-lo e Pedro já está começando a ficar bem desconfiado. Acontece que Caio pode mentir pra todo mundo, mas ele não conseguiria mentir para seu padrinho, que o conhece muito bem, além de ser a pessoa em quem ele mais confia na vida. Caio acaba entrando sem querer no Instagram e ele vê os stories de Joaquim e seu coração aperta. Ele tem que admitir que agora é definitivo, ele gosta mesmo de Joaquim, porém Joaquim gosta de Amanda e deve gostar ainda mais agora que acha que a voz dela é incrível.
- Mas a voz dela é minha. - Ele murmura olhando para a tela do celular com o dedo pausado na selfie de Joaquim e Amanda.

Joaquim sempre achou Amanda fútil demais. Sim, ela é gata e ele ficaria com ela, porém a atração que costuma sentir é intelectual e com ela não houve química. Ainda assim ficaria com ela com a desculpa de que é adolescente e que os desejos em tal idade são aflorados e blá, blá, blá... Porém, nas vezes em que passaram um tempo juntos, Amanda só sabia falar de si mesma e quando falava de outra coisa era sobre moda, maquiagem, redes sociais e lhe contar fofocas do colégio. Além disso, Joaquim não gostava muito da maneira como ela tratava Caio. Ele até tentou conversar com ela uma vez sobre isso, sem sucesso.
Seu pai era patrocinador do Show de Talentos e a direção bajuladora do colégio permitiu que Joaquim fosse o apresentador, então assim como Humberto, ele recebeu os vídeos de inscrição dos alunos. Apesar de não poder escolher quem iria participar, quando viu Amanda cantar naquele vídeo, Joaquim teve a certeza de que ela merecia estar no concurso. Ele se encantou com a sua voz e sentiu algo dentro de si que nem mesmo ele soube explicar. Porém, apesar de estar feliz por ela e disposto a ajuda-la ensaiar, como ela sugeriu, ele ainda se pergunta se isso é o suficiente para ele sentir algo a mais por ela. O que ele está sentindo por ela?, é o que se pergunta.
- Oi, Jojo! - Ela ligou para ele depois da escola.
- Oi gata! Como tá? - Ele respondeu não muito animado.
- Então, eu estava pensando... Você sugeriu vir aqui em casa pra gente treinar mais um pouco.
- Pois é, seria uma boa. Quer que eu vá contigo depois da escola amanhã?
- Beleza! Ah, não acredito que terei o privilégio de dar uma ensaiada com o melhor professor do mundo.
- Que isso! - Joaquim ficou sem graça.
- Não, é sério! Você é o melhor cantor da nossa geração. Até mais que o Bieber.
- Ninguém é melhor que o Bieber. Além disso, eu também tenho ajudado outros participantes.
- Ah é? Bem... Não tem problemas pra mim. A não ser que esteja ajudando alguma garota bonita como eu e ela esteja recebendo toda dedicação...
- Não, minha dedicação total é pra você, Mandy.
- Que bom!
- E a gente nem teve tempo de conversar melhor sobre o seu vídeo. Você cantou com tanta emoção no vídeo, como se estivesse sentindo a música.
- Pois é... - Amanda ficou meio nervosa, mas logo se recuperou. - Minha professora de canto sempre fala que a emoção... Bem, a emoção é o prato principal.
- Prato principal?
- É, como numa receita e... Sabia que eu também danço? Faço balé desde os sete anos de idade e comecei aulas de Jazz há pouco tempo. Ah, Jojo você tinha que me ver em Lago dos Cisnes. Eu vou te mandar um vídeo que a mamãe gravou, eu estava tão linda como a Odette.
- Aposto que sim. - Respondeu Joaquim e ao mesmo tempo recebeu uma notificação do celular com arquivo enviado pela própria Amanda.
Quando seu pai apareceu em seu quarto, fazendo sinal pra ele desligar, Joaquim se despediu de Amanda e disse a si mesmo: Salvo pelo gongo!
Amanda ficou um pouco chateada. Ele não é como o Diogo, pensou. Se o Diogo não tivesse sido tão galinha, a gente estaria conversando a noite toda. Ela adorava conversar com o Diogo.
- Queria confirmar com você se já começou a fazer os stories pra agradecer as marcas - Humberto disse.
- Que marcas?
- As que estão patrocinando a sua festa de aniversário, né? Pelo menos pra isso serve seus videozinhos pra internet.
- É... - Joaquim ponderou um momento, depois se sentou na cama, sem encarar o pai. - Pai, eu estava pensando que talvez seria melhor eu não dar mais essa festa. Pensei em chamar meus amigos da escola antiga e fazer uma resenha aqui em casa. A minha banda antiga tocando e eu chamaria algumas pessoas da escola nova...
- Fora de cogitação. - Humberto suspirou e se aproximou do filho. - Me olha nos olhos quando estiver falando comigo, Joaquim. Já não te disse que odeio quando você não me encara. - Então Joaquim o encarou e Humberto suspirou em aprovação, depois ele disse: - Filho, eu não aprovo esses seus vídeos pra internet e nem ouvir seu telefone tocando o tempo todo com um bando de gente querendo fechar acordo contigo, como se você fosse um produto... Eu não curto isso.
- Acredite, nem eu... Mas pai, eu amo os vídeos que faço. Amo estar próximo dos meus fãs e...
- Fãs? - Humberto deu uma risada seca. - Que fãs? Joaquim, são um bando de adolescentes histéricas que acham que sentem alguma coisa pra você. É um garoto bonito e admito que tenha talento...
- Acha que eu tenho talento? - O coração de Joaquim se encheu de expectativas.
- ... Só que você não nasceu pra estar na frente das câmeras. Se quer levar adiante meu legado e fazer seu nome nesse país, dentro desse ramo precisa colocar os pés no chão, filho. Pare de sonhar e comece a pensar como um grande empresário.
Joaquim até abriu a boca pra argumentar, dizer que isso é o que lhe faria feliz, mas não estava a fim de ouvir um discurso de seu pai reclamando sobre felicidade não ter nada a ver com ter sonhos fúteis, porque para Humberto, ser um grande músico é ser fútil.
- Agora, não desperdice a oportunidade de conhecer mais este ramo se quer trabalhar com isso, um dia. Muitos dos meus amigos estarão na sua festa, por isso não pretendo cancela-la. Quanto essas marcas, controle esse povo. Acho que vou providenciar uma assessora pra você, assim ninguém fica enchendo a minha caixa de entrada com e-mails de parceria. - E com isso Humberto deixa o quarto de seu filho.
Joaquim deu uma bufada e jogou o travesseiro na porta que se fechou, depois deita em sua cama olhando pro teto. Ele fecha os olhos e cantarolou Somewhere Over The Rainbow, que sua mãe adorava cantar.
- Ah, mãe... - Murmura pra si mesmo. - Queria tanto que tivesse aqui.

Assim que chega em casa, Caio recebe outra notificação no celular de Pedro lhe perguntando se ele não vai querer jantar lá. Seu coração se aperta, pois ele não aguenta mais esconder a verdade de Pedro, mas então ele finge que não leu a mensagem e resolve subir pro seu quarto. No alto da escada ele vê um enorme cachorro com a aparência de um labrador preto e seu coração dispara.
- Mas o que... - Suas palavras são cortadas porque o cachorro começa a descer as escadas na pressa.
Sem pensar duas vezes, Caio sai correndo por toda a casa, com um cão sujo e descontrolado correndo atrás dele e latindo.
- Socorro! - Ele grita. - Aah!
Ele andou a casa toda até que pensou em se esconder na sala de jogos, trancando o cachorro do lado de fora. Ele não parava de latir, quando ele olhou pra dentro, viu Dudu jogado no sofá jogando em seu video game.
- Dudu, tem um cão maluco lá fora!
- Eu sei. - O irmão diz com indiferença, deixando Caio confuso.
- Mas...
- É o meu cachorro. - Dudu se levanta e abre a porta.
Caio pensa em correr de novo, mas o cachorro chega mais perto e quando Caio pensa que ele vai ataca-lo, o cão senta e lhe pede carinho. Hesitante, ele se abaixa e percebe que o animal é manso. O cão até lambe sua cara.
- Ah, calma garoto! - Caio ri e continua as carícias. - Mas eu não estou entendendo.
- Eu achei ele na rua, então a mamãe deixou que eu ficasse com ele, mas disse que era pra você tomar conta.
- Ah, nem vem! Já não bastava ser escravo nessa casa, limpando ela todos os dias depois da escola, antes de ir pro trabalho, porque nem você e nem sua irmã querem fazer nada, além do fato dela explorar a minha voz com aqueles ensaios ridículos, ainda vou ter que tomar conta de um cão? - Caio estava mesmo com raiva.
O garoto se recusava a ser explorado daquela forma. Ele não tinha muita escolha a respeito do concurso e no caso da limpeza da casa, se ele não fizesse algo a casa inteira ficava uma bagunça e completamente suja, mas ser babá de um cachorro já era demais.
- Dudu! - Ele encarou o irmãozinho, que ainda estava de olhos vidrados no celular, jogando, sem dar muita importância pra ele. - Você está prestes a fazer nove anos, o que significa que deve ser mais responsável. Você quer mesmo ficar com esse cão?
- Sim... - O garotinho disse acariciando o animal que foi até ele. - Eu gosto muito do Arnaldo.
- Muito bem... Espera, Arnaldo? - Dudu deu de ombros e Caio revirou os olhos e resolveu deixar pra lá a questão do nome do cão. - Enfim, se você gosta mesmo desse cachorro, eu espero que saiba que ele é um ser vivo. Não é como um dos inúmeros brinquedos que você ganha e deixa num canto e só brinca com ele quando lhe dá vontade. Ele come, ele faz necessidades e ele precisa de atenção, ser treinado... E de um bom banho, também. - As mãos de Caio estavam fedendo.
- Eu sei. É por isso que eu tenho você. O melhor irmão mais velho do mundo! - Dudu disse pra ele com um sorriso largo.
- Claro que não, diabinho! - Caio se aproximou do irmão e se sentou ao lado dele no sofá acariciando seu rosto e deixando Arnaldo apoiar a cabeça no seu colo. - Ele é o seu cachorro. Você quis pega-lo, então você deve se responsabilizar por ele. Eu posso te ajudar, mas você tem que provar que merece ficar com ele.
- Eu quero.
- Então vamos fazer um trato. Se você cuidar bem do Arnaldo, adestra-lo e ele estiver mais gordinho e saudável até o seu aniversário, eu vou te dar aqueles fones de ouvidos novos para jogos que você anda perturbando a sua mãe pra comprar.
- Sério? - Dudu arregalou os olhos pro irmão com entusiasmo.
- Sim... Tenho minhas economias.
- Oba! Não, claro! Você vai ver... Serei o melhor dono que o Arnaldo poderia ter. - Ele se levantou e foi chamando o cachorro. - Vem, Arnaldo. Vamos tomar um banho.
- Espera, eu ajudo vocês. - Caio se levantou rindo. Ao chegar na sala ele viu Suzana entrando pela porta da frente.
- Ah! Limpe essa sujeira de cão, pela amor dos Céus! - Ela suspira de forma cansada, encarando as pegadas de lama pelo chão das patinhas de Arnaldo.
- Sim, sinhá. - Caio debochou. - Deseja mais alguma coisa, sinhá? Que eu prepare seu banho? O jantar?
- Para de palhaçada, moleque!
- Ah, não... Por que você acha mesmo que tenho que fazer tudo o que você pede?
- Tudo não, mas é melhor não atrapalhar meus planos.
- Estou avisando, Suzana. Você não vai se dar bem nessa. Uma hora vão descobrir tudo.
- Não vão, porque eu sei fazer as coisas. - Ela diz subindo as escadas. De repente para e se vira para o enteado com sua cara de cansada. - Vem cá, o que é essa ideia do Karaokê?
Caio suspira e pensa em ignora-la, indo pro banheiro ajudar Dudu, mas sabe que não escapará daquela conversa tão facilmente.
- É uma noite de Karaokê que vai chamar clientes. Além disso, terá um concurso e o ganhador ganhará cupcakes de graça até o fim do ano.
- Ah... Gostei da ideia! - A bruxa sorri e depois retoma sua cara de nojo. - Mas espero que não esteja planejando cantar nesse Karaokê.
- Não vou.
- Ótimo! Por que se fizer isso, você vai se arrepender. E não esqueça que amanhã iremos ensaiar a dublagem da Mandy. - Diz Suzana indo pro quarto.
Caio suspira e vai até o sofá, onde tem uma almofada. Ele a pega e solta um grito com a cara enterrada nela, de tão frustrado que está.
- Caio! - Grita Dudu do banheiro! - Esse bicho está cheio de carrapato!