christmas gift

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Eu me assumi para a minha família na véspera de natal. Estávamos jantando à mesa de seis cadeiras com meus pais, minha irmã e meus tios. Meu pai estava cortando o peru para nos servir, minha irmã estava encarando a árvore de natal, na expectativa de quais daqueles presentes eram para ela (praticamente todos. As crianças sempre ganham todos os presentes no natal), minha mãe estava servindo ela e sua irmã com mais um copo de cerveja, meu tio estava mexendo no celular, alheio à tudo por causa do seu trabalho e eu estava encarando todos, esperando para dar a notícia. Esperando para tudo mudar.

Eu conhecia minha família o suficiente para saber que eles odiariam aquilo. Falar sobre um assunto sério enquanto estávamos jantando num dia importante para todos ali. Minha mãe perguntou se eu queria cerveja, eu balancei a cabeça e murmurei:

- Eu sou lésbica.

Minha mãe derramou um pouco de cerveja na mesa.

Meu pai quase cortou o dedo enquanto estava cortando mais um pedaço de peru para o meu tio.

Meu tio quase deixou o celular cair no chão.

Minha tia se engasgou com a cerveja.

Minha irmã continuou encarando a árvore.

Minha mãe ficou vermelha. De raiva? De vergonha? Eu nunca soube ler sua expressão.

- Me desculpem, mas eu quero apresentar vocês à minha namorada - eu disse, sem parar para pensar, senão nada sairia da minha boca.

- Namorada? - minha tia perguntou, tossindo.

- Cornélia - meu pai disse, ríspido - isso não é hora e nem lugar para isso. Vamos comer nossa ceia em paz e amanhã conversaremos.

A noite toda foi ruim para mim. Eu não sabia para onde olhar, o que fazer, ou com quem falar. Minha mãe me ignorava, quando meu pai olhava para mim, seu olhar demonstrava apenas desprezo. Meus tios conversavam comigo, mas pude notar que era por educação. Minha irmã era a única pessoa ao meu lado naquela noite.

Ela me mostrou todos seus brinquedos, como se eu não tivesse ajudado todos a escolher algo para ela.

- Porque você tá triste? - ela tocou no meu rosto - você ganhou o que queria - ela disse, mostrando a câmera fotográfica que eu havia pedido ao meu lado no sofá.

- Não estou, mana - eu disse, a abraçando.


Eu fui deitar logo depois da entrega de presentes e fechei a porta, esperando que ninguém entrasse ali.

Minha mãe desejou boa noite do outro lado da porta, nem quis olhar para mim.


Acordei cedo na manhã de natal e saí, queria ficar longe da minha casa. Pensei em ir até a casa da minha namorada, eu sabia que ela me apoiaria, mas não podíamos nos ver naquele dia, ela estava com a família que também não sabia de nós.

Enquanto eu estava passeando pelo parque perto de casa, notei um homem vestido de papai noel sentado em um dos bancos. Ele estava conversando sozinho e ajeitando seu saco vermelho cheio de presentes.

Não pensei muito, mas me aproximei do homem e sentei-me ao seu lado. Ele parecia solitário, e eu me sentia assim.

- Feliz natal - eu disse, tentando sorrir.

- Feliz natal! - ele disse, animado, tirando a atenção dos presentes e olhando para mim - seu natal está sendo bom? - ele perguntou e eu bufei, tentando segurar o choro.

- Não, mas talvez melhore - eu dei de ombros - você realiza pedidos ou só da presentes?

- Acho que nenhum dos dois - ele riu e olhou para o baixo, encarando o saco de presentes. Eu olhei também. Eram pequenos presentes com embrulhos coloridos - eu só entrego presentes pra comunidade.

- Comunidade? - perguntei, imaginando que ele estaria falando das pessoas de baixa renda.

- Do Vale - ele disse, como se eu conhecesse. - é uma casa com jovens homossexuais que foram expulsos pelos pais. Eu entrego presentes lá todos os anos - ele sorriu - meu filho morreu nas mãos de um homofóbico e eu não sabia o que fazer para ficar bem...

- Meu Deus - eu toquei no seu ombro - eu sinto muito! Eu poderia conhecer essa comunidade?


Não sei o que me deu para dizer aquilo, ou sequer ir com ele até aquela casa, mas foi a melhor decisão que eu havia tomado em muito tempo.

As pessoas lá dentro me receberam bem, e ainda disseram que eu tinha um lugar reservado caso meus pais não me aceitarem. Eu senti um frio no peito com essa possibilidade, sabia que logo teria de voltar para a casa e lidar com tudo.

Havia apenas duas garotas na casa, e as duas namoravam.

- Você será feliz aqui, mas eu realmente espero que nada de ruim aconteça - uma das garotas disse quando eu estava pronta para sair.

O papai noel saiu junto comigo e me encarou.

- Você precisa ser forte - ele disse - e se precisar de um canto, já tem - ele apontou para a casa atrás de nós. Seu saco vermelho já estava vazio e ele já estava tirando sua barba de mentira.

- Obrigada por ter salvado meu natal - eu disse quando me despedi dele.


Meus pais estavam preocupados quando cheguei em casa.

- Onde diabos você estava? Não atende o telefone, não avisa onde está - minha mãe me explodiu de perguntas.

- Meu Deus - meu pai se aproximou de mim e me abraçou - você está bem?

- Estou, mas se vocês quiserem que eu saia de casa...

Eu estava na defensiva, pronta para eles me expulsarem e me xingarem, dizendo que eu não era filha deles, mas minha mãe começou a balançar a cabeça rapidamente

- E porque iríamos querer isso?

- Porque eu sou lésbica - eu sussurrei, porque apesar de muita gente saber, ainda era meu pequeno segredo.

- Mas você é nossa filha - meu pai disse, como se fosse óbvio - e deveria ser -.

- Mas vocês me aceitam assim, como eu sou?

- Aceitamos, é claro - minha mãe revirou os olhos - vamos conversar sobre tudo, mas saiba que nunca te expulsaríamos de casa.

Contei a eles para onde eu havia ido naquele dia, contei sobre minha namorada, que já estávamos há sete meses juntas.

- Como conseguiu esconder por tanto tempo? - meu pai perguntou, incrédulo.

- Foi difícil - eu disse, suspirando - mas agora que vocês sabem, eu me sinto mais calma - eu comecei a dizer.

- Eu quero conhecê-la - minha mãe disse, me surpreendendo.

O restante da noite de natal foi surreal. Meu pai foi buscar minha namorada em casa e jantamos juntos na mesa de seis lugares: meus pais, minha namorada e minha irmã.

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