Lembranças

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Narrado por Eliane Giardini

É estranho dizer o quanto fiquei desiludida e abalada com a relação que mantive com Werner, justamente​ pela forma inesperada como tudo terminou. Até a ficha cair e me mostrar que eu havia sido abandonada após inúmeras juras de nossos sentimentos, uma casa comprada só para nós e planos para o futuro eu permaneci em estado de tristeza, melancolia e a cada segundo eu fechava os olhos com certa força na expectativa de abri-los e encontrar Werner na porta da minha casa dizendo que tudo aquilo não passou de um pesadelo e de que tudo estava resolvido. Ele ficaria. Doce ilusão. Quando o meu casamento com Paulo chegou ao fim, foi normal o meu período de luto, afinal de contas vinte e cinco anos não são alguns dias. Porém, os poucos meses que passei com Werner deixaram marcas tão profundas e arraigadas dentro de mim que até hoje a simples menção de seu nome em algum lugar causa-me uma dor pontiaguda. Eu não conseguia sair na primeira semana. O cheiro dele estava impregnado em cada canto da residencia, os carinhos que recebi horas antes de nossa despedida ficaram tatuados em minha pele alva e era como seu eu quisesse aproveitar os resquícios de lembranças que ele havia deixado. O amor que ele disse sentir por mim marcou-me para sempre. E na minha cabeça só vinha os ensinamentos de uma canção. “E o pra sempre, sempre acaba.”

Por mais que o tempo passasse eu não conseguia mais ficar em meu próprio apartamento porque me afundava nas leituras dos bilhetes e das pétalas de rosas que esmaguei no dia do abandono e que guardei. Hoje estão secas como​ o lugar reservado e ele em meu coração. Tudo, excepcionalmente, me recordava os bons momentos e principalmente, seu olhar desesperado de tristeza ao sair pela porta, deixando-me sozinha. Ele não tem ideia do que fez comigo. Ele não​ pode imaginar as noite de insônia que me assaltaram durante todos esses anos. Passei a desacreditar de promessas e de declarações de amor. Tudo o que penso sobre relacionamento hoje é muito racional. Não se deve prometer nada a alguém ou criar expectativas demais. Se der certo, ótimo, caso contrário não irei padecer com isso. Essa promessa eu fiz a mim mesma quando tomei algumas decisões.  

Decidi então vender a propriedade depois de pesquisar casas em condomínios aqui mesmo no Rio de Janeiro. Eu precisava respirar ar puro, não podia mais e nem suportava a vida em um apartamento, vida esta que me privava de muitas coisas, de prazeres como andar na grama e ter rosas e crisântemos plantados nos jardins. Eu tinha a necessidade de retomar algo da minha infância e juventude, qualquer coisa que me tirasse dos pensamentos ruins. Não tive dúvidas nenhuma ao comprar uma linda casa e pela qual fiquei apaixonada à primeira vista, em Itanhangá. Um local afastado do centro urbano e cercado pela natureza. Definitivamente, eu começaria uma vida nova. Entretanto, mesmo depois das mudança, as tardes que passava no jardim, diante da piscina e rodeada pelos flores me levavam mais uma vez a pensar nele. “Ah Werner, você já me abandonou, vá embora também de meus pensamentos porque preciso seguir em frente.” Nas tardes de domingo eu me via deitada na cama revendo as fotografias e as cartas que não tive coragem de jogar fora e inexplicavelmente, beijava o pingente do colar que ele me deu. Esse era o pilar que ainda me mantinha forte.

Para melhorar​ meu ânimo, me inscrevi em um curso de verão num espaço chamado de A Casa de Lótus, era um ambiente destinado a estudos de psicanálise, filosofia e literatura. Eu realmente não sabia por onde começar, pois todos os cursos me agradavam e me inspiravam desde a adolescência. Eu só havia lido alguns livros à respeito e por indicação de uma amiga, escolhi o curso de literatura. Passei quatro meses mergulhada neste universo incrível. O foco do curso eram as obras nacionais e me interessei bastante por certos autores, até então desconhecidos por mim. Foi graças a esse espaço que recuperei uma dose generosa de ânimo, além de frequentar as aulas duas vezes na semana, fazia visitas periódicas à sala de relaxamento, ouvindo músicas clássicas. Tudo isso fazia​ parte das terapias psicanalíticas​ oferecida pela Casa. Mesmo não me consultando com um profissional da área, participar​ desse momento me proporcionou uma gama de percepções sobre o mundo e sobre meu estado de espírito. Foi durante esse tempo que me permiti desvendar outro lado de mim mesma, de deixar meu coração liberto do passado. Ainda que oito anos tenham transcorrido, no fundo, a imagem dele ronda boa parte de mim, porém já me sinto forte para encarar tudo isso. O tempo passou e amadureci conceitos, nem mesmo me julgo pelo que aconteceu. Sei que é impossível não recordar e sei também que, no fundo, ele ainda mexe comigo, só que com o passar dos anos a falta diminuiu dentro da mim, as recordações já não doíam mais e aprendi a aceitar os fatos. Refleti sobre nossa situação na época, afinal de contas, nós dois erramos, só resta esquecer e continuar porque a vida não espera por ninguém, ela segue o seu curso.

Não se esqueça de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora