Hell Bent

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O ambiente na TARDIS iluminado em tons embranquecidos e com o design simples transmitindo neutralidade divergia do clima tenso instalado entre o casal exasperado, que transitava contrariado pelo lugar, além de uma espectadora de braços cruzados, Ashildr assistia o "híbrido" se desentendendo a respeito da decisão que mudaria ambas as vidas para sempre.

Um precisava esquecer o outro para seguir em frente, não podiam continuar juntos, era perigoso demais para o Universo, seria a caracterização da profecia temida pelos Senhores do Tempo e a razão da loucura do Doutor, que se transformou em sua trajetória de vida no que tanto tentara evitar, um ser vil que semeia o caos e traz a destruição ao planeta Gallifrey. Clara resistia às argumentações dele, o levando a decisão de induzir as suas memórias ao esquecimento para preservar-lhe a vida, porém ela não abriria mão desse direito, perder todos os anos de companheirismo e união com o homem que lhe preencheu no momento mais crucial.

Se era a garota impossível, seria mais ainda resistindo as suas memórias, já estava morta e entre uma batida e outra, toda aquela viagem ao fim do universo não lhe estabilizou a pulsação cardíaca, pois era um momento fixo na história. Sua morte haveria de ocorrer para que o espaço-tempo não fosse prejudicado, mesmo que o tempo se curasse, cicatrizasse ainda que a contra gosto, de um rompimento temporal, tinha consciência de sua morte e em como era necessária, ajudou alguém fazendo o que sempre amou, com quem amou, não se sentia pesarosa, as pessoas encontravam-se tementes à morte, mas não ela, não Clara Oswald.

Na esperança conservar a vida de sua humana, o Doutor ultrapassou limites impostos por si próprio, atirou e baniu um homem para o nada. Não havia mais mundo, esse era o final e só existiam os três vivos naquele ambiente. Perder Clara Oswald seria como perder uma parte de si, pois como a profecia citada por Ashildr revelava, ambos eram similares e próximos, e se não fossem só amigos e envolvesse algo a mais, não sujeitaria a humana para a morte com essa ligação. Suportava viver com o peso de tantos sentimentos de milênios acumulados, sabendo que a razão deles continuava seu curso natural de vivência.

Precisava retirar as memórias dela, para que enfim pudesse libertá-la ao mundo do qual pertencia em segurança, desta maneira não era seguro, seria perseguida incansavelmente e ela se cansaria; não permitiria a extração das memórias, independente se o processo fosse indolor ou qual fosse à reação, esquecer de seu passado e de quem lhe dera amparo, seria como negar um amanhecer à alguém sedento pela vida.

Ambos eram determinados e firmes em suas ideias, perceberam que persuasão de nenhum lado surtiria efeito. Por mais triste que fosse, utilizar o bloqueador neural com a polaridade revertida era a melhor opção, caso contrário seriam obrigados a prosseguir com a presença arrasadora de ambos, o que os desgastaria de forma física e psicológica tal como uma bomba-relógio, em que espaço e tempo seriam afetados pela última explosão.

Juntos, iriam descobrir o final dessa disputa, que consistia na preservação de um bem maior e do sentimento abissal que compartilhavam, estavam emocionados, era o fim da linha tênue entre os dois; não adiantava acrescentar esperanças a algo inevitável, apenas o desejar mútuo de sorte.

A tensão crescente se ampliava no recinto após a iniciação do aparelho, a qualquer momento aconteceria a reação, quem fosse escolhido, desmaiaria e após despertar, jamais se lembraria da outra pessoa. Precocemente, o resultado foi exibido.

— Então... um de nós vai... — A voz feminina saia entrecortada por conta do medo, o anseio e o fascínio. — Acho que nunca vou esquecer você!

— Oh! Clara... — O Doutor murmurou estarrecido. — Eu sei que não!

Era o homem que segurava o objeto, mas foi a mulher que se escorou nos consoles da TARDIS assombrada, seu corpo havia enfraquecido de repente e então compreendeu que fora atingida com o bloqueador neural e perderia as memórias; lágrimas grossas verteram de seus olhos castanhos e buscaram os verdes do Doutor.

— Doutor! Doutor! Você me prometeu! — estava desesperada e inconsolável. — Prometeu que sempre estaria comigo!

— E estarei, sempre vou estar... — sustentou-a no colo que caía e se agachando junto. — Clara, sempre estarei contigo!

O senhor tinha os olhos claros marejados e vermelhos, enquanto acariciava o rosto feminino colocando o cabelo curto por trás da orelha e limpava a bochecha que tornava a molhar; a jovem exibia um olhar assustado e desolado, com a garganta dolorida de soluçar.

Terminou de tombar no chão, e ainda sem desgrudar as vistas, acarinhou o rosto de rugas expressivas e sorriu ternamente, fungando.

— Doutor... — Chamou-o em um sussurro.

— Clara... o que eu devo fazer por você? — Implorou como um desejo mortal de se fazer útil uma última vez. — Vamos, me diga!

— Doutor... me beije! — Continuou acarinhando o rosto masculino, e então sua mão caiu ao lado do corpo, mas antes que as vistas escuras fechassem, se é que o corpo feminino ainda tinha a sensibilidade, beijou-a, selando o destino de ambos.

Ohila tinha razão, deu esperanças para Clara, o que era terrível para alguém no corredor da morte como ela, um maldito beco onde ficava face a face com o corvo. Embora soubesse que o espaço-tempo entraria nos trilhos se a garota continuasse com as memórias e sobrevivendo mesmo com sua morte definida, em seu interior, desejava que se lembrasse dele, desejava ele ter sido atingido pelo bloqueador e perdido as memórias, pois sabia que para humana o mais importante era ter as lembranças de um amor, um namorado que já possuíra a lacunas a respeito de sua vida amorosa.

Ashildr que até então estava de plateia, se aproximou deles, colocou a mão na bochecha apoiando o cotovelo na outra, como fizera sentada no final dos tempos.

— Isso foi triste... — Murmurou encarando o Senhor do Tempo que segurava o corpo desmaiado da humana, cujo, qualquer que os visse, saberia que jamais era apenas amizade entre eles. — e bonito!

Como se saído de um transe, percebeu que não estava sozinho.

— Ashildr... — Começou, mas foi interrompido.

— Eu! — O corrigiu, pois, não se denominava mais de Ashildr.

— Eu... vá para o inferno! — As sobrancelhas grudaram em raiva ao fitar a mestiça.

Enviada ao ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora